Ângela Mathylde Soares, de 61 anos, é mineira, disléxica e preta. Ouviu de muitas pessoas que não conquistaria nada, mas trilhou seu caminho com um lema: “qualquer um é capaz de aprender”. Ela não só aprendeu como se tornou referência internacional na neurociência, área que escolheu para atuar. Ângela está à frente de um dos maiores congressos educacionais do Brasil e da União Europeia que será realizado em Belo Horizonte entre os dias 21 e 26 de novembro.
O currículo comprova que ela superou o preconceito contra pessoas disléxicas e a discriminação racial. Ela é pós-doutora em neurociência, psicanalista, psicopedagoga, pedagoga, escritora, professora e CEO da Clínica Aprendizagem e Cia. Ângela é entrevistada da série Mulheres Notáveis do DiversEM.
A neurocientista preside o Congresso Internacional “Brain Connection”. O evento promove o “Dia do Bem”, com a realização de seminários e distribuição de materiais para as periferias e locais de baixa renda de forma totalmente gratuita. O objetivo é fomentar a discussão, a reflexão sobre caminhos, possibilidades e leis inclusivas.
A dislexia é um transtorno genético que dificulta o aprendizado e a realização da leitura e da escrita. O cérebro, por razões que ainda são uma incógnita, apresenta dificuldade para encadear as letras e formar as palavras e, não relaciona direito os sons às sílabas formadas. Como sintoma, a pessoa começa a trocar a ordem de certas letras ao ler e escrever.
Trajetória
Ângela Mathylde é natural de Belo Horizonte, e sua trajetória foi cercada de influências na área da educação. A mãe, que é professora, foi sua primeira referência. Os irmãos de Ângela também seguiram como professores em suas áreas de formação. Ela descobriu que era disléxica quando ingressou na faculdade, aos 20 anos.
Desde a infância sofreu com a falta de paciência das pessoas por não conseguir absorver de forma “rápida” as informações que lhe eram passadas. Foi ridicularizada por não acreditarem que chegaria a lugar algum por suas dificuldades na escola, incluindo os próprios familiares e pessoas no ambiente escolar.
Ângela teve que enfrentar o preconceito. “É muito interessante que eu não tinha amigos negros. Tinha pessoas que moravam perto, que eram da família e que eram negros, mas amigos negros era muito difícil. E por eu ter altas habilidades, mas ter dislexia me deu uma dificuldade muito grande na questão da educação. Então eu tive que superar as dificuldades de ser negra e ter dislexia”, conta Ângela.
Ângela conta que não produzia de acordo com o que a educação exigia, o que levou a ter baixa autoestima. Ela não entendia porquê as pessoas tinham notas boas e sabiam ler e escrever com facilidade e ela não.
“Eu me achava incapaz. O que eu comecei a fazer? Associei-me às pessoas que falassem por mim, e isso foi uma trajetória muito dolorida, porque a maioria das pessoas que são boicotadas coloca um escudo para não ser atingido, por que dói demais”, afirma educadora.
Escreveu 35 livros sobre aprendizagem e neurociência, além de ter participações em obras de outros autores. Como professora e palestrante participa de eventos em diversas regiões do Brasil, focados em educação, qualificação de professores e questões de responsabilidade social, em prol da conscientização para ajudar pessoas como ela, mostrando que é possível, sim, ter grandes conquistas, mesmo com alguns obstáculos.
Ângela ainda é fundadora e CEO da Clínica Aprendizagem e Cia com foco em diagnóstico de transtorno de aprendizagem a partir de profissionais de diferentes áreas, como fonoaudiologia, psicopedagogia, fisioterapia, psicologia, terapia ocupacional.
Além disso, Ângela recebeu 28 prêmios ao longo de sua carreira, entre eles o Special Tribute pela União Europeia, o de doutora honoris causa em neuroeducação na Flórida, nos Estados Unidos, e de Cidadã Honorária deBetim.
Diagnóstico é libertação
Depois de ser diagnosticada, ao compreender suas dificuldades, Ângela adotou estratégias que a ajudavam a superá-las. “Por isso que eu falo que o diagnóstico é libertador, em todos os sentidos. O achismo te deixa em um lugar muito desconfortável. Mas quando você tem um nome e se apropria e busca estratégias”, afirma.
Ângela explica que uma vez que a escola não é preparada para adequar os métodos de ensino para diferentes necessidades das crianças, elas podem se sentir inferiores, desenvolver ansiedade e até mesmo depressão e Transtorno Opositor Desafiador (TOD), gerando um alto índice de evasão escolar.
“Antigamente a “despedagogia”, terceirizava para as crianças, eram elas que não aprendiam e não o professor que não tinha metodologia. Digo que todos aprendem, a questão é: qual a metodologia correta para que o aprendizado aconteça? Qual pedagogia assertiva para esse tipo de patologia, para esse transtorno?”, aponta a pedagoga.
Por isso, a neurocientista dedicou a carreira a ajudar os professores a não cometerem os mesmos erros que foram cometidos com ela, buscando melhores formas de ensino, contribuindo para a formação de ambientes mais inclusivos, que entendam as especificidades de diferentes alunos.
Serviço
Congresso Internacional “Brain Connection”
Data: de 21 a 26 de novembro
Local: evento hibrido
Inscrições: Link
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