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Estado de Minas TRANSFOBIA

Professora travesti sofre represália por denunciar fome em universidade

Dodi Leal foi notificada por 'má-conduta' e 'violação do patrimônio' ao realizar ato que denunciava falta de bandejão para alunos


22/11/2022 11:05 - atualizado 24/11/2022 10:08

Faixa com a sigla UFSB, completada com pichação para formar a palavra bandejão
Atividade proposta por Dodi Leal visava denunciar a falta de um bandejão na UFSB, o que prejudica a permanência dos alunos na instituição (foto: Divulgação)


A professora trans Dodi Leal foi acusada de “má-conduta” e “depredação do patrimônio” por realizar uma atividade em defesa à alimentação dos alunos da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). O episódio foi apontado por Dodi como uma atitude transfóbica, uma vez que outra professora cis realizou atividade semelhante e não sofreu represálias da entidade. 

A atividade fazia parte do componente curricular "artes, comunidades e espacialidades", do curso de artes da UFSB, e propôs pichações para denunciar que os alunos não tinham acesso à alimentação e passavam fome devido à falta de um restaurante universitário, um “bandejão”, no Campus Sosígenes Costa. A universidade é uma das poucas no país que não conta com um restaurante em seu terreno.

Acusação de “má conduta”

Dodi Leal é uma mulher trans branca, com cabelos castanhos caros lisos e longos
Dodi Leal é a a primeira professora trans a ser efetivada no ensino de arte superior público do mundo (foto: Arquivo pessoal)


Dodi foi notificada pela UFSB por "má-conduta" e "violação de patrimônio", em medida tomada pelo Comitê Gestor do Campus Sosígenes Costa, três meses após a realização da aula no dia 6 de outubro deste ano, já com uma proposta de acordo, prometendo que não cometeria mais depredação do patrimônio. 

Entretanto, a  professora destaca que a prática da pichação como atividade pedagógica está proposta no plano de ensino do curso. Outra professora, também da mesma disciplina, mas de outro turno, realizou a mesma atividade com seus alunos e não foi notificada pela universidade,  o que para Dodi revela o caráter transfóbico da acusação. “Eu recebi como uma transfobia, fiquei muito assustada”, relata Dodi.

Repercussão e notas de repúdio

Diante dos acontecimentos, os alunos da UFSB se mobilizaram em defesa de Dodi. “O caso dessa denúncia recair sobre Dodi, uma pessoa comprometida com o ensino de artes e competente em sua atuação, não é desprovido de um caráter transfóbico; em outras situações docentes e discentes ocuparam essas mesmas paredes e nenhum dano lhes foi direcionado”, afirma a nota de repúdio.

A coordenação colegiada do NuCuS, Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades, da Universidade Federal da Bahia, também se manifestou, classificando a ação contra Dodi como “perseguição política.
 
“A perseguição política que tem atravessado o ofício da professora possui, evidentemente, um caráter transfóbico, visto que a atuação aguerrida da professora - primeira travesti concursada desta universidade - em pautas de defesa dos direitos humanos constantemente colocam-na como um corpo indesejado na hierarquia normativa da universidade”, informa. 

O apoio à Dodi e repúdio às atitudes da UFSB extrapolaram as fronteiras do estado da Bahia e também foram enviadas de Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná.

“É inadmissível o cerceamento da livre manifestação dentro do espaço do ensino superior público federal porque supostamente as paredes devam permanecer brancas, afinal de branquitude a universidade ainda está cheia e é preciso colorir este lugar”, escreveu o Grupo de Pesquisa GRIETA, alocado na Universidade Federal de São João del-Rei.

“Enquanto paredes brancas importarem mais do que o acesso e permanência discente, acolhimento, enfrentamento da discriminação e formação plena de sujeitas éticas, o ensino superior se manterá masculino, cisgênero, branco e elitizado, excludente”, ressaltou a nota de repúdio  produzida por centros acadêmicos da Universidade Estadual de Maringá.

Três dias após a repercussão do caso, o processo movido contra Dodi foi arquivado pelo Comitê de Ética da UFSB. "Diante do esclarecimento de alguns fatos, a decisão de proposta do ACPP foi revista e foi deliberado o arquivamento do processo em razão do fato/conduta não constituir infração de natureza ética prevista no Código de Ética e em regulamentação normativa desta Comissão de Ética", declarou a universidade na nota de arquivamento.

Controle das atividades

Dodi dá aulas na UFSB há quatro anos, e explica que, antes da pandemia de COVID-19, as paredes da universidade sempre eram utilizadas para apresentar trabalhos, exibição de cartazes, faixas, lambes e pichações. “As paredes sempre foram quase como uma extensão da lousa, a gente sempre utilizou as paredes como espaço criativo”, conta Dodi. Porém, com a retomada das aulas, todas as paredes estavam pintadas de banco, o que foi considerada uma atitude higienista, que descaracterizava o espaço.

Além disso, após o arquivamento do processo, o Comitê Gestor planeja porpor um projeto para criar um edital para estudantes e docentes apresentarem projetos para fazerem intervenções nas paredes da universidade, logo as atividades teriam que ser aprovadas, assim como o local onde estaria a intervenção. 

"Eles não entendem bem o que é pixação. Esse tipo de prática, de um edital, fere não só a liberdade pedagógica como também o próprio o conceito de arte em contracultura. Não faz o menor sentido, estão tentando controlar algo que é espontâneo, e uma denúncia”, analisa Dodi.
 
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da UFSB que informou que o caso transita em sigilo e que a instituição não pode se posicionar no momento. 

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