Jornal Estado de Minas

TODO DOMINGO

Reality show de drags reúne arte e militância em Juiz de Fora


Por trás dos nomes das artistas representantes da arte drag Lilitth, Saraah, Charbulosa, Saturnine, Aurora The Witch e Tita Tully há vidas que lutam pelo mais básico que um ser humano pode querer: respeito. É com base nessa premissa que Bruna Hildebrando, maquiadora e influenciadora de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, idealizou o reality show “Rainbow Queen – Drag”. 




 
Com financiamento do Programa Cultural Murilo Mendes, mantido pela Prefeitura de Juiz de Fora por meio da gestão da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa), o reality estreou em 18 de agosto. Neste domingo (25/9), às 19h, é exibido o segundo de cinco episódios no YouTube. O conteúdo é livre para todos os públicos e possui acessibilidade em libras. 
 



No reality, cada competidora representa uma cor do arco-íris e participa de provas diversas – como maquiagem, figurinos, lip sync e dança – , sendo avaliada por uma comissão julgadora, que, no voto, decide pela eliminação gradativa das cores. Os episódios têm entre 40 e 50 minutos. A campeã, além de receber R$ 1 mil, fará um show no Rainbow Fest Brasil 2023. 
 
Em entrevista ao Estado de Minas, Bruna Hildebrando, de 31 anos, comentou o início do projeto, as etapas do processo e as experiências de vida. “Criamos o reality em setembro de 2021. A partir de dezembro, foram mais de cinco meses de produção, incluindo muitas reuniões para definir cenários, figurinos e roteiro”, inicia.



"Em cinco dias de gravação, no fim de julho deste ano, a gente chegava ao local às 9h e saía às 20h", explica Bruna, destacando que o cantor e ator Tiago Capuzzo, de 38 anos, foi seu braço direito. "Ele me auxiliou na criação de provas, roteiro e direção", pontua. Com Uiara Cardinally, o trio comanda a apresentação de todos os episódios que vão ao ar sempre aos domingos.

"Arte em geral não é valorizada e sendo LGBTQIA+ é menos ainda! A ideia do projeto é valorizar a nossa cena e a arte drag da região, dando espaço para essas artistas, cheias de talento, que estão começando agora. Trata-se de ajudar no impacto social e, ao mesmo tempo, levar cultura para todos os lados", avalia Capuzzo, também conhecido artisticamente, enquanto drag, como TITIago.

Logo, para muito além do entretenimento, Bruna também dá o tom da missão do reality. "Vejo como uma estratégia de enfrentamento ao preconceito que existe e nos mata. Mostrando os talentos drags da nossa cidade, pretendemos somar, valorizar, motivar e contar histórias de superação."



Mulher trans, Hildebrando conta que encara o preconceito todos os dias e já viveu dias difíceis com a família. "Quem é LGBTQIA tem que estar preparado, desde que acorda, para o preconceito e os olhares das pessoas. Eu sempre escuto piadinhas ou sou cutucado por alguém do meu lado. Porém, o que mais me machucou foi o tratamento de parte da minha família. Meu pai e meu irmão não aceitavam quem eu era desde minha infância. Já minha mãe era mais receptiva. Mas hoje já está tudo bem entre nós."
 

'Uma possibilidade de existência'

 
Para o professor Anderson Ferrari, pós-doutor em Educação e Cultura Visual pela Universidade de Barcelona, destacar iniciativas como essa é “uma oportunidade da população ter mais contato com esses artistas”.

"Há de se destacar a importância do principal edital da cidade em contemplar a arte drag", comenta o docente, que leciona na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordena o grupo de estudos e pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed) na instituição.



"Temos que dar oportunidade para as diferentes identidades. Trata-se de dar lugar para parte da população que é mais marginalizada. Pensando sobre os efeitos nas crianças e nos adolescentes, eles passam a ver na drag uma possibilidade normal de existência, deixando, portanto, a percepção de algo negativo ou proibido", acrescenta Ferrari.

Minas tem terceiro maior número de mortes de pessoas LBGTQIA


No ano passado, 300 pessoas LGBTQIA morreram de forma violenta no Brasil. Foram 276 homicídios (92%) e 24 suicídios (8%). O levantamento é do Grupo Gay da Bahia (GGB) – a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no país. Os dados se baseiam em notícias nos meios de comunicação que são coletadas e analisadas pelo GGB há 40 anos.

Minas Gerais é o terceiro estado com maior número de mortes: 27. Em primeiro e segundo lugares estão São Paulo, com 42 óbitos, e a Bahia, com 32. Acre e Tocantins notificaram apenas um assassinato, e Roraima foi o único estado sem registro. O Brasil continua sendo o país do mundo onde mais LGBTQIA são assassinados: uma morte a cada 29 horas.



Em 2021, os homossexuais masculinos ocuparam o primeiro lugar no ranking de mortes: 153 gays (51%). Na segunda colocação, com 110 óbitos (36,67%), estão as travestis e transexuais. Na sequência há os seguintes grupos: lésbicas, com 12 casos (4%); bissexuais e homens trans, com quatro ocorrências (1,33%); um caso de pessoa não binária e outro envolvendo um heterossexual, que foi confundido com uma pessoa homossexual.

Primeiro levantamento sobre homossexuais e bissexuais no Brasil


Conforme dados da "Pesquisa Nacional de Saúde (PNS): Orientação sexual autoidentificada da população adulta", 2,9 milhões de pessoas de 18 anos ou mais no Brasil se declaram lésbicas, gays ou bissexuais.

O estudo foi divulgado em 25 de maio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, o número pode estar subnotificado. O IBGE avalia que a causa principal está no estigma e preconceito por parte da sociedade. Com isso, as pessoas, possivelmente, não se sentem seguras em declarar a própria orientação sexual.

Esta é a primeira vez que esse tipo de levantamento é feito entre a população brasileira. Coletados em 2019, os dados mostram que 94,8% da população adulta, o que equivale a 150,8 milhões de pessoas, identificam-se como heterossexuais; 1,2%, ou 1,8 milhão, declaram-se homossexuais; e 0,7%, ou 1,1 milhão, consideram-se bissexuais.