"Minha gravidez foi um baque, mas o Bebê a Bordo abriu uma porta". Aos 18 anos, Elida Santos é mãe de Bryan Murilo, de 4 anos, e de Maria Elisa, de 3. Moradora de Santa Rosa de Lima, em Sergipe, ela ficou grávida pela primeira vez aos 14 anos. No Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo, ela teve apoio para continuar os estudos sem ter de se distanciar dos filhos. A escola da cidade de 4 mil habitantes é o berço do projeto Bebê a Bordo.
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O futuro de Elida e das crianças poderia ter sido bem diferente se não fosse o projeto. Na América Latina, 36% dos casos de evasão escolar de garotas estão relacionados à maternidade ou a gravidez na adolescência, por exemplo. O dado faz parte de estudo da Corporación Andina de Fomento (CAF), instituição que investe em pesquisas e projetos para desenvolver a região.
O Bebê a Bordo é um projeto criado pela professora de educação física Gleide Leandro, em 2019, para ser espaço de acolhimento das mães adolescentes durante o período escolar com atividades para seus bebês e evitar a evasão escolar. A iniciativa surgiu como uma eletiva, que é uma disciplina semestral instituída no formato do Ensino Médio Integral, mas, se tornou fixo no currículo do Centro de Excelência Dr. Edelzio Vieira, que é uma escola estadual.
Além de evitar a evasão escolar de mães, o Bebê a Bordo também ajuda as alunas a cuidarem dos filhos. A base do projeto é a massagem Shantala, que conecta a mãe e o bebe e tem benefícios à saúde física e mental da criança. Os professores também ensinam primeiros socorros, lavagem nasal e banhos.
Primeiro banho em sala de aula
Maria Brena, de 21 anos, participou do projeto, no qual aprendeu algumas coisas básicas da nova rotina de mãe, como dar banho no filho. "Foi uma experiência muito doida. Como ele era pequenino, eu tinha medo de derrubá-lo", relembra, comentando que antes esse cuidado ela deixava por conta da avó da criança.
Em 2019, quando Elida e Brena estudavam no Dr. Edélzio, o Bebê a Bordo era uma disciplina eletiva da grade curricular do Ensino Médio Integral, modelo adotado pelo colégio sergipano. Mas os benefícios da iniciativa para mães e filhos vieram rápido e ela se tornou um programa fixo da grade de ensino; e uma referência nacional nesse tipo de acolhimento de jovens mães dentro de ambientes escolares.
"O Bebê a Bordo é uma porta, uma mensagem de: dá pra continuar, eu vou, é por aqui. Foi meio que isso. Eu sabia que dava pra mudar a minha vida através da educação. Então, minha gravidez foi meio que um baque porque não dá pra continuar. Mas, o Bebê a bordo foi uma porta", comenta Elida.
"Não tenho com quem deixar e quero estudar"
Antes de o projeto Bebê a Bordo surgir, a escola já aceitava crianças nas salas de aulas. O diretor do colégio, Almir Pinto, disse que na época não concordava que alunas levassem os bebês para a escola. Essa visão mudou quando uma aluna, no início dos anos 2010, o procurou e fez um apelo para continuar estudando com a presença da fila na sala de aula.
"Ela falou: 'professor Almir, eu não tenho com quem deixar minha filha e quero ser alguém na vida. O senhor não já é? O que minha filha está atrapalhando? Se eu trago ela é porque eu não tenho com quem deixar e eu quero estudar, não quero abandonar'", relembra Almir.
"Ela falou: 'professor Almir, eu não tenho com quem deixar minha filha e quero ser alguém na vida. O senhor não já é? O que minha filha está atrapalhando? Se eu trago ela é porque eu não tenho com quem deixar e eu quero estudar, não quero abandonar'", relembra Almir.
A partir daquele momento, o Centro de Excelência Dr. Edélzio começou a aceitar mães e seus bebês nas salas de aula. Conforme explica a coordenadora da escola, Mary Claudia Teixeira Tavares, essa dinâmica foi se aprimorando com o tempo. Mas, desde o início, mantém as mesmas características de apoio à aluna para evitar a evasão escolar. "Aqui, você vê uma criança no colo do professor ou de outro aluno enquanto a mãe está fazendo uma atividade, prova ou outra coisa. Isso para a gente é uma rotina, é normal."
