Esta terça-feira, 7 de fevereiro, é marcada pelo Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas que, desde 2008, é aprovado pela lei nº 11.696. A data celebra a conquista dos movimentos sociais e de direitos humanos de grupos minoritários e traz visibilidade às lutas dos povos indígenas brasileiros, essencial durante momentos de crise, como acontece com a comunidade yanomami em Roraima.
Após quatro anos sem demarcação de terras indígenas – resultado da política de “zero demarcações” de Jair Bolsonaro (PL) –, a visibilidade dos povos originários também reduziu para o restante da população, o que vem sendo revertido com o novo governo. Já neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou a Casa de Saúde Indígena Yanomami, logo após o Ministério da Saúde declarar emergência de saúde pública para enfrentar a desassistência sanitária no território yanomami.
Para a advogada Samia Roges Jordy Barbieri, autora do livro “Os Direitos dos Povos Indígenas”, o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas representa não apenas o aumento à visibilidade dessa comunidade, como também reverbera a militância que é trabalhada há décadas no Brasil. “O governo sempre massacrou os povos indígenas, nunca houve política indigenista séria. É a partir de organizações como a UNI (União das Nações Indígenas) e o ATL (Acampamento Terra Livre) que são feitas as exigências de políticas voltadas para essas comunidades”, explica ela.
O protagonismo recente de lideranças indígenas, apesar de serem impulsionadas por novas políticas do governo Lula, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas com Sônia Guajajara e a indicação de Joênia Wapichana para a presidência da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), são resultado de lutas que foram travadas há anos, como diz Barbieri. “A mais simbólica das conquistas foi o direito dos povos originários incluídos na Constituição de 1988, apesar de ainda não existir tantos esforços por parte do Governo Federal para o cumprimento total dessas demandas”, afirma.
Inconstitucionalidade no governo Bolsonaro
O governo de Jair Bolsonaro tentou impor um projeto que tinha como objetivos e metas não apenas não demarcar terras indígenas, como também desmontar progressivamente órgãos de controle e fiscalização das terras e do meio ambiente. Com isso, garantiria em territórios indígenas, demarcados ou não, o livre acesso ao garimpo, às grandes mineradoras, aos fazendeiros e criadores de gado e às madeireiras.
De acordo com o sociólogo Luiz Antônio, do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ao estabelecer uma política de “zero demarcações”, Bolsonaro foi contra a Constituição brasileira. “Ele deveria ser notificado e denunciado. Se esses documentos já estavam todos prontos, por que ele não demarcou? Ele não jurou cumprir a Constituição? Ele não cumpriu porque não tinha interesse nessa agenda. Era para garantir que agronegócio, grileiros e fazendeiros invadissem esses territórios”, afirma.
Samia vai na mesma linha e afirma que a responsabilização pelas não demarcações são imprescindíveis. “É necessário apagar o governo passado da história do país, mas também é preciso responsabilizá-lo pelo genocídio e pela falta de demarcações de terras indígenas”, explica ela.
Mudanças com o novo governo
O presidente Lula prometeu, em janeiro, que demarcaria 13 terras indígenas ainda no início de seu mandato. Luiz Antônio explica que a demarcação é um direito constitucional, e o que o presidente está fazendo é apenas zelar pela Carta Magna. “A previsão constitucional é clara: as terras indígenas devem ser identificadas, medidas, demarcadas e homologadas, garantindo que as populações indígenas permaneçam protegidas para sempre. O Lula já havia anunciado que homologaria antes mesmo de tomar posse, o que foi um ato simbólico para o Brasil e para o mundo”, comenta.
Cumprindo o que prometeu, a demarcação desses territórios é significativa não apenas por reafirmar um compromisso com sua campanha, mas também para mostrar ao restante do país a importância das demarcações de terras indígenas, como explica a cientista social e antropóloga Socorro Batalha.
