Mariel Eaves tem 34 anos. Ela conhecia há muito tempo sua atração por "pessoas de vários gêneros", mas não tinha pensado muito sobre o que isso significava para sua identidade até cerca de seis anos atrás.
Foi quando, como profissional clínica social que oferecia terapia para "pessoas trans e queer" na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, eles começaram a aprender novos termos para descrever orientações sexuais. Um deles era "pansexual", que eles ainda não haviam considerado até então.
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Mais ou menos na época, Eaves — que usa os pronomes they/them em inglês (eles) para referir-se a si própria — também percebeu que sua identidade de gênero era não-binária (ou seja, nem feminino, nem masculino). Para eles, essa percepção veio de encontro à sua identificação como pansexual.
"Sinto que meu gênero muda [e] devido a isso, consegui pensar nas coisas mais como um espectro", explicam eles. "Isso me permitiu sair dos binários que, na cultura americana, são meio que doutrinados."
Atualmente, em vez de pensar muito sobre os gêneros dos seus parceiros reais ou possíveis, a identificação como pansexual significa para Eaves concentrar-se em outros aspectos das identidades dos seus parceiros, como "seus valores, suas condutas, a forma como eles me tratam, se temos interesses ou objetivos comuns", afirmam eles. "O gênero está no fim da lista."
Após surgir como conceito cerca de um século atrás para descrever de forma mais ampla o papel desempenhado pela sexualidade na vida das pessoas, o significado da pansexualidade mudou significativamente ao longo dos anos. O termo veio à tona mais recentemente na cultura popular, quando celebridades como a cantora e compositora americana Janelle Monáe o usou para descrever suas orientações sexuais.
Ella Deregowska — voluntária e embaixadora da juventude para a ONG LGBTQIA+ Just Like Us, com sede em Londres — considera a pansexualidade "o termo quase mais aberto que posso encontrar para explicar a atração sexual". Com 23 anos de idade, ela afirma que a expressão "representa a sensação de 'tenho atração por seres humanos por quem eles são e nada mais que isso".
É claro que nem todos os que se identificam como pansexuais definem o termo da mesma forma. Alguns também usam outras palavras, como bissexual, para descrever sua orientação, além de pansexual.
Mas, de forma geral, o termo atende ao propósito de retirar a importância de gênero da equação de atração. Como no caso de Eaves, ele permite que as pessoas coloquem o gênero no "fim da lista" quando o assunto é decidir o que mais interessa sobre seus parceiros românticos e sexuais.
A complicada história da pansexualidade
Reduzir a importância do papel de gênero na atração e nos relacionamentos é o papel central da pansexualidade. Mas existem na prática algumas nuances sobre o seu significado para as pessoas pansexuais.
O personagem David Rose, interpretado pelo ator Dan Levy na série canadense de televisão Schitt's Creek, usa o vinho como analogia para descrever o significado da pansexualidade para ele.
"Eu bebo vinho tinto, mas também bebo vinho branco e tenho tentado experimentar o rosé de vez em quando. Dois verões atrás, experimentei um Merlot que costumava ser Chardonnay, o que ficou um pouco complicado", explica o personagem. "Eu gosto de vinho e não do rótulo, faz sentido?"
Para Eaves, identificar-se como pansexual "significa que não levo muito em conta a identidade de gênero para definir por quem sou atraída ou se quero namorar alguém. Se a sua identidade de gênero mudar ou se eles aprenderem coisas novas sobre si próprios, isso também não muda o que eu sinto pelas pessoas."
Já na visão de Deregowska, pansexual simplesmente descreve a forma como ela experimenta a atração melhor do que outros termos.
"Já usei outros rótulos anteriormente, como bissexual ou lésbica, mas eles pareciam limitadores demais", afirma ela. "Eu posso ser atraída, por exemplo, por uma mulher em um momento e por alguém que é não binário, em outro."
