A influencer catarinense Ana Canziani publicou, nesse domingo (26/2), uma série de vídeos em seus stories do Instagram afirmando que as escolas de samba praticam racismo contra brancos. Em tom de desabafo, ela diz não ser racista, mas que se sente incomodada pela festa só exaltar mulheres pretas e não fazer nenhuma referência às mulheres brancas. Veja o vídeo:
“Estou assistindo ao desfile das campeãs e só se fala de mulher preta; sei que isso vai causar uma polêmica, mas ninguém fala da mulher branca. Estou me sentindo uma bost*. Isso também é racismo. Se a gente não pode falar nada de preto porque é racismo, e longe de mim de ser racista, não falar da mulher branca também é racismo. Estou até triste”, diz ela que, em seguida, afirma sofrer racismo por ser “branca transparente”.
“Parece que mulher branca não ocupa lugar nenhum. Tipo eu, branca transparente, que pareço um mapa geográfico de tantas veias que aparecem no meu corpo. Então, eu sofro um racismo da porr* quando vou à praia, porque nem sol eu tomo. E aí, as pessoas falam para mim ‘olha lá, que branca! Olha, ela não nem marca nenhuma. Meu Deus, é cheia de tatuagem’. Mas eu não vejo ninguém falando que as mulheres brancas transparentes precisam ser exaltadas. A mulher branca transparente não tem o mesmo lugar que a mulher branca normal”, afirmou.
No vídeo, ela também falou de sua ascendência dinamarquesa, contando sobre a vinda de sua família para o Brasil. “Minha avó estava na Dinamarca depois da guerra e veio para o Brasil aos trancos e barrancos, para não passar fome lá. Mas a gente não é exaltado porque a gente é branco e com descendência nórdica. Eu acho que as escolas de samba deveriam falar da gente”, conclui.
O Carnaval e a mulher preta
O Carnaval é um evento importado que recebeu influências de culturas negra e indígena, sendo perseguido e atacado durante toda a sua história. Apesar de seu teor relativamente democrático por unir diferentes idades, classes econômicas e sociais, além de diversas culturas, a folia ainda reflete a realidade do país.
“Ainda estamos tentando nos livrar da falsa ideia de democracia racial, como se não bastassem os horrores do período da escravidão. Precisamos reconhecer que vivemos num país extremamente racista para podermos acabar com esse mal”, afirma a historiadora Melina de Lima. “Mas o Carnaval é negro, e é uma resistência nossa. Nossa luta é ancestral e ela continua dia após dia”, completa.
Tendo elaborado gêneros musicais para a folia, como o samba, o samba-enredo, o axé e o maracatu, o povo negro também foi responsável por ter criado algumas modalidades da festa, como os cordões, as escolas de samba e muitos blocos de rua populares como forma de expressão e contestação das pessoas negras e periféricas.
“O Carnaval, na verdade, sempre teve uma perseguição histórica da polícia a blocos, escolas de samba e terreiros, que se mantiveram firmes graças à resistência, por exemplo, de mães e tias pretas, como Mãe Aninha, Mãe Senhora e Tia Ciata”, comenta a historiadora Melina de Lima.
Responsável por colocar em relevância personalidades negligenciadas pela “história oficial” do Brasil, o Carnaval tornou-se um instrumento de resistência e celebração. “A festa contribuiu decisivamente para levar ao conhecimento da população a existência e a importância de nomes como Zumbi dos Palmares, Chico Rei e Chica da Silva, ignorados nos livros escolares”, conta o jornalista e pesquisador do Carnaval Rafael Rezende.
Para o pesquisador, a cultura negra mantém-se viva e ativa nessas celebrações a partir do protagonismo dado a ela. “Pelas vias culturais, pode encontrar o espaço que ainda lhe é negado”, conta.
Além disso, o Carnaval também é um meio de resgatar a ancestralidade de povos negros. “Vivemos num país que ainda liga tudo que é de origem africana a algo ruim, inferior. Então, a importância dessa festa se mostra quando vemos nossa cultura sendo exaltada, aplaudida, reverenciada. É mais um motivo de orgulho”, comenta Melina, que é neta de Lélia Gonzalez, antropóloga referência do feminismo negro.
Já em 1980, em seu artigo “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, Gonzalez já falava sobre a relação da mulher negra com o Carnaval. “É nos desfiles das escolas de primeiro grupo que a vemos em sua máxima exaltação. Ali, ela [mulher negra] perde seu anonimato e se transfigura na Cinderela do asfalto, adorada, desejada, devorada pelo olhar dos príncipes altos e loiros, vindos de terras distantes só para vê-la. (...) E ela dá o que tem, pois sabe que amanhã estará nas páginas das revistas nacionais e internacionais, vista e admirada pelo mundo inteiro (…) Pois o outro lado do endeusamento carnavalesco ocorre no cotidiano dessa mulher, no momento em que ela se transfigura na empregada doméstica”, escreveu.
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