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Estado de Minas SÍNODO ANUAL

Igreja Anglicana passa a permitir benção a casais LGBTQIA+

Durante evento, a Igreja Anglicana também realizou debate sobre a linguagem neutra: 'Deus não é nem macho nem fêmea'


09/02/2023 19:40 - atualizado 10/02/2023 12:19

Membros da igreja participam do Sínodo da Igreja da Inglaterra, na Church House, em Londres, em 7 de fevereiro de 2023
Em Sínodo anual, Igreja Anglicana decide pela permissão da benção a casais LGBTQIA+ e afirma que Deus não é homem nem mulher (foto: JUSTIN TALLIS / AFP)
Casamento ainda não pode, mas a união civil homossexual poderá agora ganhar a bênção da Igreja Anglicana, a matriz inglesa dessa que é um dos principais galhos protestantes do mundo.

Um copo meio cheio, para quem espera há tempos um avanço dos direitos LGBTQIA+ nos templos anglicanos, ou meio vazio, na visão dos que lutam por tratamento igual ao dispensado a heterossexuais.

Em nota divulgada nesta quinta-feira (9), a Campanha pelo Casamento Igualitário na igreja oficial da Inglaterra diz que "dá boas-vindas à decisão com certa cautela". A deliberação dos bispos, afinal, não permite que pessoas do mesmo sexo possam selar o matrimônio sob o teto anglicano.

A ala conservadora deu o anel para preservar os dedos, na avaliação de quem preferia reverter a doutrina que autoriza o clero anglicano inglês a conduzir apenas casamentos entre homem e mulher.

Arcebispos locais, Justin Welby e Stephen Cottrell soltaram um comunicado em conjunto para celebrar o que veem como "novo começo" para a Igreja Anglicana mãe.

"A igreja continua a ter profundas divergências sobre essas questões que atingem o cerne de nossa identidade humana. Como arcebispos, estamos comprometidos em respeitar a consciência daqueles para quem isso vai longe demais e garantir que eles tenham todas as garantias necessárias para manter a unidade da igreja enquanto esta conversa continua."

A mudança de postura foi tomada durante o sínodo do anglicanismo inglês, que é uma assembleia periódica para disputar questões estruturais da denominação. Este debate em particular se estendeu por mais de oito horas.

Bispos, clérigos abaixo deles e também leigos (que não integram a hierarquia eclesiástica, mas participam das atividades da igreja) estavam aptos a votar. Dos presentes, 250 (58%) respaldaram a proposta de abençoar o enlace civil de homossexuais, e 181 (42%) votaram contra.

O que Sarah Mullally, bispa de Londres, descreveu como "um momento de esperança" teve recepção bem mais gélida do Conselho Evangélico da Igreja Anglicana. A entidade se disse "profundamente triste" com a revisão que, a seu ver, rejeitou a "compreensão histórica e bíblica sobre sexo e casamento".

É importante não tomar a porção inglesa pelo todo anglicano. Em outros países, essa aba do protestantismo histórico já realiza o casamento gay sem maiores melindres doutrinários. A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil o faz desde 2018, após mais de duas décadas de debate intenso, diz o reverendo Arthur Cavalcante, deão (pároco) da Catedral Anglicana da Santíssima Trindade São Paulo.

Cavalcante chegou a ser disciplinado pelo bispo da Diocese Anglicana do Recife, em 2003, por se assumir gay. Acabou acolhido na capital paulista, onde celebrou cinco anos atrás seu primeiro matrimônio LGBTQIA+, das dentistas Erika e Allana.

O reverendo aponta que, além do aval para abençoar casais gays, a chamada Igreja da Inglaterra também aprovou no sínodo a emissão de pedidos de desculpas pela forma com que tratou a comunidade LGBTQIA+, por tantos anos marginalizada.

Outro ponto levantado pela assembleia anglicana, capaz de abalar fundamentos da denominação: o uso de pronomes neutros, como para evitar o masculino para se referir a Deus. Mas ainda não há quaisquer deliberações a esse respeito.

Em nota, a Igreja Anglicana disse que desde tempos remotos cristãos estão cientes de que "Deus não é nem macho nem fêmea". Agora debatem se isso deve se refletir na linguagem aplicada para falar da divindade maior do cristianismo.

Essa discussão ainda é muito preliminar, e a igreja tratou de esclarecer que "não há absolutamente nenhum plano para abolir ou revisar substancialmente as liturgias atualmente autorizadas, e nenhuma dessas mudanças poderia ser feita sem uma legislação extensa".

No Brasil, a igreja optou por uma linguagem mais inclusiva em 2015, segundo o reverendo Cavalcante.

Um reflexo prático: antes, os ritos do casamento incluíam pedir a bênção desse homem e dessa mulher para concretizar a união aos olhos de Deus. "Isso foi ultrapassado, agora falamos em pessoas."

A palavra Deus, segundo ele, "não foi alterada em nossas liturgias", mas a referência não será necessariamente masculina ou feminina. "Não há dúvidas que por muitos anos, pelas questões envolvendo as culturas patriarcais, Deus era macho, e isso vem sendo questionado. Daí, em muitas de nossas orações, terão frases que remetem ao lado feminino. De toda forma, para nós, fiéis anglicanos, Deus é muito maior do que nossas caixinhas."

Uma oração lida por anglicanos no Brasil, por exemplo, fala em "Pai materno". Para o brasileiro, teologicamente, Deus vai muito além das categorias binárias de gênero. "Para anglicanos, Deus é pai e mãe."

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