Nesta quarta-feira (11/1), foram realizadas as cerimônias de posse das ministras Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas. O ato conjunto teve início às 17h no Palácio do Planalto com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Este foi o primeiro grande evento no local após os ataques terroristas às sedes do Congresso, Supremo Tribunal Federal (STF) e ao prório Palácio do Planalto. Por “questões de segurança e limitação do espaço”, como afirma Anielle, o evento foi privado e transmitido ao vivo por meio dos canais oficiais das ministras.
Repleta de simbolismos, o evento foi marcado pela sonoridade da cultura de matriz africana, do samba e da música indígena. O Hino Nacional foi executado na língua indígena Tikuna e o ato foi apontado como uma demonstração da força e coesão do governo após os atos terroristas do último domingo (8/1).
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'As mulheres negras e indígenas vão tomar posse com a gente', diz AnielleNovos ministérios: posses de Anielle Franco e Sônia Guajajara são adiadas'Todes': Governo Lula adota pronome neutro em eventos oficiaisAnielle Franco sobre diversidade racial: 'transversalidade é essencial'Mano a Mano: Anielle Franco fala sobre política, luta e sua trajetóriaPrimeiro caso tipificado como racismo é registrado no Distrito FederalNa batida da diversidade:escola ensina percussão pelo afetoLei que tipifica injúria racial como crime de racismo já está em vigor'Anielle é a incorporação do poema Vozes-mulheres', diz Conceição EvaristoAs cerimônias de posse das ministras estavam programadas para acontecer na segunda (9/11) e na terça-feira (10/11), respectivamente, mas foram adiadas devido aos ataques criminosos em Brasília por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ambas as pastas são inéditas na história do país e foram criadas a partir de promessas de campanha de Lula que, em seu terceiro mandato à frente da Presidência da República, conta com 37 ministérios, 14 a mais do que na gestão anterior.
As ministras tomam posse com a missão de restabelecer políticas públicas para os povos indígenas e quilombolas, bem como com a tarefa de trabalhar pela cidadania e inclusão de negros e indígenas. Essas políticas foram descontinuadas nos últimos quatro anos pelo governo anterior.
"As mulheres negras e indígenas do Brasil vão tomar posse com a gente, porque esse governo é nosso, porque o país também é!", escreveu Anielle, que é irmã de Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro em 14 de março de 2018. A parlamentar se notabilizou pela defesa dos direitos de pessoas negras, LGBTQIA, indígenas e moradores de favelas.
Além da cerimônia de posse das ministras, Lula assinou a sanção presidencial do projeto de lei que tipifica injúria racial como crime de racismo. Até o momento, o delito de injúria consistia na conduta de ofender a dignidade de um indivíduo utilizando elementos de raça, cor, etnia e/ou religião, e prevê como pena, a reclusão de 1 a 6 meses ou multa. Trata-se de uma forma de injúria qualificada que não se confundia com o crime de racismo que, por sua vez, é categorizado quando a ofensa é dirigida a um grupo ou coletivo de pessoas ou comunidade.
‘Sem anistia’
Durante o discurso de Sônia Guajajara, a nova ministra gritou “Sem anistia” para os golpistas – bordão que foi repetido pelos presentes –, pediu por justiça pelos povos indígenas e fez referência aos ataques terroristas do último domingo, além de celebrar o reconhecimento recebido pelo governo Lula frente à preservação do meio ambiente e à justiça climática.
“Os povos indígenas resistem, há mais de 500 anos, a diários ataques covardes e violentos, tão chocantes e aterrorizantes como vimos neste último domingo aqui em Brasília, porém, sempre menos visibilizados. A partir de agora, essa invisibilidade não pode mais camuflar a nossa realidade. Estamos aqui, de pé! Para mostrar que não iremos nos render”, disse ela.
A declaração “sem anistia” passou a ser usada recentemente para se referir ao ex-presidente Jair Bolsonaro, sua família e membros de seu governo, para que a Justiça seja feita em relação a cada processo aberto contra a gestão bolsonarista, sem “perdão judicial”.
A ministra também lamentou pelas perdas que ocorreram durante a pandemia da COVID-19 que poderiam ter sido evitadas caso não houvesse “negacionismo científico e criminoso” do governo anterior. “As dificuldades no acesso aos serviços de saúde, de saneamento e as falsas informações propagadas potencializam, literalmente, um plano de genocídio”, declarou.
De acordo com Sônia Guajajara, uma das primeiras medidas que tomará frente ao ministério será dar andamento ao processo de homologação de 13 terras indígenas que já estavam em fase final de serem reconhecidas, mas tiveram decisão engavetada por Bolsonaro, que se empenhou apenas para tentar abrir acesso de terras demarcadas para a exploração mineral e para o agronegócio.
Em seu discurso, também homenageou o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips, que foram brutalmente assassinados no Vale do Javari, no Amazonas, e destacou a situação em que o povo Yanomami, em Roraima, se encontra. “Arrisco dizer, sem exagero, que muitos povos indígenas vivem uma verdadeira crise humanitária em nosso país e agora estou aqui para trabalharmos juntos, para acabar com a normalização deste estado inconstitucional que se agravou nestes últimos anos”, disse a ministra.
