Jornal Estado de Minas

PROTAGONISMO NEGRO

'A Pequena Sereia' e a importância da representatividade no cinema

O clássico da Disney voltou às grandes telas brasileiras na última quinta-feira (25), mas desta vez, trata-se de um live action. Estrelado pela atriz Halle Bailey, o filme acabou por incentivar discussões acerca da importância da representatividade no cinema. 





A Pequena Sereia conta a história de Ariel (Halle Bailey), a rebelde e curiosa caçula do Rei Tritão (Javier Bardem), que sonha em ir além do mar e conhecer o mundo humano. Em suas idas à superfície, acaba conhecendo o príncipe Eric (Jonah Hauer-King), por quem se apaixona. Ariel faz um acordo com Úrsula (Melissa McCarthy) e troca sua voz por pernas, para poder viver na superfície. 

Os cabelos da princesa continuam vermelhos, mas, desta vez, estão trançados. As tranças são muito mais que simples penteados, elas são o reflexo de uma cultura marcada por lutas:
“Acho que a gente tem uma dificuldade imensa, enquanto sociedade, de aceitar cabelos que fogem da estrutura capilar europeia até hoje. Então, para crianças, jovens e até mulheres mais velhas assumirem seus cabelos naturais é um processo difícil. Muitas vezes acabamos não aceitando nosso cabelo e recorrendo à utilização de produtos químicos para alisar. A trança entra como uma alternativa né, você mantém suas raízes e seu contato com a cultura negra e pode manter seu cabelo natural sem precisar fazer muito esforço. Então a trança é uma das expressões de resistência mais notáveis dos últimos anos”, explica a trancista Sarah Maria.

“Vejo muitas mulheres que nunca conseguiram usar seu cabelo natural aderindo ao uso de tranças para estimular o crescimento do cabelo e facilitar o processo de transição. Então, além de ser um instrumento de resistência, é uma forma de aderir a diferentes estilos sem danificar seu cabelo ou perder a essência”, acrescenta Sarah.





Além das tranças, outros elementos foram adaptados: o filme desta vez se passa no mar caribenho, não mais no dinamarquês, e com isso, elementos europeus foram adaptados para a realidade caribenha.


A repercussão pré-estreia


Desde que foi anunciada como a Ariel no live action, Halle Bailey teve que lidar com comentários agressivos e racistas. Além disso, quando o primeiro teaser do filme foi lançado, o vídeo recebeu uma onda de ‘dislikes’, chegando a atingir a marca de 1 milhão. A atriz afirmou que consegue ignorar esses comentários. “Como uma pessoa negra, já esperava por isso”, disse Halle à revista britânica The Face.

Jodi Benson, dubladora que deu voz à sereia na versão em inglês da animação, saiu em defesa de Halle Bailey: “Nós precisamos ser contadores de histórias. E não importa a nossa aparência externa, não importa nossa etnia, nossa nação, a cor da nossa pele, nosso dialeto”, disse Jodi durante um painel de uma convenção na Flórida.

Bailey sabe da importância do local que ocupa ao interpretar Ariel: “O fato de eu representar todas essas meninas e meninos negros que estão por vir é muito especial para mim, porque sei que se eu tivesse isso quando era mais jovem, teria mudado toda a minha perspectiva de vida”, disse Halle em bate-papo com a Hollywood Reporter.





O que é representatividade e por que ela é importante?


A representatividade refere-se à inclusão e participação equitativa de diferentes grupos sociais em diversas áreas da sociedade. É sobre garantir que todas as pessoas, independentemente de sua origem étnica, racial, cultural, religiosa, de gênero, orientação sexual, idade ou classe social, tenham voz, visibilidade e oportunidades iguais. Além disso, promove o combate contra estereótipos prejudiciais.

Os desenhos e filmes infantis são a grande fonte de imaginação das crianças, entretanto, na maioria das produções estão personagens brancos interpretando papéis os quais as crianças negras e de outras etnias não se veem representadas.

“A representatividade acende em todas as pessoas negras a esperança de que nós estamos tendo a possibilidade de reescrever a história com protagonismo negro. Vemos no cinema a história negra sendo retratada sempre por uma ótica de muita violência contra os corpos negros”, explica Vitor Bedeti, professor do curso de cinema da PUC Minas.




As crianças negras sempre cresceram tendo poucos referenciais positivos nas grandes telas. Das 12 princesas da Disney, somente uma delas é negra, Tiana do filme A Princesa e o Sapo (2009). 

“Para o público infantil, a representatividade ainda ganha uma importância maior, porque dialogará diretamente com a autoestima das crianças. Imagine que uma criança negra vai poder agora olhar para um corpo negro protagonizando filmes, comerciais, novelas e produções. Ela crescerá sabendo que ela pode ocupar espaços que são considerados de prestígio e destaque na sociedade. É bonito demais de ver as crianças saindo do cinema encorajadas e fortalecidas”, comenta Bedeti.

Em relação aos filmes de super-heróis na Marvel, que pertence à Disney, a representatividade e protagonismo negro vem conquistando cada vez mais espaço, com Pantera Negra (2018) e Homem-Aranha no Aranhaverso, também do mesmo ano.





“Sou um homem quilombola, e aí quando completei 15 anos, minha família e o quilombo juntaram dinheiro para eu realizar meu sonho de ir ao cinema. Foi um super evento porque, para nossa realidade, era algo muito distante. O primeiro filme que assisti foi Homem-Aranha. Passaram-se os anos, fui ao cinema assistir Pantera Negra e quando eu estava assistindo o filme, que também é de super-herói, voltei no tempo e me vi com 15 anos assistindo Homem-Aranha e pensei que se eu tivesse assistido Pantera Negra naquela época, a minha vida seria completamente diferente, sem sombra de dúvidas. Eu saí de lá forte, encorajado”, relatou o professor.
 
* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.