Jornal Estado de Minas

PRECONCEITO E VIOLÊNCIA

O que é transfobia e como ela se manifesta no Brasil?


Na última sexta-feira (12/5), o cantor sertanejo Bruno, que faz dupla com Marrone, foi alvo de críticas nas redes sociais após uma fala transfóbica direcionada à repórter da Rede TV! Lisa Gomes. Durante uma entrevista nos bastidores de um show no Villa Country, em São Paulo, Bruno questionou em tom de piada se ela “tem pau”.





"Fiquei sem acreditar no que ele estava perguntando. Não tive reação para rebater, nunca tinha passado por uma situação tão constrangedora. Eu convivo com o preconceito a minha vida inteira, mas não sou obrigada a aturá-lo. Me senti desrespeitada e com meus direitos como mulher trans violados", disse Lisa em entrevista à colunista Fábia Oliveira, do jornal Metrópoles.

O caso reflete dados que colocam o país como um dos mais transfóbicos do mundo: pelo 14° ano seguido, o Brasil é o país que mais mata travestis e transgêneros. Mas o que é a transfobia em si?

Definição de transfobia

A transfobia configura qualquer ação ou comportamento que se baseia no medo, na intolerância, na rejeição, no ódio ou na discriminação contra pessoas trans por conta de sua identidade de gênero. Comportamentos transfóbicos são aqueles que dizem respeito a quaisquer agressões físicas, verbais ou psicológicas manifestadas contra a expressão de gênero de pessoas trans e travestis.

Atos transfóbicos podem ser cometidos por qualquer pessoa, mas geralmente partem de pessoas cisgênero que não compreendem ou têm aversão à comunidade trans, desencadeando ações como crimes de ódio. Diferentemente de crimes comuns ou daqueles considerados passionais, a violência letal contra pessoas trans podem ter como fator determinante a identidade de gênero ou a orientação sexual da pessoa agredida.





Transgeneridade

Para entender melhor as relações entre identidade de gênero, é importante saber a diferença entre cisgênero e transgênero:
cisgênero é aquela pessoa que se identifica com seu sexo biológico, seja masculino ou feminino (exemplo: uma pessoa que nasceu com genitália feminina e se identifica com o gênero feminino é uma mulher cis)
transgênero é aquela pessoa que não se identifica com o sexo biológico que nasceu (exemplo: uma pessoa que nasceu com genitália masculina e se identifica com o gênero feminino é uma mulher trans)

Existem, também, diferenças entre mulheres transgênero e travestis que se concentram em suas identidades de gênero e maneiras de expressá-las.

O termo transgênero pode ser utilizado para se referir às pessoas que não se identificam com o seu sexo biológico e que podem buscar tratamentos hormonais ou cirúrgicos para se assemelharem ao gênero com o qual se identificam. Já o termo travesti se refere uma identidade brasileira relativa apenas às pessoas com o sexo biológico masculino que se identificam com o gênero feminino e não necessariamente buscam mudar as suas características originais por meio de tratamentos.

Dados sobre a transfobia no Brasil

Brasil ainda não possui dados oficiais sobre LGBTfobia em geral e os dados sobre a transfobia no país são divulgados pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) anualmente com base, principalmente, em notícias publicadas pela mídia.





Como já comentado, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo – o que não configura apenas assassinatos, mas também inclui outras causas de morte, como suicídio e lesões em decorrência de agressões.

O Grupo de Ação e Pesquisa em Diversidade Sexual e de Gênero da USP também estima que os índices de suicídio de pessoas trans sejam de 31% a 50%, e que, dentro da comunidade LGBTQIAP+, os transgêneros apresentam os maiores índices de depressão, ansiedade e outras patologias complexas.

De acordo com o levantamento da Antra, em 2022, sem levar em conta a subnotificação, foram 131 pessoas trans e travestis assassinadas no país – casos em que só foram identificados suspeitos de 32 deles, o que aponta que as práticas policiais e judiciais ainda se caracterizam pela falta de rigor na investigação, identificação e prisão dos suspeitos.





Há, também, uma alienação em relação à diversidade de gêneros que compõem a realidade brasileira: muitos crimes não são investigados e julgados, classificando a vítima como transgênero.

No âmbito econômico, a Antra que 90% das mulheres trans e travestis no Brasil têm a prostituição como a única fonte de renda para a sua subsistência. Da porcentagem restante, apenas 4% possuem emprego formal e 6% possuem emprego informal.

O mesmo estudo expressa que, em média, aos 13 anos as pessoas transgênero são expulsas de casa pelos pais no Brasil. Dessas, 72% não possuem o ensino médio completo e apenas 0,02% estão na universidade.





Além disso, segundo a pesquisa “Índice de Estigma” em relação às pessoas vivendo com HIV/AIDS, 90% dos transgêneros que foram entrevistados para a pesquisa já sofreram alguma forma de discriminação ou estigma. Dentre eles, 74,2% já sofreram assédio verbal, 69,4% foram excluídos de atividades familiares e 56,5% sofreram agressão física.

Direitos das pessoas trans no Brasil

A Constituição Federal de 1988 não possui referência explícita à comunidade LGBTQIAP , mas muitos dos seus princípios fundamentais englobam essa parcela da sociedade. É o caso do princípio da dignidade humana; da igualdade entre todos; e do dever de punir qualquer tipo de discriminação que atente contra os direitos fundamentais de todos.

Com eles, há dispositivos legais estaduais e municipais que tratam especificamente sobre a população LGBTQIAP e transfobia. Um exemplo é o Decreto nº 41.798 do Estado do Rio de Janeiro, de 2009, que criou o Conselho dos Direitos da População LGBTQIAP , que tem a finalidade e a responsabilidade de estimular e propor políticas públicas de promoção da igualdade e de inserção educacional e cultural dessa população; adotar medidalegislativas que visam eliminar a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero; e receber, examinar e efetuar denúncias que envolvam atos discriminatórios contra membros da comunidade LGBTQIAP .





Outros avanços legislativos envolvem o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do direito das pessoas de alterarem seu gênero e nome civil nos cartórios – agora, sem a obrigatoriedade de passar por cirurgia de redesignação – em 2018; e a decisão do STF, em 2019, de enquadrar crimes de LGBTfobia na lei do racismo – com as mesmas penas – enquanto uma legislação específica não é elaborada.

Secretaria LGBTQIA

Atualmente, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania conta com a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA , comandada pela travesti paraense Symmy Larrat.

Junto ao Ministério da Justiça, a Secretaria LGBTQIA articula projetos para proteção da população trans, inclusive com participação da Antra e das deputadas Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), as primeiras parlamentares transgênero da história do Congresso Nacional.





"A realidade das pessoas trans no Brasil é preocupante e não há como não se estarrecer com esses dados que hoje são mensurados apenas pelos movimentos sociais. Nos últimos anos, houve conquistas importantes, via Judiciário, que garantem maior segurança e direitos a esta população, mas o governo anterior não promoveu as ferramentas necessárias para sua execução", declarou Larrat à Folha de S. Paulo.

"Nosso maior desafio emergencial é promover as pontes na política pública para que as normativas legais, que assegurem o acolhimento e justiça em caso de transfobia, sejam criadas e implementadas, ampliando a produção de dados e, sobretudo, a proteção das pessoas", completou.
 

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