Jornal Estado de Minas

ACESSO À SAÚDE

Público LGBTQIA+ com mais de 50 anos tem pior acesso à saúde, diz pesquisa

A pesquisa "Transformando o invisível em visível: disparidades no acesso à saúde em idosos LGBTs", realizada pelo Hospital Albert Einstein, pela Faculdade de Medicina da USP e pela Universidade de São Caetano do Sul, mostrou que, entre as pessoas com mais de 50 anos, o público LGBTQIA+ é o que tem o pior acesso ao sistema de saúde – público e privado – no Brasil.





O resultado principal do estudo revelou que, além de idade e raça, orientação sexual e identidade de gênero são determinantes para um pior acesso aos serviços de saúde no país: 41% do público LGBTQIA negro e 28% da população negra, heterossexual e cisgênero (cuja identidade de gênero corresponde ao que lhe foi atribuído no nascimento) apontou que o acesso à saúde é ruim, enquanto apenas 29% dos brancos LGBTQIA e 17% das pessoas brancas, hetero e cis fizeram a mesma pontuação.

De acordo com a pesquisa, que entrevistou 6.693 pessoas acima de 50 anos que usam a rede pública e privada de saúde – dentre as quais 1.332 se identificam como LGBTQIA –, 53% das pessoas LGBTQIA acreditam que os profissionais não estão preparados para lidar com as suas particularidades de saúde.

Perfil dos entrevistados

Dentre os entrevistados para a pesquisa, 96% são pessoas cisgênero e 4% são transgênero – dentre os quais, 3 são homens trans; 6 são travestis; 29 são mulheres trans; 68 são não-binários; e 100 pertencem a outras identidades.




 
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Em relação à orientação sexual, do total de 6.693, 939 afirmaram ser gays ou lésbicas; 217 afirmaram ser bissexuais; 80 afirmaram ser heterossexuais; e 50 afirmaram ser pansexuais.

De acordo com o estudo, 74% das mulheres cisgênero e heterossexuais relataram ter realizado pelo menos uma mamografia na vida. O número cai para 40% entre pessoas LGBTQIA .

O número de pessoas LGBTQIA que realizaram triagem preventiva para câncer de colo de útero também foi menor: 73% das mulheres cis hetero afirmaram ter realizado exames de rastreamento para câncer de colo de útero, enquanto apenas 39% das pessoas LGBTQIA fizeram tais procedimentos.
 
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Um dos motivos para a discrepância são os baixos índices de confiança da comunidade LGBTQIA na prestação de serviços de saúde, sobretudo, por experiências negativas no passado. É o que mostra um outro estudo da empresa farmacêutica Sanofi, lançado em fevereiro deste ano.





De acordo com o levantamento, 86% da comunidade LGBTQIA é capaz de relatar ao menos uma experiência negativa com o atendimento médico.

“Falta compreensão e acolhimento por parte da equipe médica em relação à identidade de gênero do paciente”, explica Luciana Landeiro, oncologista e organizadora de um dos primeiros painéis especializados no tratamento de pacientes transgênero com câncer no Brasil.

“Há, também, questões relacionadas ao próprio indivíduo, traumas psicossociais decorrentes de situações diversas, como falta de acolhimento nas unidades de saúde, ou a necessidade de realizar procedimentos relacionados ao sexo atribuído ao nascimento, que contradizem sua identidade de gênero”, completa.
 
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Em relação à satisfação diante dos serviços prestados, a diferença entre membros da comunidade LGBTQIA (77%) e público geral (86%) é de 9%. A disparidade é ainda maior se o paciente pertencer a dois ou mais grupos marginalizados. No caso brasileiro, minorias étnicas figuram nas categorias que se sentem desprezadas pela prestação de serviços de saúde. “Não se sentir ouvido” (37%), “ser julgado” (20%) e “estar inseguro” (19%) são algumas das queixas mais comuns.





Velhices LGBTQIA

Para Milton Crenitte, geriatra do Hospital Albert Einstein e um dos autores da pesquisa “Transformando o invisível em visível: disparidades no acesso à saúde em idosos LGBTs”, a produção de dados sobre o tema é importante para conhecer e aprimorar a realidade do público idoso e LGBTQIA na área da saúde.

“O acesso à saúde vai muito além do paciente entrar pela porta do nosso serviço. É necessário um atendimento humanizado, um acolhimento, especialmente desse grupo, que sofre com dupla invisibilidade ”, explica o médico.

“Para todo mundo envelhecer, é preciso ter perspectiva de futuro. Envelhecer no Brasil não é um direito, é um privilégio. Temos que garantir que envelhecer seja um direito”, complementa.





De acordo com Luís Baron, presidente da ONG EternamenteSou, a população LGBTQIA idosa no Brasil tem um histórico de existência complexo que não pode ser comparada com as experiências de pessoas cis e hetero.

“As velhices LGBTQIA passaram pela epidemia do HIV/Aids, por ditaduras militares, deixaram seus núcleos familiares para existir. É um direito da pessoa LGBTQIA estar no espaço de tratamento e ser respeitada em sua integridade”, afirma ele.

Belo Horizonte

Pensando nas perspectivas da terceira idade LGBTQIA em Belo Horizonte, o projeto “Longeviver”, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), se propõe a pesquisar como vive essa população na capital mineira para realizar um diagnóstico que possa resultar em políticas públicas.





A socióloga e uma das coordenadoras do projeto Cyrana Veloso afirma que o foco da pesquisa é dar visibilidade a um grupo muitas vezes deixado de lado quando se pensa em projetos voltados para a população.

“É um público pouco estudado por vários motivos, o que tem a ver, também, com a falta de interesse da sociedade em relação à saúde física e mental dos idosos LBGTQIAP ”, explica.

"Além disso, muitas pessoas ‘voltam para o armário’ na velhice, por questões familiares, para serem aceitas em instituições de longa permanência, por medo da violência, da dupla discriminação”, completa.





A iniciativa é do Programa de Extensão Diverso UFMG, da Faculdade de Direito UFMG, e da Diretoria de Políticas para a População LGBT da Prefeitura de Belo Horizonte, que teve início em 2021, além de ser a primeira pesquisa realizada em Belo Horizonte que contempla este grupo.
 

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