Desde a semana passada, Pabllo Vittar vem sendo acusada de fazer asian fishing, prática na qual pessoas não-amarelas alteram sua aparência propositalmente para adquirirem traços étnicos. O perfil de um fã clube de k-pop publicou no Twitter uma série de fotos em que a drag queen aparece com os olhos mais inclinados e como se tivesse monolid, ou pálpebra única, característica comum em pessoas que têm origem ou descendem do leste-asiático.
A cantora rebateu a postagem em tom agressivo, insinuando que o usuário é desocupado e que há perseguição por parte de haters. Pabllo também tem bloqueado usuários que pontuam a prática em determinadas maquiagens que a drag faz, além de que há uma incorporação de elementos do k-pop em produções mais recentes da artista.
Fãs da Pabllo que são autodeclarados amarelos ou que se sensibilizaram com essas pessoas dizem estar desapontados pelas suas ações, e afirmam que é desanimador ver uma cantora que apoia e integra pautas progressistas invalidando discussões raciais. “Ter uma postura tão abjeta com críticas desse tipo só mostra quanto o racismo com pessoas asiáticas ainda é um tema menosprezado”, comentou um internauta.
Acusações e repercussões
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A representação e a representatividade amarelas na culturaPeça de teatro é alvo de críticas por ridicularizar asiáticosRacismo e xenofobia: Esquerda critica eleitorado brasileiro no JapãoFãs piram com foto de ícones negros: Iza, Lewis Hamilton e Seu JorgeInjúria racial: homem é acusado de ladrão ao sair de supermercado em BetimOutros comentários na postagem dividem opiniões. De um lado, internautas defendem Pabllo, afirmando que “se sair do Twitter, esse assunto não existe” e fazendo comentários que reproduzem preconceitos e estereótipos racistas contra pessoas amarelas; do outro, há quem peça para que a artista e parte de seus fãs revejam suas ações. "Pabllo, eu adoro suas músicas, mas você não pode negar que está fazendo, sim, 'asian fishing' há um tempo e não fala nada sobre isso. Parei de ouvir suas músicas desde então. Espero que você possa ver o erro que está cometendo e mude isso”, comentou uma pessoa.
Hugo Katsuo, cineasta e pesquisador pela UFF (Universidade Federal Fluminense), publicou uma carta aberta à cantora, na qual explica como se dá a repercussão da prática dentro da comunidade amarela brasileira e como o fenótipo comumente associado a leste-asiáticos, transformado em estética, torna-se uma forma de fetichizar e objetificar culturas e etnias.
“Com o fenômeno dos animes e, posteriormente, do K-Pop, nossos traços e culturas passam a ser valorizados, de um ponto de vista mercadológico. Ou seja, nossos corpos e ancestralidades viram mercadoria, acessórios estéticos e adereços a serem usados e descartados. Identidades étnico-raciais, entretanto, não são fantasias ou adereços. Eu realmente acredito, de verdade, que você não teve a intenção de ofender ninguém. Entendo que, às vezes, acabamos assumindo uma postura defensiva quando somos acusadas de algo que não tínhamos a intenção de fazer. No entanto, o momento é de se responsabilizar e se desculpar”, diz ele em trecho do texto.
Em resposta à carta, outros usuários do Twitter relembraram a importância de se discutir o racismo fora do eixo simplista preto-branco. “Formas de racismo não-binário precisam ser discutidas. Há uma tendência em achar que ‘racismos positivos’ são aceitáveis, mas eles operam nesse mesmo padrão apropriador que é uma grande marca (e privilégio) da branquitude. Asian fishing e Yellowface são mecanismos racistas”, diz um deles.
A criadora de conteúdo Bruna Tukamoto também fez um vídeo com linguagem didática sobre os problemas do asian fishing e sofreu com diversos ataques sobre sua aparência. “Me entristece de verdade ver amarelos deixando de criar conteúdos e discussões importantíssimas sobre o racismo amarelo simplesmente porque o pessoal não tem empatia e dá hate ao invés de ouvir”, publicou ela pouco tempo depois da grande repercussão de seu vídeo.
Casos anteriores
A repercussão do caso da Pabllo trouxe à tona episódios anteriores que envolvem asian fishing. Um dos mais recentes é o da Ariana Grande que, em 2021, postou uma foto em seu perfil do Instagram em que aparecia com a pele mais clara, os olhos mais puxados, e roupas com estilos populares no Japão e na Coreia do Sul. A cantora chegou a desativar sua conta no Twitter após as acusações.
Anitta também foi acusada em 2018 após o lançamento do clipe “Ao Vivo e a Cores”, em parceria com a dupla Matheus & Kauan. Na produção, eles cantam em um karaokê decorado com elementos da cultura japonesa e a cantora veste um kimono e tem os cabelos presos por palitos no alto da cabeça, além de olhos alongados por conta da maquiagem.
Na televisão aberta, casos de yellow face – quando, em produções artísticas, colocam atores não-amarelos caracterizados para se parecerem com pessoas amarelas, geralmente de maneira caricata – também não são raros. Um dos exemplos mais populares é o da novela “Sol Nascente”, que foi exibida entre 2016 e 2017 e colocou Giovanna Antonelli e Luís Melo para interpretarem personagens de um clã japonês.
Outros dois exemplos recentes são a peça "TUDO", escrita pelo argentino Rafael Spregelburd e dirigida no Brasil por Guilherme Weber, que coloca uma personagem branca que foi adotada por uma família coreana e não tem nome, sendo chamada apenas de "a coreana"; e uma publicação feita no perfil do Instagram da Rede Globo em que atores brancos da novela "Cara e coragem" utilizam trajes culturais leste-asiáticos – colocando, inclusive, uma decoração de parede como acessório complementar das peças de roupa.
Na internet, a tendência dos foxy eyes em 2020 também foram motivo de debate. Bruna Tukamoto reforçou em seu vídeo que práticas estéticas como delineados não são ofensivos, mas se tornam problemáticos quando as pessoas que o fazem têm o intuito de “se parecer” ou de adquirir traços fenotípicos de outras etnias.
“A maquiagem se torna um problema quando chega a mudar os traços da pessoa e, especialmente, quando vem acompanhada de falas como ‘eu sempre quis ter o olho puxadinho’ e ‘agora eu estou super parecendo uma japonesa’. Ou ainda quando além do delineado e da maquiagem a pessoa usa vestimentas e pratica comportamentos que remetem aos amarelos”, afirmou a criadora de conteúdo.
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