Ela também lembrou que as terras indígenas e demais territórios habitados por povos e comunidades tradicionais estão ao lado de unidades de conservação na contenção do desmatamento no Brasil e no combate à emergência climática. “Se, antes, as demarcações tinham enfoque sobretudo na preservação da nossa cultura, novos estudos vêm demonstrando que a manutenção dessas áreas tem uma importância ainda mais abrangente, sendo fundamentais para a estabilidade de ecossistemas em todo o planeta, assegurando qualidade de vida, inclusive nas grandes cidades”, afirmou Sônia Guajajara.
A ministra encerrou o discurso pedindo que “reflorestássemos mentes e corações rumo a uma democracia do bem-viver de todos os brasileiros e brasileiras”, e apresentou parte da equipe de sua pasta, formada por um secretariado 100% indígena com a fala “Nunca mais um Brasil sem nós”, seguida de muitos aplausos. Em seguida, a cerimônia contou com a apresentação da Dança da Ema, interpretada pelo povo Terena, acompanhada de música para celebração do ato.
‘Enquanto houver racismo, não haverá democracia’
A ministra Anielle Franco, em seu discurso de posse, relembrou os ataques sofridos em Brasília no último domingo e elencou uma série de ações voltadas ao combate da desigualdade racial que serão prioridade durante sua gestão, além de homenagear sua irmã, Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro, que foi assassinada em março de 2018.
“Desde o dia 14 de março de 2018, dia em que tiraram Marielle da minha família e da sociedade brasileira, tenho dedicado cada minuto da minha vida a lutar por justiça, defender a memória, multiplicar o legado e regar as sementes de minha irmã”, afirmou Anielle emocionada.
A ministra também contestou discursos liberais meritocráticos, e afirmou que “raça e etnia são determinantes para a desigualdade de oportunidades no Brasil e em todos os âmbitos da vida”. "Pessoas negras estão sub-representadas nos espaços de poder e, em contrapartida, somos as que mais estamos nos espaços de estigmatização e vulnerabilidade. Enquanto houver racismo, não haverá democracia", completou ela.
Dentre as medidas prioritárias para sua gestão, estão: fortalecer a Lei de Cotas e ampliar a presença de jovens negros e pobres nas universidades públicas, aumentar o número de servidores negros em cargos de tomada de decisão, melhorar a política nacional de saúde integral da população negra, retomar programas para comunidades quilombolas e ciganas e relançar o plano juventude negra viva, com foco na diminuição da mortalidade de jovens pretos e pardos.
Anielle também adotou um tom conciliatório, pedindo para que pessoas não-negras também façam parte da luta antirracista que tem sido travada há séculos no país. “O enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial é um dever de todos nós. A população brasileira não pode ser onerada com o custo das violações das quais é vítima. Esperamos poder contar com vocês nessa tarefa de reconstrução em prol de respeito, cidadania, dignidade e igualdade de oportunidades”, explicou.
A nova ministra encerrou o discurso citando um poema de Conceição Evaristo, “Vozes-Mulheres”, e a cerimônia foi encerrada com celebrações ao som do samba-enredo da escola de samba Estação Primeira de Mangueira do carnaval de 2019, “Histórias Para Ninar Gente Grande”
Anielle e Guajajara anunciam seus gabinetes
As empossadas anunciaram os nomes que farão parte das equipes ministeriais. Na Igualdade Racial, Anielle Franco anunciou Roberta Eugênio para a Secretaria Executiva; Flávio Tambor como chefe de gabinete; Márcia Lima no comando da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação ao Racismo; Iêda Leal na Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial; e na Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos, Ronaldo dos Santos.
No Ministério dos Povos Indígenas a equipe de Sônia Guajajara será formada por Eloy Terena, secretário executivo; Jozi Kaingang, chefe de gabinete; Eunice Kerexu, secretária de Direitos Ambientais e Territoriais; Ceiça Pitaguary, secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena; Juma Xipaia, secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas; e Marcos Xucuru, assessor especial do MPI.
Invasão aos Três Poderes
Vestidos de verde e amarelo, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal neste domingo. Estima-se que 4 mil pessoas participaram da ação em Brasília. Até esta segunda-feira, cerca de 1.200 foram detidas no QG do Exército.
Inconformados com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os bolsonaristas ocuparam os Três Poderes para pedir um golpe militar. Foram quebrados objetos históricos, obras de artes, móveis e vidraças. Houve invasão a gabinetes e roubo de documentos e armas.
Após o ataque, o presidente Lula decretou intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal até o dia 31 de janeiro. Horas depois, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidiu afastar Ibaneis Rocha (MDB) do governo do DF por 90 dias, além de ordenar que os hóteis façam listas com a identificação dos hóspedes que chegaram à capital a partir da última quinta-feira (5/1).
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