Mãe aos 17 anos, Sofia Martini saiu da escola para cuidar das filhas recém-nascidas, as gêmeas Alice e Aléxia. Hoje, nove anos depois, a doceira é casada com o pai das garotas, se tornou mãe também de Henrik, de 3, e vive no Bairro Eldoradinho, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Desde a primeira gravidez, Sofia tenta voltar aos estudos, que abandonou ainda no ensino médio, mas a rotina com os filhos tem adiado esse sonho.
Leia Mais
'Antes da Hora': projeto evita evasão escolar de mães adolescentesTécnica indiana reconecta mães e filhos e evita evasão escolarGravidez na adolescência: a importância das redes de apoio para mãe e bebêEducação sexual: diálogos contra a gravidez na adolescênciaO Estado de Minas publica a partir de hoje a série de reportagens "Antes da hora", sobre gravidez na adolescência, e mostra soluções viáveis para esse grave problema social, que afeta o presente e o futuro de milhares de jovens e de seus filhos. Projetos que poderiam ter ajudado Sofia a retomar os planos de concluir os estudos, sem perder a convivência com os filhos.
"A gravidez de adolescentes custa R$ 4,1 bilhões por ano ao Brasil. Isso ninguém aborda: corresponde a 10% do PIB. Enquanto que para outros países, como Estados Unidos, Noruega, Suécia e China, custa 1% do Produto Interno Bruto", afirma a médica ginecologista Albertina Duarte, coordenadora do projeto Casa do Adolescente, em São Paulo. A iniciativa ajuda jovens a construir uma perspectiva de vida, um dos pilares para reduzir os números de crianças e adolescentes grávidas no Brasil, ao lado de promover a autoestima e trabalhar aspectos culturais, segundo especialistas.
Na América Latina, 36% dos casos de evasão escolar de garotas podem estar relacionados à maternidade ou a gravidez na adolescência, conforme estudo da Corporación Andina de Fomento (CAF), instituição que investe em pesquisas e projetos para desenvolver a América Latina. A cerca de uma hora de Aracaju, uma escola sergipana se tornou referência nacional ao criar, há mais de uma década, um modelo de ensino que concilia lições de planejamento de vida para adolescentes, ao mesmo tempo em que acolhe jovens que foram mães antes da hora.
O projeto Bebê a Bordo
Para aumentar a sensação de pertencimento das mães na escola e evitar a evasão escolar, o Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo, localizado no município de Santa Rosa de Lima, aprovou o projeto Bebê a Bordo, criado pela professora Gleide Leandro. A iniciativa ensina as mães a cuidarem dos bebês, como primeiros socorros e a massagem shantala, e complementa o trabalho diferencial que a escola faz ao aceitar estudantes e seus filhos.A decisão de aceitar recém-nascidos e crianças na sala de aula surgiu a partir de um pedido feito por uma aluna ao diretor do centro, Almir Pinto. "Isso de criança na escola era muito barulho, eu ficava azedo. Até mandei uma menina ir para casa porque ela estava com o bebê chorando. Mas ela foi até a minha sala e falou: 'Professor Almir, eu não tenho com quem deixar minha filha. Eu quero ser alguém na vida, o senhor não já é? Eu quero estudar, não quero abandonar'", relembra.
O desejo de melhorar sua condição de vida por meio da escola também é uma realidade na vida de Joana Santos, de 19, mãe de Murilo Joaquim, de 1, e aluna do segundo ano na Dr. Edélzio Vieira de Melo. A estudante, que sonha em ser enfermeira, conta com a ajuda do colégio para manter os estudos em dia e cuidar do filho. "Tudo o que eu faço é para mim e para ele", afirma a jovem, que cria o filho sem o apoio do pai da criança.
Erika Oliveira, de 22, concluiu os estudos no colégio sergipano com a ajuda do Bebê a Bordo. Ela é mãe de Bárbara Helen, de 4, e Bernardo, de 3, e é casada com o pai das crianças. "Foi um projeto muito acolhedor e necessário do colégio para nós, mães na flor da idade. Conseguiu nos trazer de volta para os estudos e nos conectar melhor também com a escola", afirma Erika, que planeja fazer um curso superior ou profissionalizante.
Difícil conciliação dentro de casa
Uma realidade bem diferente da enfrentada na Grande BH por Sofia. Após o nascimento das gêmeas, ela começou a fazer bolos de pote para vender. A fonte de renda foi uma solução também para continuar ao lado das filhas, sem ter de deixar Alice e Aléxia na casa de terceiros enquanto trabalhava. Atualmente, ela está empregada como assistente administrativa, com carteira assinada, o que por muito tempo foi difícil conciliar com a rotina de mãe."Não conseguia ficar três meses em um emprego e tinha problema por conta do horário. Ou leva em babá ou leva na escolinha. Tem um clichê que filho é de mãe, pai só ajuda. Para o pai conseguir um emprego, ele precisa só do trabalho. Já uma mãe precisa de um trabalho, horário flexível e uma pessoa de confiança", comenta Sofia.
