A escultura da ativista Anita Gomes dos Santos, uma das lideranças pelo direito à moradia e pela organização das pessoas em situação de rua mais importantes de Belo Horizonte, foi instalada no Parque Municipal Américo Renné Gianneti, na capital mineira. A cerimônia de inauguração ocorreu na segunda-feira (29/5) e contou com a presença de magistrados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e integrantes de instituições parceiras.
Intitulada “Luz das Ruas”, a escultura foi criada com sucata de metal pelo artista plástico Gu Ferreira em colaboração com 11 pessoas em situação de vulnerabilidade social e trajetória de rua – Anderson Moretti, André do Amaral, Andreia Maria do Carmo, Jocinei Henriques Pedroza, Johnatan Santos, José Luiz Policarpo, Luiz Carlos dos Santos, Nancy de Andrade, Ozieu de Souza, Sérgio Brás e Valmir Ferreira – sob orientação técnica de Paulo César Aguiar. O local da instalação também passou por revitalização, incluindo limpeza, jardinagem e iluminação.
O evento contou com discursos e homenagens de autoridades e familiares e uma exibição de fotos e frases sobre Anita Gomes. A canção “Casinha Branca”, de Gilson, a preferida da ativista, foi executada ao violino por Edson de Andrade Franco, integrante do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR). Samuel Rodrigues e Vanilson Torres, também do MNPR, leram poemas de sua autoria em reconhecimento à amiga e companheira.
A escultura
O artista Gu Ferreira, responsável pela obra, contou um pouco sobre o processo de criação da escultura que homenageia Anita Gomes. Ele explica que, para dar início à montagem, também foi necessário capacitar as pessoas em situação de vulnerabilidade social.
“Nós fizemos uma imersão em formato de oficina. Fizemos a capacitação dos reeducandos e, a partir disso, trabalhamos com sucata, formatamos o que ia ser feito na estrutura, nesse caso, da Anita, mulher importante do movimento de apoio às pessoas em situação de rua, soldamos e, assim, fomos dando vida à obra”, explica ele.
Para o artista, a instalação da “Luz das Ruas” no centro de Belo Horizonte é muito significativa pela trajetória da ativista. “É importante demais que a figura da Anita, que foi uma pessoa de luta, esteja num espaço privilegiado como é o Parque Municipal. A cerimônia foi linda, muitas pessoas importantes, parentes, estiveram presentes. Foi muito emocionante”, declarou ao EM.
História
Nascida em 26 de julho de 1959, filha de Dejanira Gomes dos Santos e Jair Pereira dos Santos, Anita Gomes dos Santos, negra, mãe de quatro filhos e costureira da Fábrica Social da Associação de Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare), faleceu em 2017, no dia de seu aniversário de 58 anos. Ela saiu de casa aos 17 e viveu por mais de 30 anos nas ruas de Belo Horizonte.
Anita Gomes fez parte da coordenação estadual e nacional do movimento da população de rua e do Fórum de População de Rua de Belo Horizonte; foi sócia-fundadora e membro da Associação de Luta por Moradia para Todos; agente social do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Material Reciclável (CNDDH) e liderança da Associação de Moradores da Ocupação Antônio Carlos; além de ter sido representante das pessoas em situação de rua em diversos espaços públicos.
O filho de Anita Gomes, Fernando Santos Rolim Silva, esteve presente na cerimônia de inauguração da escultura e se disse muito feliz com a homenagem.
“Foi escolhido um lugar bacana e bonito. Também tenho trajetória de rua e vivi momentos com minha mãe nas ruas, enfrentando fome e dificuldades, e só tenho a agradecer aos envolvidos. É bonito ver que ela está sendo lembrada por pessoas que a admiram. Era uma mulher guerreira, que lutou pelos outros, era multifunção no que diz respeito à palavra ‘amor’, e modificou o olhar para a população de rua. O que tenho de força e esperança foi ela que me deu”, declarou.
“Em seu trabalho na pastoral de rua, a partir da mobilização dela, a política de higienização mudou. As pessoas em situação de rua são seres humanos e devem ter o apoio das instituições e do poder público, não apenas nas políticas, mas nas leis, na atenção dada aos atos de violência contra irmãos de rua. O silêncio deles é um pedido de socorro imenso. Já tive embates, na rua, porque queriam me tirar minha filha, mas não me ofereciam um abrigo”, completou Fernando.
Anita faleceu em 2017 no dia de seu aniversário. “26 de julho de 2017. Anita deixa fisicamente a terra, mas a luta dela continua em cada uma e cada um de nós junto à População em Situação de Rua . Ela se foi em corpo humano, mas para nós sua luta ecoa em nossa voz. Em cada lugar desse Brasil, reafirmaremos que nada sobre nós sem Nós”, escreveu Vanilson Torres, do MNPR, em um poema deixado junto à escultura.
O procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, disse que o registro da contribuição de Anita Gomes ficará eternizado no Parque Municipal como símbolo da luta das pessoas em situação de rua e agradeceu a todos os envolvidos no projeto.
“Muitas vezes, a sociedade está tão doente que, quando encontra pessoas nesta situação na porta de nossas casas, a reação é chamar a polícia, como se aquele indivíduo, que está lá por circunstâncias diversas da vida, fosse um criminoso. Não vemos que ali está alguém com os olhos brilhando, passando fome e frio. Cabe a nós e a nossas instituições, nessa realidade injusta brasileira, estender a mão e ser uma força que constrói. A sociedade precisa de todos, não apenas do poder público, que tem seus limites. Nossa Anita está do lado das ruas, e finalmente tem sua casinha”, ressaltou.
