A escritora Leíner Hoki respira aliviada em relação ao futuro. O sentimento se deve à presença do livro de sua autoria na lista de dez finalistas do Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, e também à mudança de ventos na política nacional com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Pesquisadora sobre lesbianidades, grupo a quem costuma se dirigir ataques preconceituosos, Leíner concedeu entrevista ao DiversEM.
“Não sei se é tanto por ser finalista quanto pela vitória do Lula (PT), mas o futuro parece ser melhor, porque mesmo com o prêmio, acho que sem esse grande passo que a gente está dando agora, enquanto Brasil, não teríamos muita perspectiva. A universidade foi muito sucateada ”, afirma Hoki.
O livro “Tríbades, safistas, sapatonas do mundo, uni-vos: investigações sobre a poética das lesbianidades” foi um dos dez títulos finalistas no eixo Não Ficção-Artes da 64ª edição do Prêmio Jabuti. A obra é uma adaptação da dissertação de mestrado em Artes Visuais do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) da escritora.
Leíner, que é artista, escritora, pesquisadora e educadora popular, defende a universidade pública, além da militância LGBTQIAP+ e feminista. Ela comenta que um dos motivos que facilitou a indicação ao prêmio foi a bolsa CAPES que recebeu durante o mestrado, e que as perspectivas para o futuro também são boas, principalmente após o resultado das eleições presidenciais. A jovem desistiu de tentar se inscrever para um doutorado na PUC-RS por conta da ausência de uma bolsa de estudos.
Retrato na casa da avó
A artista é original do Mato Grosso e tem família tanto na capital quanto no interior do estado. Cresceu morando na Zona Rural entre Poconé e Nossa Senhora do Livramento, onde construiu uma relação com o mundo que lhe ofereceu um outro tempo, já que, por muito tempo, teve pouco contato com telefone e televisão. Mora em Belo Horizonte (MG) desde 2011 por conta da faculdade de Artes Visuais, que cursou na Escola de Belas Artes da UFMG.
Tem como influência, além de suas vivências pessoais, escritores como Stefanie Sande e Matheus Guménin Barreto. “Também me sinto profundamente influenciada por Clovis Irigaray, que foi artista plástico e que, por ser primo da minha avó materna, foi uma figura importante pra mim. Na casa da minha avó tem um retrato dela que foi ele quem desenhou, que está lá desde que me entendo por gente”, conta ela
Atualmente atuando como arte educadora em um equipamento de saúde pública em Belo Horizonte, o Consultório na Rua, a escritora afirma que a pauta de sua pesquisa, apesar de não estar fortemente ligada ao seu trabalho, ainda assim é tema frequente em seu dia a dia. “Estou sempre pensando em pesquisa de sexualidade e de gênero, porque são temas que estão na vida das pessoas, então estou sempre ligada a eles de alguma forma na minha prática profissional mesmo, até porque também faço parte de um grupo de pesquisa sobre lesbianidades, além de ser artista parceira do MST (Movimento Sem Terra)”, explica ela.
Leíner é bastante engajada politicamente e afirma que pautas LGBTQIAP estão fortemente relacionadas a outras pautas sociais. “Uma coisa que me incomoda de a gente pensar na militância LGBT, ou na militância feminista, é achar que, por exemplo, temas como previdência não têm nada a ver . Na realidade, esses são públicos que precisam, sim, de um tipo de seguridade social que, muitas vezes, as famílias tradicionais não vão dar. São pessoas que são mais empobrecidas, que são mais marginalizadas, então a militância LGBT também tem que dar conta de pensar nessas questões”, diz.
A escritora também afirma que o desinteresse atual pela literatura a incomoda muito, “Mas não mais do que a fila do osso, que o sucateamento do SUS. Se o estado que não alimenta seu povo, não garante sua saúde, como seu povo pode ter acesso à literatura e arte?”.
Debates de gênero e sexualidade
Leíner afirma que está feliz e radiante por estar na primeira lista de finalistas do Prêmio Jabuti, e espera que sua obra contribua para os debates de gênero e sexualidade. “Há uma história de pessoas que foram marginalizadas e tiveram suas memórias apagadas, mas que não serão mais”, diz ela.
As perspectivas da escritora de dar maior visibilidade ao tema é justificado pela importância da premiação, que acontece desde 1958 e já premiou escritores e escritoras como Clarice Lispector, Chico Buarque e o mato-grossense Manoel de Barros, entre muitos outros de importância nacional e internacional.
Realizado desde 1958, o Prêmio Jabuti consolidou-se como a mais importante premiação nacional do livro e é referência no cenário cultural brasileiro. Patrimônio cultural do País, o Prêmio é responsável por reconhecer e divulgar a literatura, as artes e as ciências feitas no Brasil, com a valorização de cada um dos elos que formam a cadeia do livro, sempre em diálogo com os diversos públicos leitores e, junto com eles, assimilando as mudanças da sociedade.
Em 2022, o evento volta a ter presença do público após dois anos de pandemia da COVID-19 e bateu o recorde de obras inscritas com 4.290 livros – um aumento de 25% em relação a 2021. A cerimônia do Prêmio Jabuti será fechada para convidados, mas o público poderá assistir ao evento, que terá transmissão ao vivo pelo canal da CBL no YouTube no dia 24 de novembro.
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