O imagético do ‘Capitão do Mato’ manifestou-se ao longo do período escravocrata — ou em obras daqueles que o retratavam — com certa frequência. Sua presença pode ser percebida desde as pinturas do alemão Rugendas, aos contos de Machado de Assis ou, até mesmo, nos rótulos de uma cerveja nova-limense.
A função surgiu em meados do século XVII, após a popularização do Quilombo do Palmares, localizado na Serra da Barriga (Alagoas) e poderia ser exercida por homens livres — sendo eles de cor ou não.
Segundo Marcelo Cedro, Doutor em Ciências Sociais e professor do Departamento de História da PUC Minas, o termo ‘Capitão do Mato’ era utilizado para denominar aqueles que buscavam, perseguiam e capturavam escravizados fugitivos que se refugiavam nas matas e nos quilombos durante o regime escravista:
“Embora fosse legitimado e regulamentado pelas autoridades coloniais, eles eram contratados e remunerados pelos proprietários de escravos e integravam grupos paramilitares organizados hierarquicamente As autoridades coloniais concediam a esses personagens poderes ilimitados, permitindo o uso de armas de fogo, de laços, de cordas e de extrema violência para que ‘caçassem’ e torturassem os escravizados.”
Tal repressão era recompensada por critérios remuneratórios, os quais variavam de acordo com número de cativos recuperados, a distância em que eram capturados, as circunstâncias da expedição e, também o grau de dificuldade de todo o processo.
Mesmo com toda a sua bagagem discriminatória, a expressão ainda se manifesta no Brasil contemporâneo. Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é o lar da Cervejaria 040, criadora da ‘Capitão do Mato’, uma de suas cervejas artesanais:
“Os nomes de todas as nossas cervejas têm correlação com o ciclismo. Capitão do Mato é o nome de uma importante e conhecida trilha de Nova Lima”, alegou a cervejaria à reportagem.
A trilha de fato existe, assim como um condomínio homônimo na mesma região, que parece fechar os olhos ao passado, normalizando um ofício tão cruel: “Segundo versos do poema de Carlos Drummond de Andrade, ‘Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e em hora qualquer’. Aplicar esse termo atualmente para se referir a uma pessoa ou para nomear algo, é lembrar, aludir e compactuar com a opressão exercida por esses personagens que levavam a alcunha de ‘capitães-do-mato’ e tratavam os escravizados negros como seres inferiores”, comenta Cedro.
* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.