"Estou falando de crianças tendo crianças"
Um dos objetivos do colégio e do projeto é quebrar o ciclo da pobreza e promover melhores oportunidades de futuro para as alunas e seus bebês. Tecnicamente, o ciclo da pobreza ocorre quando os pais não conseguem dar condições para o filho ascender socialmente e, assim, se estabelece um movimento circular, explica a professora Danielle Cireno Fernandes, do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"Existe hoje uma diferença na idade de ter o primeiro filho, que é muito clara entre as classes sociais. De uma maneira geral, o Brasil está acompanhando bastante esse comportamento. Mães de classes menos favorecidas tomam uma, digamos assim, decisão de antecipar o filho – às vezes, é um evento que não é totalmente controlado, em especial no país onde o aborto não é permitido – para, a partir dali, ela se inserir no mercado de trabalho", explica.
Nesse contexto, essas jovens mães de classes sociais mais baixas tendem a deixar os estudos para cuidar do filho e acabam tendo menos oportunidades no mercado de trabalho. Ela possivelmente terá um emprego que precise de baixa escolarização e tenha baixa remuneração, sem possibilidade de crescer profissionalmente.
Apesar de a gravidez na adolescência ocorrer em todas as classes sociais, a maior parte dos nascidos vivos de mães jovens está concentrada em regiões brasileiras com maiores taxas de pobreza. Ou seja, a gravidez na adolescência está relacionada a outros índices socioeconômicos, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Em 2021, a média de nascimentos de mães de até 19 anos em São Paulo foi de 9,35%. Em Minas Gerais, a taxa foi de 10,96%. Enquanto isso, em Sergipe, foi de 15,73%, acima da média brasileira, de 13,62%. Esses dados são do Fundo de População das Nações Unidas. "A gente teve, em 2021, quase 20 mil nascidos vivos filhos de mães de 10 a 14 anos. Num país de dimensões continentais, nascem em média 3 milhões de crianças por ano, mas estou falando de um grupo de 14 anos. Estou falando de crianças tendo crianças. Nem sequer estou entrando na adolescência ainda", alerta Júnia Quiroga, representante auxiliar da ONU no Brasil do Fundo de População.
"O grupo da adolescência também tem uma fecundidade bastante alta: 13,1% dos nascidos vivos no Brasil em 2021 eram filhos de mães de 15 a 19 anos. No total, entre 10 a 14 e 15 a 19, a gente tem aí 14% dos nascidos vivos. Então, a gente tem não só crianças tendo crianças, como a gente tem adolescentes tendo crianças", explica Júnia.
"Existe hoje uma diferença na idade de ter o primeiro filho, que é muito clara entre as classes sociais. De uma maneira geral, o Brasil está acompanhando bastante esse comportamento. Mães de classes menos favorecidas tomam uma, digamos assim, decisão de antecipar o filho – às vezes, é um evento que não é totalmente controlado, em especial no país onde o aborto não é permitido – para, a partir dali, ela se inserir no mercado de trabalho", explica.
Nesse contexto, essas jovens mães de classes sociais mais baixas tendem a deixar os estudos para cuidar do filho e acabam tendo menos oportunidades no mercado de trabalho. Ela possivelmente terá um emprego que precise de baixa escolarização e tenha baixa remuneração, sem possibilidade de crescer profissionalmente.
Apesar de a gravidez na adolescência ocorrer em todas as classes sociais, a maior parte dos nascidos vivos de mães jovens está concentrada em regiões brasileiras com maiores taxas de pobreza. Ou seja, a gravidez na adolescência está relacionada a outros índices socioeconômicos, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Em 2021, a média de nascimentos de mães de até 19 anos em São Paulo foi de 9,35%. Em Minas Gerais, a taxa foi de 10,96%. Enquanto isso, em Sergipe, foi de 15,73%, acima da média brasileira, de 13,62%. Esses dados são do Fundo de População das Nações Unidas. "A gente teve, em 2021, quase 20 mil nascidos vivos filhos de mães de 10 a 14 anos. Num país de dimensões continentais, nascem em média 3 milhões de crianças por ano, mas estou falando de um grupo de 14 anos. Estou falando de crianças tendo crianças. Nem sequer estou entrando na adolescência ainda", alerta Júnia Quiroga, representante auxiliar da ONU no Brasil do Fundo de População.
"O grupo da adolescência também tem uma fecundidade bastante alta: 13,1% dos nascidos vivos no Brasil em 2021 eram filhos de mães de 15 a 19 anos. No total, entre 10 a 14 e 15 a 19, a gente tem aí 14% dos nascidos vivos. Então, a gente tem não só crianças tendo crianças, como a gente tem adolescentes tendo crianças", explica Júnia.
O especial "Antes da Hora"
A série "Antes da Hora" para o podcast DiversEM conta com o apoio do programa Early Childhood Reporting Fellowship: Desigualdade no Brasil e no restante da América do Sul, do Dart Center for Journalism and Trauma, da Universidade de Columbia (EUA) e da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. O especial com cinco episódios é publicado semanalmente nas versões impressa e digital do Estado de Minas.
O podcast DiversEM é uma produção quinzenal dedicada ao debate plural, aberto, com diferentes vozes e que convida o ouvinte para pensar além do convencional. Cada episódio é uma oportunidade para conhecer novos temas ou se aprofundar em assuntos relevantes, sempre com o olhar único e apurado de nossos convidados.
Ouça e acompanhe as edições do podcast DiversEM
O podcast DiversEM é uma produção quinzenal dedicada ao debate plural, aberto, com diferentes vozes e que convida o ouvinte para pensar além do convencional. Cada episódio é uma oportunidade para conhecer novos temas ou se aprofundar em assuntos relevantes, sempre com o olhar único e apurado de nossos convidados.