O pneu do carro da noiva furou a caminho do casamento. Às 16h, com a decoração preparada, músico apostos e convidados ansiosos pela entrada das noivas, uma tempestade atingiu Belo Horizonte. No entanto, nenhum imprevisto poderia impedir o casamento da psicóloga Larissa de Amorim Borges, de 41 anos, e da culinarista Kelma Zenaide, de 50 anos.
As duas escolheram o Memorial do Povo Negro, onde fica o Portal de Iemanjá, para realizar a união, que celebrou o amor entre duas mulheres negras. O "encontro ancestral", como foi denominado o momento, reuniu mais de 100 pessoas na orla da Lagoa da Pampulha no sábado (26/11).
Os pais de Larissa entraram antes dela. "Para nós foi muito importante, porque muitas pessoas LGBT não têm apoio dos pais. Às vezes, a primeira violência que a gente vive é no âmbito familiar".
Larissa foi levada pelo filho Enzo, e Kelma, por duas sobrinhas também crianças, Dani e Maria Eduarda.O casamento religioso foi feito pela mãe de santo do Kilombo Manzo, Mametu Muiandê, e celebrado por Vanessa Beco.
"Tinha uma multidão de gente preta, parecendo reis e rainhas, felizes. Muito colorido e bonito". Mametu Muiandê soltou uma pomba simbolizando a liberdade. "Fizemos os votos e convidamos a todos a falar com a gente que 'o povo negro tem direito ao amor'". As noivas se beijaram e entregaram uma oferenda para Iemanjá.
O momento foi de celebração para o casal e significou também uma conquista coletiva. "O amor foi negado para nós de tantas formas, precisamos celebrar o amor para demonstrar que todo mundo tem o direito de amar e ser amado", afirma Larissa.
Ela está se referindo ao preterimento das mulheres negros para relacionamentos amorosos. "A gente chega a um ponto que desiste. Somos levadas a desistir e desacreditar", afirma Larissa que defende que o amor é um direito coletivo.
Vestidos
As noivas vestiam trajes que remetem à africanidade que foram confeccionados, exclusivamente, para a cerimônia por Beth, do BH Raízes. Larissa vestiu branco com detalhes com motivos africanos, tinha tranças nos cabelos enfeites com búzios e véu Kelma vestiu amarelo e marrom, colares e enfeites nos cabelos. A estilista também confeccionou os vesidos das damas de honra e dos pagens, dos pais da noiva.
O início
Kelma e Larissa se conhecem há muitos anos, quando Larissa era estudante na PUC e Kelma vendia salgados na porta da faculdade. Mas, foi em 2018, que a história começou quando ambas participaram do Encontro Nacional de Lésbicas e Bissexuais em Salvador. A madrinha foi uma importante liderança do movimento negro, Benilda Brito.
Neste mesmo encontro, no momento de confraternização, Larissa resolveu enviar um correio elegante para Kelma. "Eu sei que a fila está grande, mas eu queria uma senha que eu vou esperar a minha vez", escreveu.
Na época que começaram o namoro, Larissa era recém-separada e tinha dois filhos pequenos, Elisa e Enzo. "Kelma convive com eles desde pequenos. Elisa era um bebê". As famílias de ambas acolheram muito bem o casal. "Todo mundo acolheu e as famílias ajudam e nos protegem".
A cura
Mametu consultou os orixás para realizar o casamento entre duas mulheres. As noivas entendem o casamento uma celebração, mas também de espiritualidade, que ajuda a curar sequelas psicológicas do racismo e da LGBTFobia. "Foi um processo de cura para todos. Há alguns anos, as pessoas LGBT na não podiam nem sair de mãos dadas e, agora, a gente está ocupando a praça pública para casar e de bonde, um monte de gente preta."
O podcast DiversEM é uma produção quinzenal dedicada ao debate plural, aberto, com diferentes vozes e que convida o ouvinte para pensar além do convencional. Cada episódio é uma oportunidade para conhecer novos temas ou se aprofundar em assuntos relevantes, sempre com o olhar único e apurado de nossos convidados.
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