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Estado de Minas FUTEBOL

Moisés Spilere é o 1° presidente gay de um clube de futebol brasileiro

Apesar de o futebol ser reconhecido como um ambiente majoritariamente homofóbico, o novo presidente do Caravaggio F.C. foi eleito unanimemente em janeiro


14/02/2023 17:00 - atualizado 14/02/2023 17:47
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Moisés segura a bandeira do time Caravaggio F.C. com o fundo nas cores do arco-íris. Ele é um homem branco de cabelos loiro escuros e está de pé na arquibancada do estádio.
Moisés Spirele afirma que representatividade no futebol é importante para dar espaço a minorias (foto: Fabrício Júnior/Caravaggio F.C./Divulgação)

O novo presidente do time da segunda divisão do futebol catarinense Caravaggio Futebol Clube, Moisés Spilere, tem chamado a atenção nas redes sociais por ser o primeiro presidente assumidamente gay de um time de futebol brasileiro. Ele já vinha assumindo cargos do alto escalão do time há algum tempo e foi eleito por unanimidade em Nova Veneza (SC) no final de janeiro, assumindo o clube até 2024.

“Estou muito feliz, pois é um sonho que se realiza. Venho atuando na diretoria do clube há alguns anos e sabemos como é bom estar à frente de uma instituição que amamos e que represente o nosso povo”, disse Moisés em suas redes sociais. “Trabalhamos para o crescimento de um clube, que apesar de tradicional, há pouco se tornou profissional, com ajuda de muitas pessoas, em especial das meninas que fazem parte da direção em cargos estratégicos. Estamos na luta no dia a dia do futebol para tentar mudar alguma coisa, estando presentes e ocupando espaços”, completou.

Em entrevista ao EM, Spilere afirmou que sua eleição também é uma conquista para a comunidade LGBTQIA+, mas que enquanto o processo corria, não chegou a parar para pensar na importância de se eleger, e que a repercussão do caso foi orgânica.

“Na verdade, em todo o processo [de eleições], nem pensamos nisso [primeiro presidente assumidamente gay de um clube profissional brasileiro]. Nunca tinha parado para pensar sobre isso, mas com certeza é uma conquista para a comunidade LGBTQIA . A representatividade é muito importante, ainda mais em um ambiente machista e homofóbico [como é o futebol]”, contou ele.

“Não foi um assunto levantado por mim, até porque não tenho tanta participação no ativismo da causa LGBT. Participo de eventos e falo quando posso, mas por conta das responsabilidades do clube, acabo não sendo tão ativo. Então, foi orgânico, o que também é positivo, porque a gente sabe que parte da comunidade não iria gostar se partisse de mim. Achariam que seria forçação de barra”, completou.

Moisés é de uma família tradicional de Nova Veneza, é formado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e tem pós-graduação em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Dentro do clube, tem histórico e guarda inspirações: quando criança, atuou nas escolinhas do time. Seu avô materno, Loride Spilere, foi um dos fundadores do Caravaggio F.C. e seu tio, Vanderlei Spilere também já presidiu o clube.

Para além da comunidade LGBTQIA+, o clube também se esforça para a inclusão feminina. “Somos um clube pequeno de cidade de interior e somos bem ligados à comunidade, que participa ativamente em voluntariados. Temos uma torcida participativa e heterogênea, e nossa diretoria é 40% feminina. Acho importante esse tipo de envolvimento para quebrar o paradigma de que o futebol é feito por homens e para homens”, explicou Spilere ao EM.

Durante sua gestão como vice-presidente, Spilere conta que foi surpreendido pela comissão diretora do clube no Mês do Orgulho em 2022. Para uma partida importante do Caravaggio contra o Criciúma, as tradicionais bandeiras de escanteio do estádio foram trocadas por outras com as cores do arco-íris. “Elas aproveitaram para fazer essa homenagem e foi uma surpresa para mim e para a comunidade”, conta.

Spilere também falou sobre a importância da visibilidade e repercussão do caso, e espera que o futuro abrigue cenários mais acolhedores. “Representatividade é muito importante, e a gente pode ver como já temos mais mulheres hoje em dia ocupando cargos importantes. E isso também é uma necessidade da comunidade LGBTQIA . Por exemplo, eu sou o primeiro presidente de clube brasileiro assumidamente gay, mas ainda é difícil imaginar uma pessoa trans ocupando esse cargo em 2023. Então espero que com a repercussão que estamos tendo, o cenário seja diferente no futuro”, encerrou ele.

Homofobia no futebol

Antes de Moisés Spillere ser eleito presidente do Caravaggio F.C., o ex-goleiro Emerson Ferretti já havia presidido o Esporte Clube Ypiranga entre 2010 e 2017. Apesar de já ter se entendido como homem gay enquanto ainda jogava – encerrou sua carreira em 2007 –, só se assumiu publicamente em agosto de 2022, quase 15 anos depois de se aposentar dos campos.

