Jornal Estado de Minas

DESIGUALDADE RACIAL

Juros altos prejudicam mais os negros, aponta estudo da USP

A política monetária de manutenção de juros altos tem como um de seus efeitos o aumento do desemprego entre homens negros. É o que aponta pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (USP). Segundo as autoras do levantamento, as estimativas foram feitas em relação a homens brancos em razão de sua posição privilegiada no mercado de trabalho.





 

De acordo com o estudo, o aumento de um ponto percentual na taxa básica de juros (Selic) real, descontada da inflação, aumenta o desemprego de homens negros em 1,22 ponto percentual. Mesmo controlando a composição setorial e o nível educacional, o impacto de uma política monetária contracionista é maior para homens negros.

 

"Os grupos demográficos ocupam posições diferentes no mercado de trabalho. Essa posição diferenciada é um dos principais fatores que temos na nossa hipótese de que pode influenciar. Tem também a parte setorial, homens e mulheres ocupam setores diferentes. A indústria, comércio e construção civil são os mais afetados normalmente por aumentos na taxa de juros e são majoritariamente ocupados por homens", explicou a pesquisadora Clara Brenck.

 

"Em um país marcado por uma desigualdade, que se reflete no mercado de trabalho, quando se aumenta a taxa de juros, esse mecanismo que é dito na economia, afeta esses setores", destacou a pesquisadora Patrícia Couto.





 

 

 

 

Em contrapartida, mudanças na taxa de juros não afetam o desemprego de mulheres negras quando comparadas a homens brancos. Já para mulheres brancas o efeito é o oposto do esperado: o aumento de 1% na Selic real diminui em 1,46 pontos percentuais o desemprego deste grupo em comparação com homens brancos. "Isso pode ser explicado por sua posição no mercado de trabalho: a maioria das mulheres negras no Brasil está alocada em setores que não são sensíveis a mudanças na taxa de juros", destacou o estudo.

 

Brenck pontuou que as mulheres no mercado de trabalho brasileiro estão alocadas de forma bastante diferenciada. "As mulheres brancas estão mais bem posicionadas em cargos de gerência comparando a mulheres negras. Mas quando a gente olha a questão do trabalho doméstico isso fica muito evidente. Além do fato de que as mulheres brancas são o grupo mais bem escolarizado do Brasil, mais até do que os homens brancos, apesar de receberem salários menores. Não dá para falarmos de mulheres como um todo, é muito diferente a situação de mulheres brancas e mulheres negras", afirmou.

 

Impacto regional

O efeito de políticas monetárias sobre gênero e raça podem variar ainda significativamente entre regiões. Homens negros e mulheres negras somam aproximadamente 70% do mercado de trabalho do Norte e Nordeste, enquanto Sul, Sudeste e Centro-Oeste possuem uma menor participação de negros no mercado de trabalho — uma média de 43%. "Mesmo controlando a composição setorial e o nível educacional, o impacto negativo de uma política monetária contracionista é maior para os homens negros quando em comparação aos homens brancos, especialmente nas regiões com menor população negra", apontou a pesquisa.





 

O principal argumento do Comitê de Política Monetária (Copom) ao manter a taxa de juros no patamar de 13,75% é a necessidade de se cumprir a meta de inflação estabelecida a 3,25% para 2023, com teto de 4,75%. As pesquisadoras afirmam que diante do atual cenário de aumento da taxa de juros para o controle da inflação, a discussão dos efeitos adversos de políticas monetárias precisa ser ampliada e melhor explorada.

 

"Em um país marcado pela desigualdade social, é fundamental que sejam incluídos no centro do debate os diferentes impactos da taxa de juros na desigualdade, em especial nos diferentes grupos demográficos e regiões. Se a gente quer falar de políticas públicas, temos que ter consciência de como isso reflete na sociedade", afirmou Couto.