“A demarcação das terras indígenas pelo presidente Lula reafirma um compromisso feito em campanha, de revogar decretos e portarias que proveram o desmonte de direitos e ameaças desastrosas a essas terras durante o Governo Bolsonaro. O reconhecimento e a demarcação é fundamental para manter ou reconstituir as relações dos povos com as suas terras, preservação de suas línguas, usos, costumes, tradições e preservação das florestas e territórios”, diz ela.
Para Barbieri, a mudança de governo traz boas perspectivas, levando em consideração que proporcionou a criação de um ministério voltado apenas para questões correlatas aos povos originários, além da FUNAI ter uma mulher indígena na presidência pela primeira vez na história do órgão. “Ainda há um grande caminho a ser percorrido pelo novo governo, e será necessário passar por uma reconstrução, mas já estamos numa nova fase, nova era, em que o governo respeita os direitos dos povos indígenas. A dignidade é essencial para todos, não podemos excluir os povos originários”, comenta.
De acordo com a Funai, há mais de 200 terras que ainda não foram reconhecidas e demarcadas. Com pouco dinheiro em caixa, o desafio será grande, mas Socorro afirma que já é necessário começar a trabalhar na reconstrução de políticas voltadas para os povos originários.
“Há povos indígenas e comunidades tradicionais que estão passando por ameaças de garimpeiros, madeireiros e grileiros, e a demarcação traz a segurança da garantia dos direitos territoriais dos indígenas previstos na Constituição de 1988. Com o Ministério dos Povos Originários, com a Sônia e a Joênia na Funai, acredito que é possível a construção de uma luta mais comprometida com o tema”, finalizou.
Situação dos yanomamis
Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas, e parte da Venezuela. Cerca de 30 mil indígenas vivem na região em mais de 370 comunidades.
A área é mira do garimpo ilegal de ouro desde a década de 1980, mas foi nos últimos anos que a busca por minério na região se intensificou, causando conflitos armados, degradação ambiental e ameaça à saúde dos indígenas. Em 2020, o garimpo ilegal avançou 30% na Terra Yanomami e, em 2021, 46%, culminou na maior devastação da história desde a demarcação e homologação do território, há quase 30 anos.
“O Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas é importante para dar visibilidade, principalmente em momentos de crise. Ainda falta muito para a realização dos direitos dos povos indígenas, muitos vivem sem dignidade, em péssimas condições”, afirma Samia.
Samia declara que “a crise yanomami não é recente, e é anunciada há anos”, e que não existe aparato suficiente para lidar com as vítimas do garimpo ilegal. “Quantas vidas poderiam ser salvas ?”, questiona.
Segundo a advogada, direitos básicos como alimentação, saneamento e saúde lhes foram negados durante a pandemia. Ela espera, principalmente após a exposição da crise, que haja orçamento para lidar com todos os povos indígenas que necessitem de demandas específicas e importantes para a conquista da dignidade.
“Já foi incrível ver o Lula visitando a comunidade , além da Força Aérea Brasileira (FAB) conseguindo chegar a locais de difícil acesso para ajudar essas pessoas, principalmente as crianças. O panorama proporcionado pelo novo governo me dá esperanças, e espero que os povos indígenas saibam lutar cada vez mais por seus direitos e demarcações”, fala a advogada.
A escolha da data
O Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas foi estabelecido no dia 7 de fevereiro pela lei nº 11.696 de 2008, conquista dos movimentos sociais e de direitos humanos de grupos minoritários.
A data específica rememora o falecimento de Sepé Tiaraju, indígena da etnia guarani que foi uma das lideranças de uma das revoltas contra portugueses e espanhóis em 1756 a respeito das determinações do Tratado de Madrid, que redesenhar as fronteiras das Américas Portuguesa e Espanhola.
O Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas busca dar visibilidade à conscientização sobre a importância dos debates ligados às pautas dos povos originários, tais como a luta pelo direito à terra e contra a destruição da natureza, assim como questões ligadas à saúde e à educação nas comunidades, e o conhecimento dos saberes tradicionais, que entendem as relações com a terra mais como espirituais que como materiais.
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