Uma loja de um shopping de Belo Horizonte (MG) foi condenada a pagar uma indenização no valor de R$ 30 mil por danos morais a uma ex-gerente que foi vítima de atos discriminatórios no ambiente de trabalho. Uma testemunha afirmou que áudios chamando a autora da ação de “sombra escura” e “macaco” circulavam no grupo de WhatsApp da empresa.
Os áudios foram trocados em celular corporativo e de uso exclusivo da loja no grupo das vendedoras e da gerente, e os fatos chegaram até a unidade da rede em outro shopping da cidade. “O que comprova que houve divulgação da informação para além do mencionado grupo de WhatsApp”, afirmou a juíza responsável pelo caso, Jéssica Grazielle Andrade Martins, em atuação na 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Também de acordo com a juíza, a vítima disse que “acreditava estar acolhida, mas não estava”, e que chegou a procurar ouvidoria, mas não obteve retorno. Acrescentou, ainda, que teve receio de registrar um boletim de ocorrência e perder a oportunidade de trabalho.
A defesa da empresa, no entanto, disse que a vítima não foi vítima de discriminação racial, que tem diversos prêmios relacionados às práticas em Gestão de Pessoas e é reconhecida mundialmente por políticas aplicadas nesta área.
Uma investigação pelo setor de Compliance - um conjunto de regras disciplinares que a empresa deve seguir - foi iniciada assim que a empresa tomou conhecimento dos fatos, mas a conclusão foi de que “não restou evidenciado o ato discriminatório”. A empresa, entretanto, não anexou a prova das investigações aos autos do processo e não deu retorno formal à vítima, que permaneceu no ambiente de trabalho sem resposta.
Também foi dito que seguem um código rígido de regras e condutas de comportamento, não tolerando qualquer tipo de discriminação, assédio ou perseguição no ambiente de trabalho, “comprometendo-se a aumentar a representatividade étnico-racial no quadro de colaboradores nos diferentes cargos da empresa”.
Para a juíza do caso, aumentar a representatividade étnico-racial é um primeiro passo no sentido de combater a desigualdade, mas a medida não parece efetiva para a realidade vivenciada pela ex-gerente na empresa.
"O fato de a empresa adotar uma política pautada por diversidade e inclusão não afasta o episódio retratado. O prestígio internacional de que goza não pode ser usado para diminuir a dor sofrida por um colaborador em seu ambiente de trabalho”, ressaltou a magistrada.
“A ex-empregada fez um registro formal do ocorrido no sistema da empresa e deveria ter recebido uma resposta, ainda que fosse negativa. Essa falta de comunicação comprova a conduta omissiva da loja”, completou, dizendo ainda que a ação da empresa é tão ou mais grave quanto o ato discriminatório em si.
“Isso representa uma violação aos tratados internacionais de que o Brasil é signatário, bem como ao próprio contrato social, base de uma sociedade democrática”, pontuou a juíza.
De acordo com ela, como a empresa adota uma política pautada por diversidade e inclusão, a gerente confiou que poderia denunciar os desvios de conduta nos canais adequados, “mas há uma quebra da fidúcia depositada no momento em que a discriminação é vivenciada por uma empregada em seu ambiente de trabalho e a resposta institucional é o silêncio. Isso impactou de tal forma na autora da ação que, com medo de ser eliminada no ambiente de trabalho, sequer registrou boletim de ocorrência”, disse.
Assim, a julgadora reconheceu o dever de indenizar, determinando o pagamento de R$ 30 mil de indenização, levando em consideração a capacidade econômica do ofensor e do ofendido, a natureza da ofensa moral, além do efeito pedagógico da medida, a fim de estimular a empresa a zelar pela regular conduta dos empregados. Ao final, a trabalhadora e a empresa firmaram um acordo, em audiência de conciliação realizada no Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (CEJUSC-JT) 2º Grau. O processo já foi arquivado definitivamente.
Decisão foi premiada
A decisão da juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins foi finalista do Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2022.
O concurso nacional do CNJ visa a premiar decisões e acórdãos que efetivam a promoção dos Direitos Humanos e a proteção às múltiplas diversidades e vulnerabilidades, com ênfase na observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil.
Esse concurso abrangeu oito categorias, sendo três decisões finalistas em cada categoria. Do total das 24 decisões selecionadas, apenas duas foram da Justiça do Trabalho. A sentença da magistrada ganhou destaque na categoria Direitos dos Afrodescendentes.
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