O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) expediu uma recomendação à Câmara Municipal de Pompéu, na região central do estado, para institucionalizar uma série de medidas para combater atos de preconceito contra pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+ e outras minorias. O ofício foi enviado na segunda-feira (22/5) e, de acordo com o MPMG, trata-se de uma medida pioneira em âmbito estadual e, talvez, nacional.
A recomendação vem pouco depois de um caso de transfobia que ocorreu em fevereiro, durante uma sessão plenária extraordinária da Câmara Municipal da cidade, envolvendo a vereadora transgênero Titia Chiba (PSB) – a mais votada de Pompéu – e o presidente da casa, Normando José Duarte (PSD). Na ocasião, ela foi tratada por pronomes masculinos e chamada de “senhor” repetidas vezes, mesmo tendo corrigido Normando. O caso foi parar na delegacia com um boletim de ocorrência contra o vereador e, em março, Chiba apresentou uma denúncia junto à procuradoria da Câmara.
LGBTQIA . Por este motivo e visando criar um ambiente mais democrático, o MPMG recomenda a criação de uma agenda articulada entre o legislativo municipal, centros de pesquisa e movimentos sociais, além de medidas de governança e compliance antidiscriminatório, como:
De acordo com o documento, a hostilidade do caso envolvendo a vereadora pode indicar que a Câmara Municipal de Pompéu seja um ambiente desfavorável ao debate de pautas sobre direitos da população - buscar a adoção de medidas educativas de cunho antidiscriminatório como forma de garantir o exercício da atividade parlamentar por parte de pessoas negras, mulheres, indígenas, ciganas, religiosas de matriz africana, LGBTQIA e outros grupos não hegemônicos;
- incentivar e fomentar o diálogo com e entre os grupos historicamente sub-representados na política, motivando a construção de redes de solidariedade através de uma agenda comum articulada entre Estado e sociedade civil;
- dar visibilidade ao tema do enfrentamento à LGBTfobia no âmbito legislativo municipal, por meio do desenvolvimento e implementação de estratégias que visem a formação e sensibilização de gestores, parlamentares, servidores públicos municipais, entre outros atores sociais, sobre direito antidiscriminatório, com ênfase na cidadania LGBTQIA ;
- buscar estimular a participação dos próprios agentes públicos, e dos diversos segmentos da sociedade em debates e vivências que permitam uma melhor compreensão de fenômenos discriminatórios;
- construir uma agenda de ações educativas, preferencialmente a partir do diálogo com a sociedade civil organizada e universidades, para a realização de seminários, reuniões, audiências públicas, oficinas de trabalho, entre outros formatos que viabilizem a participação popular, com objetivo de pautar e dar maior visibilidade ao tema da homotransfobia no município;
- promover as investigações que envolvam atos discriminatórios ocorridos no interior da Câmara Municipal, bem como proceder às devidas punições de parlamentares que pratiquem, no âmbito de suas funções, condutas discriminatórias;
- adotar, na Câmara Municipal, medidas de compliance antidiscriminatório que se traduzam em mecanismos eficientes de prevenção e combate à violência política contra grupos historicamente vulnerabilizados;
- expedir circular interna (ou documento semelhante de ampla circulação entre autoridades legislativas e todas as demais pessoas que prestem quaisquer tipos de serviços à Câmara Municipal de Pompéu) que forneça orientações específicas sobre atendimento ao público e condutas de respeito relacionadas à identidade de gênero de pessoas trans e travestis.
O ato foi assinado pelos promotores Guilherme Ferreira Hack, de Defesa dos Direitos Humanos da comarca de Pompéu, e Allender Barreto, coordenador de Combate ao Racismo e a Todas as Outras Formas de Discriminação (CCRAD) do MPMG. No texto, eles argumentam que “o uso antidemocrático de mandatos, prerrogativas e funções públicas para corroborar práticas discriminatórias, abusivas e ofensivas contra indivíduos ou grupos sociais é uma manifestação de violência em crescimento que precisa ser combatida com urgência e eficiência”.
Segundo eles, “com as especificidades que atravessam os casos de intolerância e violência política no Brasil, mostra-se necessária a reflexão sobre suas causas e a adoção de medidas efetivas por parte das instituições para o fim de prevenir, combater e punir tais práticas discriminatórias, garantindo assim o livre e legítimo exercício parlamentar de quem democraticamente resultou eleito”.
A reportagem do EM entrou em contato com a Câmara Municipal de Pompéu para saber se as medidas recomendadas serão, de fato, adotadas, mas ainda não obteve retorno.
Qual a definição de transfobia?
