Um relatório de 71 páginas produzido pela Defensoria Pública da União (DPU) aponta as condições prisionais dos bolsonaristas que estão detidos preventivamente após os ataques ao Congresso Nacional, em Brasília (DF), no dia 8 de janeiro. No trecho referente à Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), também conhecida como Colmeia, o documento cita desigualdade de gênero e superlotação, além de realocação de prisioneiras antigas e o descumprimento da Lei de Execuções Penais.
O relatório foi produzido pela DPU em conjunto com a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura (MNPCT), com base em visitas, realizadas entre os dias 10 e 13 de janeiro, nas penitenciárias que recebem os golpistas que atacaram as sedes do governo federal.
A visita à PFDF ocorreu no dia 10 de janeiro já com a preocupação em relação à sobrecarga da unidade prisional e ao remanejamento de mulheres ao Centro de Detenção Provisória (CDP), uma unidade penitenciária masculina – o que contraria a Lei de Execuções Penais.
De acordo com o documento, as alas “apresentavam bom aspecto externo e não foi reportada situação de desabastecimento de materiais de higiene ou alimentação”. As celas, nesses locais, ficam permanentemente abertas com a possibilidade de se utilizarem as áreas comuns para descanso noturno.
Superlotação
A diretora da penitenciária afirmou, durante a visita, que temia que a unidade prisional não suportasse o aumento exponencial de mulheres detidas, o que resultou na reserva de um bloco do CDP I para mulheres que “porventura não pudessem ser acomodadas na PFDF”.
De acordo com o relatório, as mulheres que foram chegando após os ataques terroristas a Brasília não sabiam que estavam sendo presas, e nem tiveram qualquer informação sobre sua condição, ou onde estavam chegando. Alguns casos de COVID-19 foram detectados e isolados, mas todas tinham garantia de assistência material, social, médica e psicológica no local.
A administração da PFDF distribuiu colchões, cobertores, kits de higiene com dois pacotes de absorvente e limpeza, faltando apenas os uniformes, chinelos e roupa de cama (lençol e toalha), que são confeccionados na oficina de costura da própria unidade pelas internas. Esses itens, no entanto, não foram suficientes, já que algumas mulheres estavam sem a possibilidade de trocar de roupas desde o momento da prisão, segundo a DPU.
"Foram atendidas mulheres que estavam utilizando cobertores para se cobrir, enquanto lavavam suas roupas. Foi constatada a ausência de chuveiro em uma das celas (cela 11) e ausência de descarga automatizada na cela 13, ala A, Bloco VI. As mulheres utilizavam sacolas para encher de água da torneira e realizar a higienização", afirma o relatório.
As detentas também reclamaram do fato de não haver banho quente disponível nas celas e de faltar toalhas para banho e trocas de roupas íntimas para higiene pessoal, além de afirmarem passar frio à noite por conta da insuficiência de cobertores. De acordo com as queixas, os que foram distribuídos seriam muito finos e que precisariam de mais de uma unidade.
Na PFDF, o acesso à água para consumo e higienização fica disponível 24 horas na torneira das celas e são servidas quatro refeições ao dia com marmitas pesando 600 gramas: café da manhã (achocolatado e pão) almoço (proteína, arroz e feijão), jantar (proteína, arroz e feijão) e ceia (pão e uma fruta). Muitas reclamam da qualidade da comida (“arroz cru, feijão com gosto azedo, comida é indigesta”), o que já era constatado, em partes, por outras internas anteriores ao período de aumento da demanda.
O documento da DPU também identificou pessoas com problemas de saúde que necessitam de medicação assídua (soropositivas, diabéticas, cardíacas, hipertensas, fibromiálgicas, asmáticas etc) e outras que precisam de dieta especial (intolerância à lactose e/ou a glúten), e que têm demora na entrega da medicação.
Realocação de mulheres trans
Com a superlotação na PFDF, a direção precisou fazer algumas alterações na configuração das celas. Com isso, 17 mulheres transgênero foram removidas de um bloco para serem realocadas em celas destinadas a visitas íntimas; enquanto as novas detentas foram distribuídas naquele bloco em grupos de 12 a 13 pessoas em celas com capacidade máxima de 8 pessoas.
"Restou claro a frustração delas por serem retiradas abruptamente de suas alas de convívio, bem como a quebra de suas rotinas, como o direito ao banho de sol e visita social que tiveram prejuízo. Encontram-se agoniadas e ansiosas por estarem em celas minúsculas, e sem previsão de retornarem para as suas antigas alas de convivência", descreve a DPU.
Algumas das detentas transgênero relataram, no dia 13 de janeiro, que ficaram três dias sem banho de sol, que retornou com tempo reduzido, e que estão dormindo em condições precárias, já que só há uma cama nas celas de visitas íntimas. Elas foram alocadas e distribuídas em grupos de quatro a cinco pessoas em celas bem menores àquelas que estavam acostumadas. Um dos grupos precisou desentupir o vaso do banheiro com a mão.
As mulheres também reclamaram da iluminação ruim no corredor de onde foram alocadas. De acordo com elas, ainda conseguem estudar e ter acesso ao ENCCEJA (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos) e ao ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) anualmente, mas que no momento não conseguem ler as apostilas após às 18h por conta das lâmpadas queimadas.
Também destacaram que o uso do espaço íntimo também não foi restabelecido e que as presas transgênero não têm acesso a trabalho, assim como as demais. "Reclamaram que não têm direito de trabalharem na oficina de costura juntamente com as outras mulheres, mas que gostariam de ter mais uma oportunidade para fins de obter remissão de pena. Atualmente só conseguem remissão pelo projeto ‘Ler Liberta’ e por artesanato”, enfatiza o relatório da DPU.
De acordo com as detentas, nenhuma das mulheres está conseguindo dar continuidade ao tratamento de hormonioterapia, "já que é difícil ter acesso aos hormônios, seja em comprimidos ou injetáveis que só podem ser adquiridos com receita médica. Informam que gostariam muito de ter o tratamento com acompanhamento médico”, completa o documento.
Desigualdade de gênero
O documento da DPU também constatou que a desigualdade de gênero também se manifesta na situação de cárcere, já que as mulheres se encontram em situação de maior vulnerabilidade que os homens.
“Diferentemente dos homens, que tiveram relativizadas algumas regras do cárcere em razão da excepcionalidade da circunstância, como a possibilidade de ficar com roupas de cores pretas e até mesmo camufladas, as mulheres narraram que foram impedidas de ficar com determinados itens, como sutiãs de cor preta”, diz o relatório.
Além disso, os homens presos no CDP, puderam permanecer com dinheiro e alianças, enquanto as mulheres foram privadas de todos os itens pessoais.
A Colmeia
A Penitenciária Estadual Feminina do Distrito Federal (PFDF), também conhecida como Colmeia, é um estabelecimento prisional de segurança média destinado ao recolhimento de sentenciadas em cumprimento de pena privativa de liberdade em regime fechado e semiaberto, bem como custodiadas provisórias. Possui a capacidade máxima de 1.028 vagas e, devido ao grande número de prisões ocorridas no último 8 de janeiro, encontra-se com o contingente de pessoas custodiadas que caminha para uma superlotação.
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