Uma moradora de Belo Horizonte (MG) firmou um acordo judicial com o Ministério Público Federal (MPF) para se retratar de um comentário incitando a morte de homossexuais publicado em seu perfil do Twitter em dezembro de 2018. O acordo prevê o envio de cartas de retratação com pedido de desculpas e doação de R$ 3,6 mil a três entidades com atuação na temática LGBTQIA+, além da proibição da utilização do Twitter, TikTok, Facebook e Instagram por quatro anos.
As cartas de retratação deverão ser enviadas às entidades Akazulo, Cellos e Aliança Nacional LGBTI, que possuem atuação na temática LGBTQIA e foram indicadas pelo MPF. O valor a ser doado pela internauta será dividido em partes iguais, de R$ 1,2 mil, para cada uma delas e os comprovantes deverão ser encaminhados ao MPF.
Caso as obrigações sejam descumpridas, a mulher deverá pagar uma multa de R$ 50 mil, que deverá ser revertida para as mesmas entidades.
O cumprimento das obrigações deve ter início a partir da homologação do acordo, que extinguirá a ação civil pública ajuizada pelo MPF em setembro de 2020.
De acordo com a ação, “a conduta da demandada não se restringiu ao mero desferimento de ofensas à honra de um grupo social, tendo incorrido em verdadeira incitação à violência”, e que ao propagar o ódio e a violência contra determinado grupo de pessoas que já se encontram em posição de vulnerabilidade social, a mulher extrapolou os limites da liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, enquadrando-se tanto em crime [artigo 286 do Código Penal: incitar, publicamente, a prática de crime] quanto em violação a dispositivos legais e constitucionais.
Em texto previamente aprovado pelo MPF, ela reconhece o erro, diz que se sente envergonhada e pede desculpas à comunidade LGBTQIA .
“Aprendi que somos todos, em nossas condutas diárias, os verdadeiros responsáveis por promover espaços seguros e inclusivos e que todos merecem ser tratados com dignidade e igualdade, sem qualquer tipo de preconceito ou discriminação”, afirma em um dos trechos da carta.
Em outro ponto, a mulher reconhece que suas palavras foram extremamente insensíveis e prejudiciais, especialmente tendo em vista o triste histórico de violência endereçada à comunidade LGBTQIA .
“Envergonha-me a possibilidade de ter contribuído para a manutenção ou o agravamento dessa situação com meu comentário. Lamento muitíssimo e peço a todos e todas, minhas mais sinceras e profundas desculpas pelo comentário que fiz naquela época”, conclui.
Segundo o procurador da República Angelo Giardini de Oliveira, que assina o acordo, é dever do MPF atuar para reduzir e eliminar ações de caráter preconceituoso e de condutas discriminatórias que levem ao discurso do ódio.
O que é homofobia?
A palavra “homo” vem do grego antigo homos, que significa igual, e “fobia”, que significa medo ou aversão. Em definição, a homofobia é uma “aversão irreprimível, repugnância, medo, ódio e preconceito” contra casais do mesmo sexo, no caso, homossexuais.
Entretanto, a comunidade LGBTQIA+ engloba mais sexualidades e identidades de gênero. Assim, o termo LGBTQIA fobia é definida como “medo, fobia, aversão irreprimível, repugnância e preconceito” contra lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, não-bináres, queers (que é toda pessoa que não se encaixa no padrão cis-hetero normativo), itersexo, assexual, entre outras siglas.
A LGBTQIA fobia e a homofobia resultam em agressões físicas, morais e psicológicas contra pessoas LGBTQIA .
Homossexualidade não é doença
Desde 17 de maio de 1990, a a Organização Mundial da Saúde (OMS) excluiu homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID). Antes desta data, o amor entre pessoas do mesmos sexo era chamado de "homossexualismo”, com o sufixo “ismo”, e era considerado um “transtorno mental”.
O que diz a legislação?
Atos LGBTQIA fobicos são considerados crime no Brasil. Entretanto, não há uma lei exclusiva para crimes homofóbicos.
Em 2019, após uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 26), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os crimes LGBTQIA devem ser "equiparados ao racismo". Assim, os crimes LGBTQIA fobicos são julgados pela Lei do Racismo (Lei 7.716, de 1989) e podem ter pena de até 5 anos de prisão.
O que decidiu o STF sobre casos de LGBTQIA+fobia
- "Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito" em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime
- A pena será de um a três anos, além de multa
- Se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa
Criminalização no Brasil
Há um Projeto de Lei (PL) que visa criminalizar o preconceito contra pessoas LGBTQIA no Brasil. Mas, em 2015, o Projeto de Lei 122, de 2006, PLC 122/2006 ou PL 122, foi arquivado e ainda não tem previsão de ser reaberto no Congresso.
Desde 2011, o casamento homossexual é legalizado no Brasil. Além disso, dois anos mais tarde, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou e regulamentou o casamento civil LGBTQIA no Brasil.
Direitos reconhecidos
Assim, os casais homossexuais têm os mesmos “direitos e deveres que um casal heterossexual no país, podendo se casar em qualquer cartório brasileiro, mudar o sobrenome, adotar filhos e ter participação na herança do cônjuge”. Além disso, os casais LGBTQIA podem mudar o status civil para ‘casado’ ou ‘casada’.
Caso um cartório recuse realizar casamentos entre pessoas LGBTQIA , os responsáveis podem ser punidos.
Leia mais: Mesmo com decisão do STF, barreiras impedem a criminalização da LGBTQIA fobia
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Como denunciar casos de LGBTQIA+fobia?
As denúncias de LGBTQIA fobia podem ser feitas pelo número 190 (Polícia Militar) e pelo Disque 100 (Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos).
O aplicativo Oi Advogado, que ajuda a conectar pessoas a advogados, criou uma ferramenta que localiza profissionais especializados em denunciar crimes de homofobia.
Para casos de LGBTQIA fobia online, seja em páginas na internet ou redes sociais, você pode denunciar no portal da Safernet.
Além disso, também é possível denunciar o crime por meio do aplicativo e do site Todxs, que conscientiza sobre os direitos e apoia pessoas da comunidade LGBTQIA .
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