A decisão de se assumir no podcast “Nos Armários dos Vestiários”, da Globoplay, foi resultado de um processo de duas décadas em que o atleta trabalhou a autoaceitação com acompanhamento psicológico. Segundo Ferretti, a revelação foi motivada pela necessidade de deixar um legado fora de campo e iniciar um debate mais aberto sobre o tema, que ainda é tabu no futebol masculino. “Até porque não sou o único gay no futebol”, afirmou ele.

Apesar do progressismo pelo qual o mundo passa, o futebol masculino ainda é muito resistente à presença de jogadores e profissionais do esporte LGBTQIA . Dos 831 atletas convocados para a Copa do Mundo no Catar, por exemplo, não há nenhum assumidamente gay.

De acordo com a psicóloga do esporte Annie Kopanakis, no ambiente do futebol, os tabus relacionados à sexualidade influenciam a saúde mental dos jogadores. “Muitos lidam com dificuldades e cerceamento das suas orientações sexuais”. Para evitarem reações como as recebidas pelo ex-jogador do São Paulo F.C. Richarlyson, que só depois de aposentado declarou ser bissexual, mas sofreu com preconceito das torcidas ao longo de sua carreira, jogadores evitam se pronunciar quando se entendem como membros da comunidade LGBTQIA .

“Assim como no caso do Richarlyson, alguns atletas falaram depois de se aposentar”, aponta o jornalista João Abel, autor do livro “Bicha! – Homofobia estrutural no futebol” (Primeiro Lugar, 2019). “Os jogadores têm medo de uma restrição que prejudique a carreira deles. Por isso, evitam expor suas vidas privadas para que não atrapalhem a vida pública e profissional.”

De acordo com Abel, o receio é justificado. O jornalista dá como exemplo o jogador inglês Justin Fashanu, que foi o primeiro a se assumir gay na história do futebol, em 1990. Depois de se assumir, passou a sofrer com preconceitos de outros atletas dentro do vestiário e viu sua carreira afundar a partir dali.

Algum tempo depois, tentou voltar à forma na liga americana e não conseguiu, além de receber uma acusação de agressão sexual. Pouco tempo após isso, acabou se suicidando. “Me dei conta de que eu havia sido condenado. Não quero mais ser uma vergonha para meus amigos e minha família”, escreveu numa carta encontrada após sua morte.

Abel reforça que, embora outros casos estejam aparecendo no mundo, eles raramente ocorrem nos eixos de maior visibilidade do esporte. Apesar de terem ganhado destaque no futebol há pouco tempo – a primeira Copa do Mundo feminina aconteceu apenas em 1991, quase 60 anos depois da estreia do campeonato feminino –, as jogadoras já passaram na frente dos atletas homens quando se fala de diversidade e inclusão devido à menor visibilidade na comparação com a modalidade masculina.

“As atletas sentem mais segurança para falar sobre o assunto, assim como um jogador de vôlei ou basquete, por mais que também sejam esportes muito assistidos”, declara. Mas o jornalista também considera movimentos como esse essenciais para a mudança. “É importante porque acaba reverberando em outras modalidades”, completa ele.

Copa do mundo

Em novembro de 2022, pouco antes do início da Copa do Mundo no Catar, o diretor de relações com a imprensa da Fifa, Bryan Swanson, se declarou gay e disse que a entidade em que trabalha é inclusiva e se preocupa com as pessoas de todas as orientações sexuais.

A declaração veio após uma série de manifestações contra a escolha do Catar – país extremamente conservador que considera a homossexualidade ilegal – para sediar o maior evento de futebol do mundo. Gianni Infantino, presidente da Fifa, fez um longo pronunciamento defendendo a escolha do país, e Swanson falou logo em seguida.

“Estou aqui sentado como um homem gay. Só porque o Infantino não é gay, não significa que ele não liga para isso. Ele liga. Vocês enxergam a parte que vai ao público, eu enxergo a parte privada. Nós falamos disso muitas vezes por aqui. A Fifa se preocupa de maneira muito forte com todas as pessoas de todas as orientações sexuais. Tenho muitos colegas gays por aqui também”, afirmou o diretor de relações com a imprensa.

Infantino reforçou o seu discurso de que todas as pessoas seriam bem-vindas para acompanhar a Copa, apesar de reconhecer que há legislações que tentam coibir o afeto homossexual no país.

Swanson também defendeu o Qatar e disse que se sente à vontade no país. “Li muitas críticas da comunidade LGBT sobre a Copa do Qatar. Mas quero dizer aqui, em público, que como um homem gay, me sinto à vontade”, afirmou ele.

No Catar, a “atividade homossexual” pode ser punida com prisão ou até apedrejamento. Em novembro, o ex-jogador da seleção e embaixador do Qatar na Copa do Mundo, Khalid Salman, definiu a homossexualidade como “dano mental”. Capitães de seleções como Inglaterra e Alemanha, no entanto, usaram braçadeiras de arco-íris durante os jogos, num protesto a favor dos direitos da população LGBTQIA e contra o tratamento polêmico do tema no evento.

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