Entre muitas anotações e uma pitada de frio na barriga, as narradoras Renata Silveira, Natália Lara e Isabelly Morais estão em contagem regressiva para soltar a voz e comandar as transmissões da Copa do Mundo feminina no Grupo Globo.
Crias do "Narra quem sabe", concurso do Fox Sports em 2018, elas têm o esporte na veia desde cedo, mas nem sequer imaginavam que se tornariam as caras da retomada da narração por mulheres. Anos depois, o trio encara o preconceito e até o fuso horário pela chance de ter vozes femininas contando histórias de atletas e seleções.
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Renata dividirá com Luis Roberto as transmissões da Globo. Já Natália e Isabelly estarão no Sportv ao lado de Luiz Carlos Jr. e Daniel Pereira. A emissora carioca planeja exibir pelo menos sete partidas do Mundial da Austrália e da Nova Zelândia na TV aberta, e no mínimo 34 - além das cerimônias de abertura e encerramento - na TV fechada.
'Sempre a primeira a fazer alguma coisa'
Prestes a narrar sua primeira Copa feminina, Renata Silveira está acostumada a ser pioneira. Primeira contratada da Globo, em 2021, ela brinca que "daqui a pouco eu não tenho mais adrenalina no corpo".
"É legal, mas quem dera que outras mulheres já tivessem feito isso, porque a gente teria menos responsabilidade, menos pressão, menos cobrança, menos hate. Mas que bom que estamos aqui para representar e ocupar esse espaço, e estamos ocupando muito bem", falou Renata.
Confiante e confortável para comandar transmissões na Globo, Renata pode ser a voz responsável por narrar os últimos momentos de Marta em uma edição de Copa do Mundo. E, apesar de não ser fã de ensaios, quer preparar algo à altura da Rainha.
"Eu nem sei dimensionar isso, porque vai ser com certeza uma das narrações que eu vou levar para a vida. E eu vou me preparar. Eu gosto de fazer na hora, mas quando a gente tem toda essa história, todo esse cenário, vale a pena montar um roteiro para fazer mais bonito ainda", diz.
Renata também é a mãe entre as narradoras, e suas narrações fazem sucesso entre os amigos de Bernardo, 10. Mãe e filho se divertem lançando desafios nas redes sociais, mas também conversam sobre preconceito e racismo, tudo pela "responsabilidade de formar um futuro homem que respeite as mulheres, que entenda que futebol também é para mulher".
'Quero ocupar um cargo de igualdade'
O objetivo de Natália Lara sempre foi narrar uma Copa do Mundo feminina. De olho em jogadoras, times e seleções, ela diz ter "certa tranquilidade" para narrar os jogos. O desafio será lidar com o fuso horário.
No que diz respeito à alimentação, a estratégia é deixar comida pronta; quanto ao sono, vai depender da escala de jogos. Isso atrelado às poucas saídas de casa, o inalador portátil e os exercícios de fono.
"Vamos ver o que a Copa feminina me reserva, mas eu admiro quem consegue virar o fuso. Eu não sei se eu vou virar o fuso horário completo. Tudo depende dos meus horários", afirma.
Natália vê o futebol feminino em um "momento excelente" e afirma que "não cabe qualquer tipo de comentário pejorativo do tipo tem que diminuir o gramado ou o gol, porque as meninas mostram que o jogo tem muita qualidade".
O preconceito atinge também as narradoras, que Natália define como o "preço da visibilidade". Ela trabalha a questão na terapia, conversa com pessoas próximas e confia nos feedbacks da chefia, mas acredita que o cenário "não vai melhorar de uma hora para a outra".
Você está quebrando um tradicionalismo, e isso nunca é fácil. É uma coisa que eu questiono muito, 'quanto que a gente tem que ficar aguentando', 'por que que eu tenho que ficar aguentando isso?', mas é o preço da visibilidade".
'Não dá mais para sucatear a história das mulheres'
Isabelly Morais é a novata do trio. Contratada pelo Grupo Globo em março deste ano, a mineira, apelidada de "Eminem de Itamarandiba" por falar muito rápido, celebra a chance de ter mulheres contando a história das atletas.
Nós contamos pouco as histórias das atletas brasileiras ao longo da história. Juntar tudo isso com a oportunidade de ter a voz de uma mulher contando a história de uma mulher atleta é lindo e muito potente, porque a gente junta duas situações que foram muito marginalizadas na história".
Isabelly conta, inclusive, que uma visita à CBF durante o "Narra Quem Sabe" a marcou: "Olhei para o lado e vi todas aquelas mulheres ouvindo aquelas vozes de homens contando a história do futebol brasileiro, eu percebi como nos últimos anos a gente estava pronta para viver uma transformação mesmo".
Diante disso, Isabelly tenta controlar a ansiedade e programar a rotina para o próximo mês, até porque, nas Olimpíadas de Tóquio, ela sofreu: "demorei uns dois meses para voltar a minha rotina de sono. Só fui dormir direito em outubro e novembro. Tem uma outra questão também, que é o frio. Isso para a voz é mais complicado".
Dificuldades à parte, o que a narradora espera é que o Mundial termine com o Brasil levantando a taça: "Não existe uma seleção que mereça tanto ser campeã".
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