Unidades de Acolhimento Anita Gomes dos Santos
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) já havia inaugurado, no início de 2019, duas unidades de abrigo que receberam o nome da ativista, as Unidades de Acolhimento Institucional Anita Gomes dos Santos I e II, que completaram cinco anos na semana passada. Geridas pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, as unidades dispõem de quartos, cozinha, refeitório, lavanderia, sala de televisão e para oficinas, além das refeições, preparadas por funcionários da unidade.
Desde a implantação, no antigo Hotel Bragança (avenida Paraná, Centro), mais de 400 pessoas já foram acolhidas. O objetivo das unidades de acolhimento da PBH é a garantia da proteção social integral e da autossustentabilidade das pessoas em abrigo. A equipe apresenta e encaminha os usuários para oportunidades de profissionalização e inclusão socioprodutiva, considerando que o desemprego é um dos principais motivos que levam as pessoas à situação de rua.
Ambientes de convivência também foram criados com a participação dos próprios usuários. Foram instaladas uma biblioteca e uma marcenaria para iniciativas de qualificação profissional. No terraço, há um espaço com área de lavagem e secagem de roupas. As unidades contam, ainda, com uma equipe de referência, composta por assistentes sociais e psicólogos, com o objetivo de desenvolver o trabalho social de forma sistemática e continuada.
Durante a cerimônia de inauguração, o secretário municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, José Ferreira da Crus, que representou o prefeito Fuad Noman, relembrou a instalação das unidades de abrigo e afirmou estar honrado por participar da iniciativa, ao lado de diversas instituições, movimentos e organizações sociais.
“Nós nos alegramos por nos integrar a esse programa tão importante, que traz uma entrega fundamental para a cidade de Belo Horizonte, que assinala a história de uma guerreira e uma lutadora, Anita Gomes dos Santos. No início de 2019, inauguramos duas unidades de abrigos, que receberam o nome dela justamente por todo o papel dela na luta e na defesa dos direitos da população de rua em Belo Horizonte, no Estado e no Brasil. É uma mulher que deixa um legado importante para todos nós, sobretudo para os direitos humanos”, afirmou.
Programa Caminhos
A iniciativa partiu do Programa Caminhos, que busca promover a inclusão social por meio do trabalho, da arte e da cultura. “Luz das Ruas” é a segunda peça instalada em parques da cidade, já que em dezembro de 2021 foi inaugurada “O Espalhador de Passarinhos, uma escultura do ambientalista e ex-diretor da Fundação Zoobotânica, Hugo Eiras Furquim Werneck, no Parque Serra do Curral.
O termo de cooperação técnica entre o TJMG, a Prefeitura de Belo Horizonte, o Ministério Público de Minas Gerais, o Ministério Público do Trabalho, com apoio do Centro Mineiro de Alianças Intersetoriais (CeMais) e do Instituto de Apoio e Orientação a Pessoas em Situação de Rua (Inaper), recruta e capacita pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Em 2022, o programa atendeu 20 pessoas, oferecendo-lhes acompanhamento psicossocial, formações de desenvolvimento pessoal, capacitações profissionais, oficinas de arte e ações para empregabilidade.
Para a superintendente do Núcleo de Voluntariado do TJMG, desembargadora Maria Luíza de Marilac, desde que o Judiciário incorporou a Agenda 2030 das Nações Unidas no seu planejamento estratégico, o Tribunal de Justiça vem se adaptando para desenvolver da melhor forma possível seu papel social.
“O Núcleo de Voluntariado, juntamente com o MPMG, o MPT e a PBH, estruturou o Programa Caminhos, que tem um potencial de alcance social imensurável, pois busca promover a inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade social na capital, em especial egressos do sistema prisional e pessoas em conflito com a lei submetidas à audiência de custódia e/ou com trajetória de rua. A reinserção está relacionada com a confiança da sociedade na capacidade de reabilitação desses indivíduos, atitude essa que precisa ser demonstrada e se concretiza na disposição de oferecer oportunidades de trabalho para quem já cumpriu ou está a cumprir sua pena. A marginalização dessas pessoas leva à reincidência e à perpetuação do ciclo de violência”, disse ela.
Para a desembargadora Maria Luíza de Marilac, quando as pessoas em situação de rua encontram as portas fechadas para acessar direitos, moradia e trabalho, aumenta o sofrimento da invisibilidade social, condenando-as à extrema pobreza.
“Estamos aqui, com muita alegria, para inaugurar a segunda obra de arte do Programa Caminhos, que homenageia esta valorosa mulher, a ativista Anita Gomes dos Santos. O nome ‘Luz das Ruas’ traduz bem o que ela representou para as pessoas em situação de rua. Ao enfrentar os percalços em sua vida, ela se tornou um exemplo de força, luta e resiliência”, disse.
Segundo a superintendente do Núcleo de Voluntariado, o local escolhido para instalar a escultura não poderia ser mais adequado.
“É um espaço popular, democrático e acessível a todos. Acredito que o resultado reflete muito bem o objetivo do programa e se assemelha bastante com o que Anita sempre defendeu: união, inclusão e respeito a todos os que vivem ou viveram nas ruas”, concluiu, parabenizando os artistas envolvidos pela dedicação e comprometimento.
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