Jornal Estado de Minas

DIVERSIDADE

Escola chama MP contra pais de criança trans que pediram uso de nome social

Os pais de Luana (nome fictício), criança trans de cinco anos de idade, só queriam que a filha tivesse o nome social respeitado na escola, mas se viram envolvidos em uma batalha judicial após o Porto Seguro, tradicional colégio particular de São Paulo, acionar o Ministério Público.





"Nossa vida virou de cabeça para baixo", diz a mãe de Luana, a jornalista Raquel – o nome também é fictício para preservar a identidade da família. A mãe pediu anonimato por temer se tornar alvo de grupos de ódio. Ela deixou o trabalho para responder à ação na Justiça e para dar apoio à filha, que teve de mudar de escola.


Segundo a mãe, Luana, que foi registrada como sendo do sexo masculino ao nascer, demonstra interesse por roupas e brinquedos associados ao universo feminino desde que tinha um ano e três meses de idade. A partir dos dois anos, passou a insistir em ser chamada pelo nome social, desejo acolhido pelos pais.


O nome social, diferentemente do de registro, é aquele pelo qual pessoas trans preferem ser chamadas no dia a dia, em consonância com a sua identidade de gênero.


O Ministério da Educação e a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo orientam estabelecimentos de ensino a adotarem o nome social sempre que alunos trans solicitarem. Para estudantes menores de 18 anos, é preciso que o pedido seja feito pelos pais.





Na escola, Luana tinha sua identidade de gênero respeitada pelos professores, mas encontrou resistência por parte da coordenação, de acordo com a família.


Por isso, em maio, Raquel enviou uma carta ao Porto Seguro pedindo que Luana fosse tratada pelo nome social e por pronomes femininos. Também entregou o parecer de uma psicóloga aconselhando o uso do nome social no ambiente escolar.


Raquel relata que a carta não foi bem recebida pelo colégio. Chegaram a sugerir que a criança se identifica como menina por falta de referência masculina em casa, conta. Ela é separada do pai de Luana, que também foi intimado no processo e, nos autos, manifestou apoio à transição da filha.


Três dias após o recebimento da carta, o Porto Seguro protocolou uma representação no Ministério Público afirmando que atenderia ao pedido da família e passaria a chamar Luana pelo nome social. O colégio declarou, porém, ser incapaz de confirmar se os direitos da criança estavam sendo assegurados com base na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente –sem, contudo, apresentar indícios de maus-tratos ou abuso parental.





O que diz o colégio


Procurado pela reportagem, o colégio afirmou que, "em respeito à cidadania, aos direitos humanos, à diversidade e ao pluralismo, sempre atende à solicitação das famílias e à legislação vigente, inclui o nome social nos registros escolares internos e instrui seus colaboradores para que os alunos sejam tratados da forma requerida".


Por meio de sua assessoria de imprensa, a instituição disse ainda que não se manifestaria especificamente sobre o caso em razão do sigilo de processos envolvendo menores. "A privacidade das crianças é um princípio fundamental para o colégio".


Após receber a representação, a Promotoria da Infância e da Juventude acionou a Justiça contra os pais de Luana para averiguar a necessidade de aplicação de medida de proteção. O objetivo era investigar os sinais de incongruência de gênero da criança que justificassem o uso do nome social.





"Toda representação encaminhada ao Ministério Público é registrada e dará ensejo a abertura de procedimento administrativo ou judicial. No presente caso, optou-se pela distribuição judicial de medida de proteção", diz, em nota, a promotora Marianí Atchabahian, responsável pelo caso.


Arquivamento


O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ordenou o arquivamento da ação em 26 de agosto a pedido da Promotoria, após os pais apresentarem indícios de que a criança se identificava com o gênero feminino desde os primeiros anos de vida e de que seus direitos estavam sendo devidamente assegurados.


Raquel se diz aliviada com o desfecho do caso. "Fico feliz que o Ministério Público e a Justiça tenham reconhecido que estamos acolhendo a nossa filha", afirma.


Agora, a Promotoria, por meio do Grupo de Atuação Especial de Educação, planeja instaurar um procedimento administrativo para se certificar, junto ao Porto Seguro e à Equipe de Supervisão de Ensino da Secretaria da Educação paulista, que o colégio tem um projeto pedagógico que englobe questões relacionadas à diversidade.


"A escola deve ser um ponto de apoio para o desenvolvimento das crianças", diz a advogada Regiani Abreu, mãe de um adolescente trans e integrante do movimento Mães Pela Diversidade, que luta pelos direitos de jovens LGBTQIA+ .


Para Abreu, não é razoável que pais de crianças trans tenham que dar explicações à Justiça sobre o gênero de seus filhos. "Uma criança que tem a sua identidade de gênero respeitada não está em risco, muito pelo contrário. Acolhê-la é papel de uma família atenta e amorosa", conta.