O mês de setembro é conhecido pela Campanha de Prevenção ao Suicídio, Setembro Amarelo, e é uma iniciativa que partiu da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2014 e passou a incluir o apoio do Centro de Valorização da Vida (CVV) em 2015. No Brasil, cerca de 12 mil pessoas tiram a própria vida e, dentre elas, jovens pretos são o maior número, segundo pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O risco de suicídio entre jovens negros do sexo masculino entre 10 e 29 anos é 45% maior do que entre jovens brancos da mesma faixa etária. Os dados são de pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e pela Universidade de Brasília (UnB), publicada em 2018, e revelam a influência do racismo e da exclusão social no incentivo à prática por esse grupo.
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Para entender como o racismo e a exclusão social operam como potencializadores de tentativas de suicídio entre jovens pretos no Brasil, é preciso retomar dados históricos da época em que o Brasil passou a ser colonizado e pessoas negras, escravizadas. É o que explica Jeanne Saskya Campos Tavares, psicóloga, mestre em Saúde Comunitária, doutora em Saúde Pública e docente na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).
“No passado, por diferentes meios, pessoas negras davam fim às suas próprias vidas e de seus filhos para que não fossem submetidos aos horrores da escravização. Atualmente, o racismo continua diretamente ligado à ideação e comportamento suicida, pois não se trata de um problema individual, mas sim de um processo coletivo e se relaciona com a necessidade do jovem negro de cessar um intenso sofrimento através da morte”, afirma ela.
Bruno Mota, mestre em Psicologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), pesquisador do Laboratório de Psicologia e Informações Afro-Descendentes (LAPSIAFRO) e docente universitário, também afirma que a questão não é apenas de saúde pública, mas também de problemas históricos. Para ele, os números das pesquisas sobre o tema são um reflexo do racismo no país, cujos efeitos são capazes de moldar como pessoas negras se enxergam e são vistas na sociedade.
"A população negra vive uma espécie de estresse pós-traumático contínuo. Cada experiência de discriminação vai ativar esse estilhaço traumático e causar adoecimentos. Além disso, a maneira como o Estado e a mídia colocam as juventudes negras como potenciais criminosos sustenta um imaginário prejudicial à saúde", diz ele.
Para Jeanne, é importante relacionar os dados das pesquisas referentes ao suicídio com o racismo, uma vez que este é considerado um grande fator de vulnerabilidade, principalmente para jovens negros, que lidam com diferentes questões sociais, violência no ambiente escolar desde a infância e baixa auto-estima.
“Ele impede o acesso aos direitos de cidadania e expõe as pessoas negras a múltiplas violências cotidianas, que envolvem desde situações continuadas de humilhação pública até a possibilidade de encarceramento ou sua própria morte. Essas experiências comprometem significativamente a saúde mental da maioria das pessoas negras, pois se relacionam com a baixa qualidade de vida e com a impossibilidade de receber apoio social em diferentes contextos”, explica.
Alguns outros fatores menos óbvios, que incentivam o suicídio entre a população negra, são derivados do racismo estrutural, a exemplo da violência doméstica – que acomete mais mulheres negras –, diferença salarial e de cargos entre negros e brancos e insegurança alimentar. Durante os anos de 2020 e 2021, a pandemia também impactou diretamente a saúde mental de jovens negros.
“Eles foram expostos a uma maior insegurança do que já viviam. Não era apenas o risco de contaminação pelo vírus, pois muitos continuaram desenvolvendo atividades laborais, geralmente informais, junto com suas famílias, mas também tiveram que lidar com a morte e adoecimento dos seus familiares e conhecidos que, em sua maioria, não puderam estar em trabalho remoto”, afirma Jeanne.
A psicóloga também explica que, durante a pandemia, os jovens tiveram que experienciar dificuldades relacionadas à perda de emprego e ao empobrecimento coletivo, além da paralisação das atividades escolares, responsável por um ambiente reconhecido como protetor que dá acesso à alimentação e ao contato social diário, ainda que com suas limitações. Ela afirma que políticas afirmativas e de redistribuição de renda também fazem parte da prevenção.
“É importante salientar que a saúde mental da população negra está diretamente associada à nossa qualidade de vida, por isso todas as políticas que nos permitam viver numa sociedade equânime, com acesso à alimentação, água, justiça, paz, trabalho, moradia, liberdade de trânsito nas cidades, saúde, educação, descanso, dentre tantos outros direitos humanos, são também produtoras de saúde mental e nos protegem em relação ao suicídio”, ressalta ela.
CVV e CAPS
Centro de Valorização da Vida - Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
Sob a orientação de Márcia Maria Cruz
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