O campeão mundial e medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio, Alison dos Santos, também conhecido como Piu, afirmou ter sido alvo de uma abordagem policial na zona sul da cidade de São Paulo nesta quinta-feira (12/1). O atleta, que é, hoje, um dos principais destaques do atletismo brasileiro, publicou sobre o ocorrido em seu perfil no Twitter.
“Chuta quem acabou de levar um enquadro no meio da avenida ibirapuera”, escreveu ele. Ao UOL, Piu contou que dirigia seu carro, um Sedan Alemão, com os vidros abaixados e, armados, os agentes da Polícia Militar de São Paulo deram ordem para que o atleta descesse do carro imediatamente. A abordagem foi seguida de revistas e perguntas.
“Coloquei a mão na cabeça e tal, pediram para abrir as pernas e se eu tinha passagem pela polícia. Falei: ‘Não’. Perguntaram de novo, e eu: ‘Não’. Várias perguntas nesse sentido. Só estava esperando falar que tinha alguma coisa. Continuaram perguntando, revistaram meu carro de cima a baixo, caçaram procurando tudo”, explicou Alison.
O atleta do Clube Pinheiros, que conquistou a medalha de bronze na prova dos 400m com barreiras em Tóquio e venceu o campeonato mundial de 2022 da prova em Oregon, nos Estados Unidos, também contou que alguns fãs o reconheceram e interagiram com ele durante a abordagem, mas a PM continuou com o procedimento. Nas respostas de sua postagem nas redes sociais, também é possível encontrar relatos de pessoas que estiveram presentes.
“Pensei ‘um negro não pode ter um carro assim e a PM logo achando que é ladrão?’ Lamento”, disse um internauta que passava pelo local no momento em que Piu foi parado pela Polícia.
Alison dos Santos também faz parte do Programa de Alto Rendimento das Forças Armadas, na Marinha, e passa por treinamentos militares, além de ser 3º Sargento, apesar de não seguir carreira como oficial.
A Polícia Militar de São Paulo foi contatada, mas ainda não há um posicionamento sobre o caso.
Enquadros não podem ser feitos sem motivos concretos
No ano passado, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) determinou que enquadros – como são popularmente conhecidas as abordagens ou “buscas pessoas” feitas pelos agentes públicos – baseados apenas nas impressões do policial sobre a aparência ou “atitude suspeita” de alguém não podem mais acontecer.
De acordo com o ministro Rogerio Schietti Cruz, a suspeita do policial precisa ser justificada “pelos indícios e circunstâncias do caso concreto” de que a pessoa tenha drogas ou armas e não pode servir como desculpa para autorizar “buscas pessoais praticadas como ‘rotina’ ou ‘praxe’ do policiamento ostensivo”. Schietti também afirma que as maiores vítimas das abordagens policiais são pessoas pobres e negras, como confirma a pesquisadora Jéssica da Mata, autora do livro “A Política do Enquadro (Revista dos Tribunais)”.
De acordo com os dados levantados por Jéssica, o número de enquadros registrados pela Polícia Militar de São Paulo cresceu cerca de 375% entre 1997 e 2017 na capital paulista, e explica que as mudanças ao longo dos anos são fruto de um pacto político realizado no final dos anos 1990 com o objetivo de “conferir credibilidade à instituição e garantir a sua sobrevivência em um contexto de profunda crise de legitimidade”.
A pesquisadora afirma que os enquadros são sintomas de uma agenda político-criminal antipopular e antidemocrática, que produzem e reproduzem processos de hierarquização social, como o racismo e a desigualdade de classe. Um de seus exemplos, utilizando as classificações raciais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é o número de abordagens realizadas em jovens pretos e pardos de 15 a 19 anos: elas acontecem sete vezes mais pela polícia em relação ao restante da população.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, presidente do Grupo “Tortura Nunca Mais” de São Paulo, a decisão do STJ “gera uma jurisprudência importante para evitar abusos nas revistas e abordagens policiais, que, em geral, são marcadas por discriminação e racismo”. Segundo ele, a maioria das abordagens policiais ocorrem nas periferias e, quando são realizadas nas regiões centrais, também focam principalmente jovens negros e pobres. “Em geral, fazem as abordagens e revistas pessoais sem qualquer suspeita específica ou indício com relação às pessoas abordadas e revistadas. Atuam genericamente, reforçando estereótipos com relação aos possíveis suspeitos de crimes”, afirma.
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