Mas, cerca de um século antes de pessoas como Eaves e Deregowska começarem a definir a pansexualidade desta forma, a conotação era muito diferente. Na época, o termo apareceu na publicação Journal of Abnormal Psychology. Nela, J. Victor Haberman resumiu criticamente o pensamento do psicoanalista Sigmund Freud sobre como o sexo motivava todas as ações humanas.
Haberman definiu o ponto de vista de Freud com a palavra "pansexualismo": a ideia de que os instintos sexuais desempenham papel central em tudo o que os seres humanos fazem. Em outras palavras, "pansexualismo" não descrevia uma orientação sexual, mas sim a influência superdimensionada da sexualidade sobre a vida das pessoas.
Isso só foi mudar anos depois. Ajudando a definir o caminho da mudança, o pesquisador do sexo Alfred Kinsey sugeriu, perto dos anos 1940, que a sexualidade existia em um espectro, indicando que as pessoas poderiam usar rótulos além de "heterossexual" ou "homossexual" para descrever suas orientações. Assim foi aberta a porta para o aumento da terminologia.
Foi perto dos anos 1970 que as pessoas começaram a usar em público o termo "pansexual" com significado mais próximo do que tem hoje em dia.
Em 1974, por exemplo, o roqueiro americano Alice Cooper afirmou em uma entrevista que "o prefixo 'pan' indica que você está aberto a todo tipo de experiências sexuais, com todo tipo de pessoas. Significa o fim das restrições; significa que você pode se relacionar sexualmente com qualquer ser humano."
O que significa identificar-se como pansexual hoje em dia?
Não existem amplas informações sobre a demografia das pessoas que atualmente se identificam como pansexuais.
"Ainda não há muitos estudos elaborados sobre [a pansexualidade]", segundo April Callis, diretora associada de Iniciativas LGBTQ+ do Centro de Diversidade e Inclusão Estudantil da Universidade Miami em Ohio, nos Estados Unidos, que estudou a bissexualidade e a pansexualidade.
Na experiência de Callis, sempre houve "uma luta real para que as pesquisas até sobre a bissexualidade fossem observadas e compreendidas como algo legítimo".
Com todos os outros termos novos sobre a sexualidade que vêm entrando em uso comum, desde a demissexualidade até a pansexualidade, "simplesmente ainda não houve aquela disposição de começar a explorá-los", segundo ela, do ponto de vista da pesquisa mais formal. Afinal, essas identidades começaram a entrar no discurso comum apenas poucos anos atrás.
Mas, em 2016, pesquisadores de Sydney, na Austrália, pesquisaram 2.220 pessoas que não se identificavam como heterossexuais — e 146 desses participantes identificaram-se como pansexuais.
A pesquisa demonstrou que os participantes que se identificavam como pansexuais normalmente eram mais jovens, em comparação com os que se identificavam como pessoas lésbicas, gays ou bissexuais. E também apresentaram maior propensão a não se identificarem como de gênero cis (alguém cuja identidade de gênero corresponde à atribuída no nascimento).
Callis sugere que isso pode ter ocorrido porque participantes com mais idade não tinham a palavra "pansexual" facilmente disponível para descrever suas orientações. As gerações mais velhas podem ter combinado a bissexualidade e a pansexualidade, já que este último termo não era comumente usado na época em que eles questionavam suas identidades.
Callis acrescenta que, mais recentemente, a pansexualidade vem sendo usada para diferenciar-se da bissexualidade, que indica um foco no gênero quando o assunto é atração. "Bi" pode indicar atração aos dois gêneros binários, masculino e feminino, ou pode indicar atração às pessoas que compartilham o mesmo gênero da pessoa ou que não compartilham aquele gênero.
Richard Sprott, diretor de pesquisa da ONG Alternative Sexualities Health Research Alliance da Califórnia, nos Estados Unidos, escreveu sobre a prevalência da pansexualidade nas comunidades kink e BDSM. Para ele, a pansexualidade transmite maior sensação de estabilidade que termos mais amplos como queer, por comunicar uma atração mais estática com relação às pessoas, independentemente do seu gênero.
"A pansexualidade é ainda muito flexível, mas, ao mesmo tempo, ela não está necessariamente tentando comunicar que as coisas podem mudar de forma fluida", afirma ele.
