As mulheres encontram nas redes sociais espaço para apresentar temáticas feministas. No entanto, o ambiente digital é arena para uma disputa entre quem apoia as pautas feministas e quem as ataca. A pesquisadora Letícia Alves Lins identificou "o feminismo popular" e a "misoginia popular" dois discursos antagônicos que se rivalizam nas redes.
As reflexões constam do livro "Deixamos o Não em Casa, mas saímos com o nunca – Publicidade, Experiência, Públicos e Feminismos nas Redes Digitais" (Editora Appris), lançado no dia 5 de novembro.
Na ocasião também foi lançado o livro "Bololô, vamô ocupar! Processos comunicativos, arranjos e cenas de dissenso da resistência secundarista", de Francine Altheman, que ganhou o prêmio de Melhor Tese em 2021, concedido pela Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós).
O livro “Publicidade, Experiência, Públicos e Feminismos nas Redes Digitais” lança um novo olhar para a relação da publicidade e dos públicos que são analisados pela perspectiva da ação e em interação com as narrativas publicitárias.
A pesquisadora se debruçou em quatro campanhas publicitárias que foram veiculadas no Facebook, no ano de 2015, e que se tornaram polêmicas devido ao fato de terem acionado questões de gênero nos e nas interagentes que se uniram de forma viral para tratar sistematicamente das questões que os desagradavam.
Quais são os principais achados da pesquisa?
O livro versa sobre os novos desafios enfrentados pela instituição publicidade diante das novas tecnologias e propõe uma tríade potente entre os conceitos de publicidade, experiência e públicos como proposta analítica das interações que surgem entre as pessoas e as estratégias marcárias nas redes digitais, para isso faz uso do arcabouço teórico do pragmatismo e de uma abordagem circular da comunicação. Chegamos a três grandes achados.
Um quadro compartilhado em todas as polêmicas, que é o da cultura machista no Brasil, além de uma incongruência entre as temáticas propostas pelas marcas estudadas e os discursos propagados pelos feminismos nas redes sociais.
Os debates revelaram duas forças atuantes nos discursos, o feminismo popular e a misoginia popular, entre as quais existe uma relação ambivalente em que o feminismo é ativo no reconhecimento das desigualdades estruturais, enquanto a misoginia reforça o ódio explícito contra as mulheres e uma tentativa de perpetuação da sua desvalorização e da sua desumanização.
As pautas feministas que surgiram durante as conversações giraram em torno de temáticas populares, consagradas pelos feminismos brancos e de classe média, público para o qual a publicidade se volta majoritariamente e, sendo assim, pouco se encontrou em termos de causas mais coletivas e igualitárias.
O que você considera como feminismos em redes?
Um feminismo feito através do ativismo nas redes sociais, composto predominantemente por mulheres jovens, no início de suas atividades políticas. É um movimento horizontal, sem uma liderança definida, não associada a partidos e nem sindicatos.
Você fala em feminismos no plural. Essas diferenças pressupõem diferenças do ponto de vista teórico ou se manifestam também nas táticas e estratégias nas redes?
São correntes diferentes do ponto de vista teórico, mas que se manifestam na prática também uma vez que os feminismos sempre foram marcados por militância e investigação teórica. Porém na minha pesquisa eu não consegui identificar essas diferenças teóricas nas falas analisadas.
Quais são os rostos desses feminismos em redes?
Jovens no início de sua vida política.
Você considera ser a quarta onda do feminismo essa articulação em rede e nas redes?
A utilização da terminologia quarta onda começa aproximadamente à época da Marcha de Washington, realizada em 21 de janeiro de 2017, um dia após a posse do presidente Donald Trump, evento que representou o maior protesto em um único dia da história dos Estados Unidos. À ocasião, renomadas feministas, como Angela Davis, Nancy Fraser, entre outras, assinaram um manifesto que chamava para uma greve internacional no Dia das Mulheres. As ativistas sugeriram que as marchas realizadas em 21 de janeiro podiam sinalizar o início de uma nova onda feminista internacional, com uma agenda expandida, antirracista, anti-imperialista, anti-heterossexista e antineoliberal e um movimento que contemplasse todas as categorias de mulheres.
A Greve Internacional das Mulheres, ocorreu no dia 8 de março de 2017, envolveu mais de cinquenta países e foi organizada por meio das redes sociais. Os temas de protesto variaram de acordo com cada localidade. No Brasil, a mobilização se deu, em média, em 70 cidades. Porém deve-se ter cuidado porque esse é o cenário do ano de 2017, em que grandes manifestações feministas vinham ocorrendo no mundo desde 2015 o que levava a crer em uma união de esforços para além das diferenças. É muito diferente da situação que vivemos no mundo e, especialmente no Brasil, hoje.
Passamos por um momento de discussão política polarizada no Brasil. Qual o impacto da ação das feministas na esfera pública?
Como apontado em um dos achados da tese, a polarização se dá também com relação ao modo como as feministas serão vistas no debate público. De acordo com a pesquisadora americana Sarah Banet-Weiser, vivemos hoje um momento de ambivalência entre o feminismo popular, que se pode ser visto em manifestações culturais de apoio e admiração às temáticas feministas e a misoginia popular que, em contrapartida, reforça o ódio às pautas e à luta das feministas.
Quanto podemos atribuir a vitória de Lula à articulação dessas feministas em rede?
Não temos como precisar isso. A pesquisa empírica dos trabalhos foi realizada no ano de 2015. Não fizemos uma análise atual de como o feminismo em rede atuou nessa eleição. No entanto, sabe-se que Lula sempre manteve vantagem entre o eleitorado feminino e que a rejeição ao presidente Jair Bolsonaro era maior entre as mulheres. Isso pressupõe que as pautas feministas, muitas vezes rejeitadas pelo atual presidente, são questões importantes para as mulheres, como a equidade salarial, pauta defendida em campanha por Simone Tebet e incorporada à campanha de Lula no segundo turno, ou mesmo a questão da violência contra a mulher, que aumentou durante a pandemia.
As mulheres de direita se articulam também nas redes. Você analisa algum grupo de direita nas redes? Como elas se auto intitulam e como você as classifica.
Não faço análise das manifestações das mulheres de direita. É até uma boa sugestão de pesquisa.