A transfobia configura qualquer ação ou comportamento que se baseia no medo, na intolerância, na rejeição, no ódio ou na discriminação contra pessoas trans por conta de sua identidade de gênero. Comportamentos transfóbicos são aqueles que dizem respeito a quaisquer agressões físicas, verbais ou psicológicas manifestadas contra a expressão de gênero de pessoas trans e travestis.
O que é um ato transfóbico?
Atos transfóbicos podem ser cometidos por qualquer pessoa, mas geralmente partem de pessoas cisgênero que não compreendem ou têm aversão à comunidade trans, desencadeando ações como crimes de ódio.
Diferentemente de crimes comuns ou daqueles considerados passionais, a violência letal contra pessoas trans podem ter como fator determinante a identidade de gênero ou a orientação sexual da pessoa agredida.
Diferentemente de crimes comuns ou daqueles considerados passionais, a violência letal contra pessoas trans podem ter como fator determinante a identidade de gênero ou a orientação sexual da pessoa agredida.
A transgeneridade
Para entender melhor as relações entre identidade de gênero, é importante saber a diferença entre cisgênero e transgênero:
- Cisgênero é aquela pessoa que se identifica com seu sexo biológico, seja masculino ou feminino (exemplo: uma pessoa que nasceu com genitália feminina e se identifica com o gênero feminino é uma mulher cis).
- Transgênero é aquela pessoa que não se identifica com o sexo biológico que nasceu (exemplo: uma pessoa que nasceu com genitália masculina e se identifica com o gênero feminino é uma mulher trans).
- Existem, também, diferenças entre mulheres transgênero e travestis que se concentram em suas identidades de gênero e maneiras de expressá-las.
O termo transgênero pode ser utilizado para se referir às pessoas que não se identificam com o seu sexo biológico e que podem buscar tratamentos hormonais ou cirúrgicos para se assemelharem ao gênero com o qual se identificam.
Já o termo travesti se refere uma identidade brasileira relativa apenas às pessoas com o sexo biológico masculino que se identificam com o gênero feminino e não necessariamente buscam mudar as suas características originais por meio de tratamentos.
Já o termo travesti se refere uma identidade brasileira relativa apenas às pessoas com o sexo biológico masculino que se identificam com o gênero feminino e não necessariamente buscam mudar as suas características originais por meio de tratamentos.
Direitos das pessoas trans no Brasil
A Constituição Federal de 1988 não faz referência explícita à comunidade LGBTQIAP+, mas muitos dos seus princípios fundamentais englobam essa parcela da sociedade. É o caso do princípio da dignidade humana; da igualdade entre todos; e do dever de punir qualquer tipo de discriminação que atente contra os direitos fundamentais de todos.
Com eles, há dispositivos legais estaduais e municipais que tratam especificamente sobre a população LGBTQIAP e transfobia. Um exemplo é o Decreto 41.798 do Estado do Rio de Janeiro, de 2009, que criou o Conselho dos Direitos da População LGBTQIAP , que tem como finalidade e responsabilidade:
- estimular e propor políticas públicas de promoção da igualdade e de inserção educacional e cultural dessa população;
- adotar medidalegislativas que visam eliminar a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero;
- receber, examinar e efetuar denúncias que envolvam atos discriminatórios contra membros da comunidade LGBTQIAP .
Outros avanços legislativos envolvem o reconhecimento em 2018, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do direito das pessoas de alterarem seu gênero e nome civil nos cartórios – agora, sem a obrigatoriedade de passar por cirurgia de redesignação.
Há também a decisão do STF de 2019 de enquadrar crimes de LGBTfobia na lei do racismo – com as mesmas penas –, enquanto uma legislação específica não é elaborada.
Há também a decisão do STF de 2019 de enquadrar crimes de LGBTfobia na lei do racismo – com as mesmas penas –, enquanto uma legislação específica não é elaborada.
Dados sobre a transfobia no Brasil
O Brasil ainda não possui dados oficiais sobre LGBTfobia em geral e os dados sobre a transfobia no país são divulgados pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) anualmente com base, principalmente, em notícias publicadas pela mídia.
Como já comentado, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo – o que não configura apenas assassinatos, mas também inclui outras causas de morte, como suicídio e lesões em decorrência de agressões.
Brasil tem Secretaria LGBTQIA
Atualmente, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania conta com a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA , comandada pela travesti paraense Symmy Larrat.
Junto ao Ministério da Justiça, a Secretaria LGBTQIA articula projetos para proteção da população trans, inclusive com participação da Antra e das deputadas Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), as primeiras parlamentares transgênero da história do Congresso Nacional.
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