Ao observar essa dinâmica das mães no colégio, a professora de educação física Gleide Leandro desenvolveu a ideia do Bebê a Bordo, focado nessas alunas e com a preocupação de aumentar a sensação de pertencimento com o colégio. "Foi um modo de trazer as meninas mais para perto. Não só elas, mas seus filhos também. Trouxe um sentimento de pertencimento", afirma a professora.
O projeto ganhou ramificações e abriu espaço para o ensino de primeiros-socorros, cuidados básicos com bebês, aulas de planejamento de vida, entre outras demandas. Uma delas é a massagem shantala, uma técnica ancestral que proporciona benefícios físicos e emocionais para a mãe e o bebê e foi o ponto de origem do Bebê a Bordo.
A primeira turma foi composta por seis mães. Suzy Siqueira foi a única mãe que não foi até o fim do semestre com o projeto. Ela saiu da escola e engravidou do segundo filho, que é afilhado da professora Gleide, mas retornou um ano depois e concluiu o Ensino Médio em 2021.
"Dificilmente uma criança dessa não vai querer estudar"
Durante o auge da pandemia de COVID-19, as aulas no Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo seguiram o modelo remoto em 2020. Por isso, Elida Santos terminou os estudos em casa, enquanto estava com os filhos. Ela e sua irmã mais velha, Erika, tiveram filhos na mesma época, com semanas de diferenças apenas, e participaram, também juntas, do Bebê a Bordo em 2019.
Durante os meses de ensino a distância, os ensinamentos ajudaram as mães a educarem os filhos. Erika criou brincadeiras pedagógicas para educar seus filhos, Bárbara Helen, de 4 anos, e Nicolas Bernardo, de 3. "Como eles estavam nesse processo de desenvolvimento, de aprender as cores, os números, a gente foi variando as brincadeiras com cores para acertar a fórmula. Bárbara aprendeu muito rápido, graças a Deus. Através disso, nós, eu e meu marido, compramos tintas e várias coisas", explica.
Esse modelo educacional remete às atividades do colégio. O diretor e os professores, em geral, se tornaram adultos referência para as mães educarem seus filhos. As crianças entrevistadas para este especial vão à escola em grade regular. O filho de Maria Brena, Brian, de 3 anos, diz que gosta de estudar.
"A gente pensa que as crianças é que vão atrapalhar nas aulas, mas aí a gente muda um pouco esse conceito. É difícil que uma criança dessa, que cresce em um ambiente com tanto amor, não cresça saudável. Porque o ambiente da escola é acolhedor. É nesse momento que vai se estabelecer uma base emocional para a criança, coisa que ela possa não ter na casa dela por conta de uma ruptura na relação familiar. Dificilmente uma criança dessa não vai querer estudar. Ela vai ter uma referência muito forte da escola", afirma o diretor do colégio, Almir Pinto.
Técnica de massagem voltada para as crianças
A massagem shantala aumentou a conexão de mãe e filhos e deixou as crianças calmas durante a quarentena, segundo Erika e Elida. A irmã mais velha disse que teve dificuldade para amamentar os filhos e, por isso, sentia temia a falta de um laço de afeto com as crianças. A técnica mudou essa situação, assim como para a caçula. Antes da massagem, os filhos de Elida a chamavam pelo nome e se referiam à avó como 'mãe'.
A matriarca da família ajuda as filhas e também participou das dinâmicas do Bebê a Bordo, como a shantala. "No começo, minha mãe ficou: 'Vish, o que é isso? Não vai dar certo'. Mas a gente conseguiu explicar e ela fez. Até a shantala, a gente ensinou, porque às vezes a gente precisava resolver alguma coisa e precisava deixar as crianças com ela. Ela tirou de letra", conta Erika.
Hoje com 22 anos, ela mora com o marido, Marcos Vinícius, que é pai das crianças. Ao contrário de Elida, ela não está estudando no momento, mas pretende fazer enfermagem. No total, são 5 irmãos, sendo a mais nova, Eloá, de 7 anos. A matriarca teve a primogênita com 21 anos. Hoje, o irmão mais novo de Erica e Elida, Erik, de 15 anos, estuda no Edelzio. Ele namora, mas não tem planos de ser pai sem ter uma estabilidade financeira.
A série "Antes da Hora"
A série "Antes da Hora" para o podcast DiversEM conta com o apoio do programa Early Childhood Reporting Fellowship: Desigualdade no Brasil e no restante da América do Sul, do Dart Center for Journalism and Trauma, da Universidade de Columbia (EUA) e da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. O especial será publicado semanalmente nas versões impressa e digital do Estado de Minas.
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