No final do mês de julho, internautas viralizaram um vídeo da atriz e apresentadora Giovanna Ewbank defendendo seus filhos mais velhos, Titi e Bless, de comentários racistas em um restaurante na Costa da Caparica, em Portugal, onde a família passava férias. A autora das falas foi presa pela polícia local e liberada logo em seguida, mas as marcas dessa violência continuarão perseguindo as crianças.
Com a repercussão do vídeo, a discussão sobre como lidar com o racismo na infância cresceu e incentivou famílias com crianças pretas a criarem um diálogo de acolhimento e de preparação para que seus filhos identifiquem essas situações e se fortaleçam a partir delas. Para Luana Tolentino, professora, mestra em educação e autora do livro “Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula”, a melhor forma de acolher uma criança vítima de racismo é por meio do amor e do afeto, fortalecendo a sua autoestima sem menosprezar o peso da violência sofrida.
“A criança precisa saber que o racismo é um erro, é um grande equívoco, é uma prática cruel e que aquele que cometeu o ato de racismo precisa ser educado e, se possível, também repreendido com firmeza para que isso não volte a acontecer”, explica Luana.
Autoestima na infância
Segundo Tolentino, o racismo dilacera a autoestima das crianças negras, criando, para elas, a ilusão de que possibilidades de construção de identidades positivas não existem. “O racismo deixa traumas e marcas muito profundas nas crianças. O sentimento de menos valia, o sentimento de inferioridade, muitas vezes, as acompanham pela vida toda. Eu falo isso como estudiosa das relações da educação e das relações sociais, e falo isso também como criança negra que eu fui”, afirma ela.
As consequências do racismo na infância envolvem colocar as crianças em um lugar de silêncio, solidão e invisibilidade, impedindo que elas desenvolvam plenamente a maturação e se tornem adultos inseguros de sua identidade. “O racismo tem sido instrumento de um verdadeiro massacre. As crianças negras têm sido massacradas nos espaços de socialização, em grande medida nas escolas, em razão da cor da pele”, aponta Luana.
Para lidar com a violência sofrida pela imagem das crianças pretas, a professora afirma que é preciso ressaltar as potencialidades e a beleza delas, ensinando-as que sua ascendência não as faz inferiores e, pelo contrário, reforçam suas qualidades e seus valores. No entanto, Tolentino explica que esse acolhimento não deve partir apenas da família, mas da sociedade como um todo.
“A superação do racismo no Brasil é um compromisso que precisa ser assumido por toda a sociedade. Afinal, não é só a família que educa. E eu falo da educação no sentido mais amplo, no sentido de que é nesses espaços de socialização que a nossa identidade, a nossa formação enquanto indivíduos, é construída”, explica ela. “Nós precisamos cada vez mais ter aliados, pessoas comprometidas no combate ao racismo. Só assim haverá a possibilidade de construirmos uma sociedade mais justa, mais igualitária, em que seja garantido a todas e todos o direito de ser, de existir e viver de maneira plena e com dignidade”, complementa.
Dentro de casa
A professora Michelli Oliveira conta que, quando criança, sofria muito com o racismo e começou a alisar seus cabelos muito cedo e, apesar de serem uma família de pessoas pretas, seus pais não conversavam com ela sobre o tema. “A minha mãe passou muita dificuldade, ela não tinha condições, às vezes, de comprar creme para o cabelo. Ou ela comprava o creme ou a comida para alimentar os filhos. E eu me recusava a ir para escola, por causa do meu cabelo”, relata ela.
Atualmente, Michelli é mãe de duas crianças, Martin e Odara, e afirma abordar a pauta com frequência dentro de casa, além de frequentar diversos grupos formados exclusivamente por mães negras e levar seus filhos para atividades culturais que abordam o tema.
“Eu sou a mãe que vai para cima, que briga, que vai questionar e bater de frente. Eu faço isso e eu converso com as crianças. Por mais que nós vivenciemos isso, eu sei o que é racismo, meus filhos sabem, mas a gente tem que saber como combater. Não é só chegar e bater boca. Acho que você tem que ter uma base construída através das relações e dos estudos”, explica ela.
No entanto, para Sarah Carolina, professora de História e criadora da página no Instagram @maternagempreta, confrontos abertos e reações mais exasperadas devem ser evitadas, principalmente quando a mãe também é uma mulher preta. "O mais provável é que a gente vá presa no lugar do racista”, afirma.
Mãe de três jovens, a professora afirma que já teve uma postura mais combativa quando era mais nova, mas mudou quando seu filho mais velho sofreu consequências mais graves e, atualmente, prefere investir no empoderamento de seus filhos através de referências pretas positivas. “Eu dizia a ele que não devia abaixar a cabeça para ninguém, que tinha que responder à altura e enfrentar se fosse alvo de racismo. Agi assim até o dia em que ele seguiu os meus conselhos e acabou apanhando em uma abordagem policial mais violenta quando tinha 15 anos”, completa.
Sarah afirma que reações como a de Giovanna Ewbank não são bem vistas quando partem de mulheres pretas. Em entrevista ao Fantástico, a própria atriz se mostrou consciente de que sua revolta só foi acolhida e legitimada não apenas por ser famosa, mas por ser uma mãe branca. “Teria essa atenção toda se fôssemos pais pretos de crianças pretas? Eu sou uma mulher muito consciente dos meus privilégios. Sou uma mulher que sempre estou rodeada de mulheres pretas aprendendo diariamente e vou fazer jus ao nome ‘privilégio branco’ e vou combater de frente”, declarou.
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