Com a visibilidade do mês da mulher, foi protocolado ontem, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei para incluir a misoginia - ódio ou aversão contra as mulheres - na Lei 7.716, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
O projeto define a misoginia como qualquer "manifestação que inferiorize, degrade ou desumanize a mulher, baseada em preconceito contra pessoas do sexo feminino ou argumentos de supremacia masculina". A intenção é punir com prisão e pagamento de multa quem pratique, incite ou induza o ódio direcionado ao gênero feminino.
"À medida que as sociedades foram evoluindo, as formas discriminatórias contra a mulher se tornaram mais refinadas e nem por isso menos inadmissíveis do que em tempos obsoletos. O repúdio às mulheres, às vezes com seus contornos diferenciados, mais ou menos ocultos ou disfarçados, persiste em situações de opressão de gênero, oriundas de um passado já bem remoto", diz um trecho da justificativa do projeto.
A deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG), que assina o PL, destaca haver, no documento, diferentes punições de acordo com a ação do agressor. A pena média é de um a três anos, que aumenta se for praticada por intermédio dos meios de comunicação social ou de publicação em redes sociais e triplica se a pessoa fizer parte de um grupo voltado à disseminação e à propagação de misoginia.
A parlamentar acredita que a correlação com o racismo vai facilitar o entendimento da maior parte das mulheres que ainda não teve contato com o termo. "Explicar um pouco mais o que é misoginia é fundamental. Quando diz que vamos equiparar o machismo ao que é o racismo percebi que as pessoas compreendem melhor", explicou Tonantzin. "Há uma escalada do conservadorismo, do ódio que, em momentos como esse, os corpos que já são vulnerabilizados são cada vez mais os alvos. Acreditamos que uma vez sendo crime, estamos dando o recado. É um recado também para o Judiciário, ao afirmar que o Legislativo está atento aos crimes (contra o gênero feminino) no Brasil."
O PL foi uma iniciativa da professora Valeska Zanello, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), que conseguiu alcançar o apoio virtual de 21 mil pessoas em cinco dias. "Vinha me incomodando muito nas pesquisas que realizo as queixas das mulheres sobre situações misóginas. A sensação de impotência, porque não sabiam a quem recorrer frente à violência de gênero que sofriam", contou.
A pesquisadora destacou que, assim como o racismo e a homofobia, esse é um crime histórico. "Isso está incrustado na nossa vivência como mulher, aqui você é lembrado o tempo todo de que você é mulher. A misoginia é tão cotidiana que a gente passou a relevar, e não tem, porque é violenta e afeta a saúde das mulheres. Criminalizar não é só penalizar, é educar também. É o Estado brasileiro dizendo que é inaceitável. A partir disso, pensar em outras ações", ressaltou.
O texto passará pela Comissão da Mulher. Se aprovado, seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No percurso, enfrentará uma Câmara mais conservadora, após as eleições do ano passado. No entanto, Tonantzin acredita que o fato de a misoginia ser um problema comum a todas as mulheres, o PL será bem-aceito.
Não é o que pensa, por exemplo, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). Ela classificou de "sensível" tipificar a prática como um crime. "O Novo não vai por essa linha. A gente acha que já tem calúnia, difamação. Tudo que passa pelo limite da fala fica muito subjetivo, é muito complicado tipificar isso. Também tem uma linha muito tênue entre isso e liberdade de expressão", argumentou.