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Estado de Minas DENÚNCIA

Betim: Polícia Civil apura falso crime de homofobia em condomínio de luxo

Vítimas afirmaram ter recebido mensagens intimidatórias, mas investigação concluiu que os fatos foram forjados por vingança e para justificar obras irregulares


21/09/2022 14:48 - atualizado 21/09/2022 15:15

Ariadne Coelho é uma mulher de cabelos longos e lisos. Ela posa séria para a câmera com seu distintivo pendurado no pescoço. Ao fundo, está o painel da PCMG
Delegada Ariadne Coelho, responsável pelo caso, afirma que houve uso indevido da máquina pública e a ação deve ter consequências (foto: PCMG/Divulgação)
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluiu, nessa segunda-feira (19/9), um inquérito envolvendo uma suposta conduta homofóbica contra um casal em Betim, na Grande BH. Os dois homens teriam recebido mensagens ofensivas e, visando a própria segurança, procuraram a polícia e realizaram uma série de obras dentro do condomínio de luxo em que moram. As investigações, no entanto, mostraram que os fatos foram forjados por conta de desafetos em relação às acusadas, vizinhas do casal, e para justificar a irregularidade das reformas na propriedade.

No final de julho de 2022, o casal recebeu uma série de mensagens de teor homofóbico por WhatsApp, ameaçando, inclusive, retirá-los do condomínio como forma de realizar "uma limpeza social'. Na denúncia, consta que as mensagens, que seriam de autoria de três vizinhas que já demonstravam tratamento diferenciado com o casal homoafetivo, afirmavam, também, estar expressando o desejo de todos os moradores com os avisos.

Por conta disso, o casal foi à polícia para denunciar o caso e afirmou ter passado por quadros severos de depressão e ansiedade. Temendo sofrer com ataques na propriedade, também construíram uma entrada particular separada do restante do condomínio, além de terem instalado novas câmeras de monitoramento.

Investigação

A partir da denúncia, foram realizados diversos levantamentos para comprovar a autoria das mensagens, mas testemunhas negaram atitudes homofóbicas das acusadas. Então, foram solicitadas às operadoras de telefonia informações das linhas utilizadas para enviar as mensagens, e foi descoberto que os números foram cadastrados em nomes de terceiros com o intuito único de cometer o ato delituoso, mas o rastreamento dos aparelhos levava às próprias vítimas.

Pressionado, um dos homens, Bacharel em Direito, confessou ter tido, sozinho, a ideia de enviar as mensagens com duas finalidades: vingança contra as vizinhas, com quem já cultivavam antipatia, e justificação das obras irregulares realizadas no local. Ele afirmou ter comprado dois chips em uma drogaria e pesquisado nomes e dados na internet de pessoas que passaram em concursos públicos.

O marido não tinha conhecimento da situação e se mostrou surpreso com a confissão do companheiro, que se identificava como advogado ou policial para os condôminos e já havia sido demitido pela Prefeitura de Betim por outros fatores.

O inquérito, inicialmente instaurado com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de equiparar condutas homofóbicas à Lei de Racismo, foi encaminhado ao Ministério Público com indiciamento revertido por falsidade ideológica, falsa identidade e denúncia caluniosa.
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De acordo com a delegada Ariadne Coelho, responsável pelo caso, houve uso indevido da máquina pública e a ação deve ter consequências. “O caso é grave e merece responsabilização tanto quanto se [as ações homofóbicas] fossem verdade, mas trata-se de uma utilização indevida da máquina pública, sobretudo em uma sociedade que tem como objetivo primar pela liberdade e pela justiça, bem como pela promoção do bem-estar de todos, sem preconceito de qualquer natureza”, afirma ela.

Falsas narrativas de crime de ódio

De acordo com Achiles Batista Ferreira Junior, doutor em Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), denúncias falsas de crimes de ódio podem ter consequências negativas à coletividade. “Essas alegações falsas prejudicam o enfrentamento aos problemas reais relacionados aos crimes de ódio. A partir do momento em que as pessoas descobrem que um determinado caso se trata de uma ‘fake news’, o assunto cai em descrédito e uma denúncia verdadeira daqui a algum tempo não vai mais chamar a atenção”, explica ele.

O sociólogo Lucas Rodrigues Azambuja, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), também comenta que muitos casos de falsas narrativas estão ligados ao fator político. “Essa estratégia de dissimular, desinformar ou mentir tem como objetivo manipular as pessoas numa certa direção, aproveitando que casos desse tipo podem alcançar milhões de pessoas pelas redes sociais. Algumas pessoas se reorientam quando um caso falso é desmascarado, mas outras buscam só o que vai confirmar o que elas gostariam que fosse”, afirma.

Segundo Azambuja, grupos orientados ideologicamente podem usar falsas narrativas de crimes de ódio como mecanismo para incentivar uma maior polarização, criando ressentimentos que ignoram a possibilidade de diálogo. “Hoje, se você consegue tachar uma pessoa ou um grupo como racista, por exemplo, a imagem dessa pessoa acaba sendo queimada. E esse componente normalmente é usado nesses falsos casos de crimes de ódio”, explica.

No Brasil, o “crime de ódio” não pode ser definido como um crime em específico, mas sim em um conceito que abrange outros delitos contra grupos específicos, geralmente associados à raça, orientação sexual ou religião. Douglas Lima Goulart, especialista em Direito Penal, afirma que crimes de ódio têm motivação relacionada à aversão da existência de um grupo específico.

“Quando se fala em crime de ódio, a motivação para a conduta não está relacionada a uma pessoa específica, mas ao grupo ao qual a pessoa pertence. Em uma injúria racial, por exemplo, há uma vítima que é alvo, mas a motivação por trás está relacionada a um sentimento contrário à existência do outro como grupo”, afirma.

Em relação às falsas narrativas de crimes de ódio, Goulart explica que há tipificações às quais os autores estão sujeitos. “Se alguém cria um caso falso relacionado a uma pessoa, por exemplo, isso pode ser enquadrado como crime de injúria. Se a falsa narrativa tem cunho racial, pode ser um crime de racismo. São várias as possibilidades quando se trata de fake news, que vão variar conforme o contexto”, explica ele

O advogado também enfatiza que hipóteses criminais comumente ligadas à difusão de fake news e narrativas falsas são a denunciação caluniosa e a comunicação falsa de crime. “Na comunicação falsa de crime, a mensagem inverídica precisaria estar vinculada a uma hipótese criminal com capacidade de provocar a ação de autoridade, como por exemplo quando o indivíduo promove a locomoção de viaturas ao propagar mensagem sobre um falso homicídio. Já na denunciação caluniosa, a acusação remete a uma pessoa específica e a mensagem serve efetivamente para dar início a uma investigação formal”, afirma.
 

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