O presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou, no início de julho, os municípios baianos de Feira de Santana, Muritiba e Cruz das Almas para a comemoração da independência da Bahia, motociatas, visitas a obras em andamento e a inauguração da Restauração do Casarão da Filarmônica Tepsicore Popular. Na ocasião, também visitou a Mansão do Caminho acompanhado de Divaldo Franco, líder espírita que fundou a instituição em 1952, e que recebeu uma Insígnia da Ordem do Rio Branco em reconhecimento pelo trabalho social que tem desenvolvido.
De acordo com Divaldo, a visita de Bolsonaro teria sido “discreta e simples”, mas ainda assim repercutiu, principalmente entre seguidores do espiritismo. Para Marcelo Teixeira, escritor e expositor espírita, muitos seguidores da doutrina se espantaram ao ver um de seus líderes mais populares aceitar ser homenageado pelo atual presidente da República. “Eu e muitos outros companheiros de doutrina espírita jamais aceitaríamos algo semelhante vindo de um presidente que desrespeita a vida com declarações escancaradamente machistas, homofóbicas, racistas e misóginas”, afirma.
Segundo Teixeira, no espiritismo existe a consciência de que as pessoas são espíritos imortais presos temporariamente a um corpo material que reencarnam quantas vezes forem necessárias para encerrar determinadas pendências e auxiliar no progresso da humanidade e do planeta. “Isso significa que devemos lutar para sermos pessoas melhores, bem como participativos no que tange à construção de uma sociedade na qual haja trabalho, saúde, educação, moradia e salários dignos para todos, independentemente de sexo, etnia, orientação sexual, classe social ou credo religioso”, explica ele.
Apoio a Bolsonaro
Em diferentes ocasiões, Divaldo Franco já havia demonstrado apoio a Jair Bolsonaro, chegando a receber o apelido de “médium de direita”. “Não acompanho política, mas não sou covarde e expresso minhas opiniões. O atual presidente representava uma esperança, apesar de eu não aprovar seus discursos a favor da tortura”, afirmou ele ainda em 2019 em entrevista à Veja São Paulo.
Na época, Dora Incontri, coordenadora da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, chegou a se pronunciar sobre o posicionamento político de Divaldo, negando suposições de que ele representaria a doutrina. “Ele influencia muita gente e, como se porta como líder, parece que toda a nossa comunidade segue o seu pensamento, o que não é verdade”, criticou ela.
Édney Mesquita, professor de história e psicanalista espírita que administra o perfil @cortesespiritas no Instagram e no TikTok, comentou sobre o caso mais recente. “Senhor Divaldo Franco, quando você tira ‘fotinho’ ao lado de um candidato, ao meu ver, representante das trevas, você está indicando aos espíritas incautos, que não raciocinam, que o que você fala, é lei. Você está angariando votos para ele”, afirma ele em uma publicação.
Debates progressistas
Para Marcelo Teixeira, as ações de Divaldo Franco em apoio ao atual presidente têm relação com o individualismo da classe média. “Ele está na casa dos 90 anos, vem de uma época em que a doutrina espírita conquistou grande número de adeptos graças a médiuns como ele. Adeptos, em sua grande maioria, vindos de classe média, que encontraram no espiritismo alívio para as dores e explicações lógicas que os afligiam. Mas creio que está na hora de essa gente bronzeada se conscientizar de que é preciso dar um passo além e debater sobre as questões sociais e políticas que fazem do nosso país um dos mais injustos do mundo”, diz ele.
O escritor também explica que o catolicismo trazido por jesuítas portugueses durante a colonização do país influenciou a maneira como os brasileiros praticam a doutrina espírita atualmente. “Trazemos na nossa conduta, sem percebermos, um catolicismo popular e conservador, e o que temos até hoje é um movimento espírita conservador e moralista, pouco afeito a debater ideias progressistas e que prefere se limitar à reforma que cada indivíduo deve realizar em seu mundo íntimo, mas se esquece de ampliar a questão para as profundas reformas sociais pelas quais o Brasil e o mundo precisam passar, e Divaldo acaba sendo a personificação desse espiritismo”, afirma.
Teixeira afirma que Divaldo Franco seria fruto de uma construção social que contribui para que a classe média que compõe o movimento espírita continue “inculta, reacionária, ranzinza, hipócrita, moralista, temerosa do comunismo e avessa ao progresso social, já que este implica na ascensão das classes que adoramos manter subalternas para limpar nosso chão, recolher nosso lixo, fazer nossa comida e lavar nosso banheiro”.
Estudos sobre sociologia, teoria política, semiologia e antropologia segundo os entendimentos da doutrina espírita e para além dos livros espíritas seriam importantes, segundo Marcelo, para entender melhor sobre a religião e praticá-la com maior afinco. “A meu ver, de nada adianta ficarmos maravilhados com as minudências do além-túmulo que os livros espíritas evidenciam se, na vida civil, repetimos, com o nosso voto e a nossa mentalidade, comportamentos sociais escravagistas, opressores e injustos”, completa.
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