Elas vivem na mesma direção, embora em rotas opostas. Em marcha lenta ou acelerada, com os olhos atentos ao que está na frente ou no que passou pelo retrovisor, ganham a vida conduzindo moradores e turistas ao seu destino: trabalho, escola, lazer e outros lugares da capital e municípios vizinhos. Autoproclamadas “Guerreiras do Asfalto”, 105 motoristas de aplicativo na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) estão unidas, em rede social, para apoio mútuo, ajuda às iniciantes, indicações sobre as condições do trânsito e, dependendo da situação, colaboração em questões pessoais.
O grupo criado em 12 de junho de 2019 tem Fabiana Conceição de Paiva, de 41 anos, como pioneira e coordenadora. Ex-auxiliar administrativa, divorciada e mãe de um adolescente de 15, ela se mostra feliz da vida no trabalho não só pelo retorno financeiro como pela dinâmica. “Cada dia é um dia diferente, sempre há uma história nova”, afirma a belo-horizontina residente no Bairro Vitória, na Região Nordeste capital. Nesta semana de homenagens pelo Dia Internacional da Mulher, a turma sabe que força e determinação movem o mundo e turbinam o trabalho.
Fabiana começou a trabalhar como motorista de aplicativo há quatro anos, em 16 de março de 2019. Pouco depois, foi convidada para um churrasco e viu que os homens presentes, colegas de ofício, tinham um grupo chamado Caveira. Na hora, pensou: por que não criar um feminino, tipo Clube da Luluzinha?” E aí começou os contatos para formar o grupo que se comunica por WhatsApp e tem conta no Instagram @guerreirasdoasfaltooficial.
Encontros
As “guerreiras”, na faixa etária de 20 aos 65 anos, não se comunicam apenas por mensagens. A amizade e o companheirismo se fortalecem em encontros mensais, nas noites de terças ou quartas-feiras, “dia mais fraco em movimento”, ressalta Fabi, como é conhecida no grupo. “Aí podemos trocar experiências, contar histórias e relaxar.”E há muitas histórias do cotidiano e de colaboração. “A pandemia foi um período difícil para todo mundo, né? Mas umas estavam precisando mais do que as outras, então ajudamos com cestas básicas”, diz a motorista, lembrando que, num dia, uma colega estava com crise de ansiedade, não conseguindo sair do lugar “no momento em que o carro estava ‘fervendo’, precisando de água no reservatório”.
Assim, em momentos de apuros ou aperto, as “guerreiras” do grupo entram em ação, não só tranquilizando a condutora do veículo como indo ao local – tarefa para quem estiver mais perto. “Se o pneu furou, faltou gasolina ou houve uma colisão, estamos prontas para atender. Da mesma forma, indicamos onde há postos vendendo combustível mais barato. É o motor da solidariedade funcionando, pois, mesmo que em caminhos diferentes, estamos na mesma direção: o trabalho com segurança”, orgulha-se a coordenadora.
Segurança
Mas como nem tudo são flores nem a vida é um mar de rosas, há “perrengues” a qualquer hora. “Ficamos atentas à segurança, ainda mais com essa onda de roubo de celulares. Em menos de 10 dias, fiquei sem dois aparelhos. Esse toque é importante, principalmente para quem está começando no aplicativo.” O dia a dia traz surpresas, e Fabiana não se esquece de quando foi furtada por uma passageira.“Tenho uma caixinha para guardar gorjetas, fica em local visível. Tinha acabado de colocar uma gorjeta ali, dada por uma passageira, quando atendi outra. Essa segunda, ao descer do carro, despistou, passou a mão na caixinha e saiu de fininho. Deixei o volante, perguntei se tinha pegado, ela negou. Nisso, a caixinha escorregou do seu corpo. Acabamos na polícia, e fiz um BO (Boletim de Ocorrência)”.
Esse caso não tira a alegria da motorista, que recebe muitos elogios dos clientes, e recebe de vez em quando um presente. “Uma vez, ganhei uma peça de picanha de um senhor. Foi muito bom, pois eu estava num dia cheio de atividades, teria que ir ao supermercado e depois voltar para casa. Valeu demais”, revela, certa de que, no seu “escritório sobre quatro rodas”, faz muito amigos.
Sonhos
O trabalho corrido não atropela os planos – e correr atrás dos sonhos é fundamental”, acredita Maria Ercília Palhares Araújo, de 30, moradora do Castelo, na Região da Pampulha. Motorista de aplicativo há dois anos e meio, ela já comprou seu carro, vai se casar em agosto e não tem do que reclamar do serviço. “A gente se expõe muito, mas existindo respeito, está tudo bem. Na verdade, respeito quem dá é a gente. Nunca passei por nenhuma situação de constrangimento.”Antes de começar a trabalhar, Maria Ercília, graduada em administração e com experiência em empresas de transporte, tinha apenas um medo: o da solidão. Com o tempo, no entanto, descobriu que a profissão de motorista tem dinâmica própria, há sempre uma novidade. Com o grupo das Guerreiras, fica melhor pois existe um canal de comunicação aberto.”
"Tamo juntas"
Se os “perrengues” surgem no caminho, Elizângela Nascimento, a Lili, de 34 anos, tira de letra. Moradora do distrito de São Benedito, em Santa Luzia (RMBH), a ex-assistente administrativa decidiu pegar no volante há três anos ao ficar desempregada. “Um avanço importante no nosso grupo está na troca de experiência e na colaboração. Já fui assaltada e tive ajuda de colegas na hora de ir à delegacia”, revela.O encontro mensal das motoristas se tornou um compromisso para Lili, pelo clima de integração, brincadeiras e narrativas das aventuras pelas ruas, avenidas, estradas. “Trabalho à noite e de madrugada, buscando passageiros em eventos, casas de shows etc.,então sou muito focada na segurança. Daí ser importante ouvir relatos das colegas. Só de saber que ‘tamo juntas’ traz bastante tranquilidade. Afinal de contas, somos todas Guerreiras do Asfalto”.