Mas identificar-se como pansexual não exclui necessariamente a identificação simultânea com outras orientações sexuais. Eaves, por exemplo, usa os termos pansexual, bissexual e queer para descrever-se. Eles consideram que todos esses termos são razoavelmente similares e o contexto, muitas vezes, indica qual eles escolhem para usar em um dado momento.
"Em um espaço que eu sei que é ocupado predominantemente por outras pessoas da comunidade LGBTQIA+, provavelmente direi apenas que sou queer porque, a menos que eu esteja tentando namorar alguém especificamente, é mais importante saber que sou da comunidade do que a forma exata como tenho relacionamentos", afirmam eles. "Eu me identifico principalmente como pansexual, mas uso bissexual como definição alternativa para pessoas que não têm tanta familiaridade com o termo pansexual, que é mais novo."
E identificar-se com um termo "mais novo" também traz suas dificuldades. Callis afirma que os conceitos errôneos sobre a pansexualidade incluem as pessoas que acreditam que aqueles que se identificam como pan não podem ser monogâmicos (já que eles têm sexo com qualquer pessoa!) e que eles estão adotando uma "identidade da moda" — em outras palavras, estão descrevendo-se como pan porque está na moda.
Eaves conta que costuma enfrentar "invalidações vulgares", como pessoas heterossexuais perguntando "se você está namorando um homem, por que se identifica como pansexual?" E, como educadora, Eaves às vezes se sente levada a ensinar mais do que gostaria nesse tipo de cenário.
"Tenho dificuldade de definir onde devem ficar esses limites, se estou disposta a instruir alguém naquele momento ou se quero apenas poder ser quem eu sou", eles contam.
Já Deregowska está cansada de ouvir sempre as mesmas brincadeiras — como aquela em que as pessoas ouvem que ela é pansexual e perguntam "então você tem atração por panelas?"
"Pode ser algo sensível uma pessoa apresentar-se a alguém novo e comentar sobre seus rótulos, de forma que respostas na forma de brincadeiras não caem bem comigo", afirma ela.
Liberdade do gênero binário
Individualmente, identificar-se como pansexual é uma escolha pessoal, mas o termo traz implicações sociais mais amplas. Para Richard Sprott, "a ideia de que o que as pessoas acham atraente em outras pessoas pode não ter nada a ver com seu gênero ainda é meio que uma ideia radical".
"Nossa sociedade atual e, honestamente, nossas teorias atuais de orientação sexual consideram que uma das coisas mais importantes que nos atraem é o gênero de uma pessoa", segundo ele. "A pansexualidade é uma das formas de contestar essa ideia, em termos de ciência e de sociedade."
E contestar essa ideia fez com que mais pessoas falassem abertamente sobre a pansexualidade, oferecendo aos demais a linguagem que finalmente expressa como elas experimentam a atração.Usar o rótulo "pan" não mudou quem eles namoram, mas mudou a forma como Eaves se comunica com essas pessoas.
No passado, quando Mariel Eaves namorava homens cis, eles "talvez considerassem que eu fosse heterossexual", eles contam, e teriam se sentido ameaçados ao saberem que não era o caso. Agora, Eaves conta logo de início que é pansexual às pessoas que estiver namorando.
Esta abordagem direta também foi uma bênção para os seus parceiros. Como Eaves não namora pessoas com base no seu gênero, seus namorados passaram a ter mais espaço para explorar suas próprias identidades de gênero, já que não se sentem pressionados para permanecer estáticos para atender aos parâmetros de atração de Eaves.
Eaves afirma que "não parece ameaçador [para eles] considerar que sua identidade pode não ser aquela que eles adotaram muito tempo atrás".
E identificar-se como pansexual retirou um certo grau de estresse das experiências de Ella Deregowska. Segundo ela, "posso mover-me com maior fluidez e aceitar cada atração que sinto sem achar que preciso reconsiderar minha identidade ou rótulo para explicá-la".
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/vert-cul-63242770