Jornal Estado de Minas

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Arte periférica: ONG já mudou a vida de centenas de artistas mineiros

O ano era 2004 e o cenário de pouca valorização da produção cultural nas periferias belorizontinas. Com a intenção de ampliar e dar mais visibilidade à criação artística dessas regiões de Belo Horizonte, a antropóloga Clarice Libânio idealizou e pôs em prática a Organização Não Governamental (ONG) Favela É Isso Aí, que surgiu como fruto do “Guia Cultural de Vilas e Favelas” de BH, publicado em agosto de 2004.





O trabalho inicial revelou o papel fundamental das artes no dia a dia da vida das centenas de vilas e favelas da capital mineira. São 336 ao todo, onde vivem 480 mil habitantes; 480 mil histórias que têm ou poderiam ter na produção cultural uma referência na elevação da auto-estima e na inclusão social.

“Trabalhei com produção cultural durante 10 anos. Certo dia, resolvi buscar novos desafios ao lado do meu marido, que é músico e artista plástico. Então, desenvolvemos uma pesquisa em busca de artistas nas 232 favelas que existem na capital mineira e encontramos quase 7 mil. A partir dessa efervescência cultural, fundamos a ONG”, explica Clarice, que realiza esse trabalho há quase 20 anos. 

Com o foco em ajudar a construir a cidadania a partir de ações voltadas à arte e à cultura em periferias, a ONG também busca promover geração de renda para artistas e melhorar as condições do fazer artístico e acesso ao mercado cultural, por meio de uma série de projetos e oficinas.





Transformações ao longo do ano

O projeto passou por inúmeras favelas e vilas de Belo Horizonte e, com o tempo, a instituição entendeu que o contexto foi se modificando. Atualmente, há uma série de iniciativas e grupos sociais que buscam ampliar a produção de artistas nessas regiões da cidade, como o Espaço Collab Favela, que funciona como galeria para artistas locais.

A partir disso, o projeto Favela É Isso Aí ampliou seu cenário de atuação e, em 2018, deixou exclusivamente da capital mineira para atuar em cidades do interior de Minas Gerais, como Abaeté, Bom Despacho, Dores do Indaiá, Martinho Campos e pelo Vale do Jequitinhonha, entre outras. Clarice levou também a iniciativa até a Bahia, com trabalho em Feira de Santana.

“Desde que começamos a atuar nessas cidades do interior, percebemos que as oportunidades são muito menores. As pessoas não possuem acesso a fontes de financiamento, a como elaborar um projeto e muito menos a recursos para a cultura. Já tivemos diversos casos de artistas que se apresentavam e não recebiam remuneração financeira”, comenta a idealizadora da ONG. 





Ao lado dos artistas

O músico, escritor e contador de histórias Fabrício Conde, de Juiz de Fora, na Zona da Mata, participou de oficinas feitas pela ONG e da Mostra Cultural idealizada pela Favela É Isso Aí, que este ano teve uma edição em BH, no Parque Municipal Américo Renné Giannetti.

“Participei da mostra na minha cidade e a possibilidade de poder assistir a apresentação de outros artistas é um dos fatores que me estimulam a participar. É bonito ver um tanto de gente se preocupando em deixar a vida mais bonita e, ao mesmo tempo, se virando para que sua própria vida faça sentido”, afirma Conde.
 
Músico, escritor e contador de histórias Fabrício Conde participa da Mostra Cultural de Belo Horizonte. (foto: Divulgação/Favela É Isso Aí)
 

O músico enxerga a periferia como um lugar para acolher as memórias, necessidades, entre elas a arte: “Ainda existe uma beleza em resistir em meio a tanto descaso. Em se virar, em rezar junto, que há apenas em locais mais simples. Os problemas são imensos, mas vale alertar e celebrar, a cada projeto que promove a vida mais digna”, comenta. 





Para Nick Amaro, vocalista, compositor e produtor da banda Roça Sound, de Feira de Santana (BA), a arte é sua forma de mostrar o que há nas favelas; com canções que usam ritmos das periferias do Nordeste. “Somos e vivemos em comunidades. Queremos sempre retratar isso em nossas músicas. Quando as pessoas pensam em periferias, vem logo a questão do tráfico e drogas. Porém, 90% das pessoas que estão lá são microempresários, pais e mães de família e artistas”, diz Amaro, que também esteve na Mostra Cultural de BH deste ano. 

O poder da representatividade

Os ambientes digitais têm contribuído muito no processo de inclusão dos grupos periféricos, e gerado novos sentidos para a palavra representatividade. Com isso, o aparecimento dos artistas de periferias em espaços fora das vilas e favelas tem inspirado outros artistas locais a seguirem caminhos semelhantes, diz a antropóloga Clarice Libânio.

“O envolvimento dos jovens periféricos com a arte é transformador, e modifica em diversos aspectos. Em primeiro lugar, ele aumenta a autoestima e desperta o empoderamento. As relações sociais também são impactadas, a pessoa passa a ter acesso a novos lugares. Sou uma entusiasta da arte como fator de transformação social”, comenta ela. 





Conheça alguns dos projetos do Favela É Isso Aí:

Banco da Memória e DATA Favela

O projeto faz o registro das manifestações culturais nas favelas de Belo Horizonte, através de jovens bolsistas moradores das comunidades.

Favela Notícias

A Agência de Notícias Favela é Isso Aí atua na divulgação dos trabalhos artísticos das comunidades através da produção de jornal impresso bimestral.

Editora e Coleção Prosa e Poesia no Morro

Após o lançamento da Coleção Prosa e Poesia no Morro, a ONG Favela é Isso Aí tornou-se uma editora especializada em lançamentos editoriais de moradores de vilas e favelas. 





Mostra da Diversidade Cultural

Evento anual da instituição tem o intuito de apresentar o trabalho de diferentes artistas e grupos culturais periféricos com uma programação intercalada entre dança, música, teatro e muito mais.

Ficou interessado em participar? 

Então se liga nos editais lançados pela ONG e acompanhe as redes sociais @favelaeissoai e @mostradiversidademg e no site: www.favelaeissoai.com.br .

*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Alves

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