Valadão rebateu a enxurrada de críticas com Gênesis. Diz o livro do Antigo Testamento que Deus formou um arco-íris para Noé se lembrar do elo eterno com seu Criador. "Nós, igreja, temos a facilidade de entregar ao inimigo aquilo que Deus deu pra nós", disse o mineiro à época. "O arco-íris não é um símbolo de um movimento, é o símbolo de uma aliança que Deus fez com o homem."
Passados 11 anos, o pastor evocou o mesmo personagem bíblico para justificar uma pregação que provocou indignação generalizada e o colocou na mira do Ministério Público. Ele usou o púlpito da Lagoinha Church Orlando, que lidera desde 2017, para afirmar que é preciso "resetar" pessoas LGBTQIA+ e que, se Deus pudesse, "matava tudo e começava tudo de novo".
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Esse grupo teria ido longe demais, e é missão de qualquer cristão decente detê-los, sugeriu no culto. "Agora é a hora de tomar as cordas de volta e dizer ‘nananinanão’, ‘pó parar', reseta. Aí Deus fala: não posso mais, já meti esse arco-íris aí. Se eu pudesse, matava tudo e começava tudo de novo. Mas já prometi a mim mesmo que não posso, então agora tá com vocês."
Valadão já vinha há um mês capitaneando uma campanha anti-LGBTQIA+ tão virulenta que irritou até pastores que veem a diversidade sexual e de gênero como pecado a ser combatido. O pastor Yago Martins, batista como Valadão, chegou a gravar um vídeo afirmando que o colega dava "munição para a esquerda persecutória" ao soltar "uma frase idiota onde dá a entender que devemos matar gays".
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O próprio Valadão mencionou Noé em vídeo que enviou à Folha de S.Paulo após dizer que sua declaração foi tirada de contexto.
"Pelo amor de deus, gente, não digo [para] nós aniquilarmos pessoas. Digo que cabe a nós levar o ser humano ao princípio daquela que é a vontade de Deus", disse. Na legenda, o líder evangélico escreve que "nunca será sobre matar, segregar, mas será, sim, sobre resetar, levar de volta à essência, ao princípio".
Gênesis narra um dilúvio provocado por Deus para fulminar a humanidade, à exceção do construtor da arca e sua família. Noé seria um homem justo, alheio à perversidade que tomara conta de seus pares. A libertinagem dos homens teria incitado a ira divina, afirmou o pastor.
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André, 45, vem cumprindo há anos o papel mais midiático do clã Valadão, poderoso no segmento evangélico. É o do meio dos três filhos do pastor Márcio Valadão, que 51 anos atrás assumiu o comando da mineira Igreja Batista Lagoinha.
Ana Paula Valadão, a primogênita, já disse que a Aids apareceu "para mostrar que a união sexual entre dois homens" não é "o ideal de Deus". Também virou alvo do Ministério Público.
Já a caçula Mariana Valadão é casada com Felippe Valadão, que no ano passado entrou no radar de promotores por intolerância contra religiões de matriz africana. "De ontem para hoje tinha quatro despachos aqui na frente do palco. Avisa aí para esses endemoniados de Itaboraí: o tempo da bagunça espiritual acabou, meu filho. A igreja está na rua! A igreja está de pé!", discursou na cidade fluminense.
Os três irmãos já integraram a Diante do Trono, bem-sucedida banda do cancioneiro gospel nacional. Hoje só Ana Paula continua nela.
A retórica politizada, que encontrou guarida no bolsonarismo, garantiu holofotes a André Valadão nos últimos anos. Alinhado incondicional de Jair Bolsonaro (PL) em 2022, ele se popularizou fora das igrejas depois de mentir dizendo que Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, havia determinado que ele se retratasse por acusações feitas contra Lula (PT).
Foi na celebração do meio século de Márcio Valadão na liderança da Lagoinha que a então primeira-dama Michelle Bolsonaro disse que o Palácio do Planalto era "consagrado a demônios" até seu marido chegar.
Seu herdeiro homem assumiu no fim de 2022 a chefia da Lagoinha Global, com mais de 700 templos no Brasil e no mundo. O patriarca se aposentou após anunciar a morte do ex-ator Guilherme de Pádua, assassino de Daniella Perez que virou pastor da igreja, num vídeo peculiar. "Caiu e morreu. Morreu agora, agorinha", informou sorrindo. O tom insólito levantou suspeitas sobre senilidade e abriu espaço para o filho.
Ainda que a matriz da Lagoinha, em Belo Horizonte, esteja a cargo de outro pastor, Flavinho, André conquistou poder internamente. "Desde a sua juventude, ele despertava polêmicas", diz o pastor Bob Luiz Botelho, membro-associado da ONU para assuntos religiosos e fundador do Evangélicxs Pela Diversidade. "Sempre pregou discursos que padronizam a fé, essa postura de dizer que para você chegar numa espiritualidade X, precisa fazer o caminho A, não existe B ou C. Tem sempre que ser do jeito que ele quer, um garoto mimado que se recusa a fazer um estudo sério sobre qualquer tema. É aquela espiritualidade de receita de bolo, um verdadeiro coaching que nada tem a ver com o evangelho plural de Jesus."
André é o Valadão mais familiarizado com as redes sociais. Uma de suas marcas é abrir uma caixa de perguntas e respostas no Instagram, onde 5,6 milhões o seguem.
Em 2022, foi o conteúdo político que predominou ali. Ao seguidor que quis saber "por que passa tanto pano para Bolsonaro", respondeu que não estava fazendo isso.
"Quem me segue desde antes de 2010 sabe que eu sempre fui contra o Lula e o PT."
Mas já foi mais tolerante com quem pensava diferente. Em 2018, disse achar possível "um cristão defender as ideologias de esquerda". Como "pastor de igreja grande", com "muitos membros esquerdistas", não caberia a ele "dizer que [o fiel] não é crente".
No ciclo eleitoral seguinte, despontou sua versão mais intransigente, que dedicava seu bordão máximo ao fiel que se declara de esquerda: "‘Cê' não é crente, não".
Também havia brecha para temas mais frugais. Houve quem indagasse o que ele pensa de "mulheres cristãs fazerem academia" (acha maravilhoso) e de crentes no Rock in Rio (não recomenda).
Com a vitória de Lula, as publicações bolsonaristas sumiram. Já o teor anti-LGBTQIA+ disparou. A última leva de posts é quase toda dedicada a atacar esses indivíduos. Depois de dizer que Deus mataria todos se pudesse, como fez na época de Noé, Valadão tentou amenizar suas palavras. Afirmou que a solução "nunca será sobre matar, segregar, mas será, sim, sobre resetar, levar de volta à essência".
Ainda que a causa encontre forte resistência nas igrejas cristãs, a belicosidade de Valadão é considerada acima do tom mesmo no meio. A própria Lagoinha tem o Movimento Cores, que propõe diálogo com essa comunidade.
De Orlando, em junho, Valadão falou num conluio entre marcas, bilionários, mídia e redes sociais para levantar "uma agenda muito forte onde o não crente quer dizer pro crente como o crente tem que viver".
Qual a definição de transfobia?
O que é um ato transfóbico?
Diferentemente de crimes comuns ou daqueles considerados passionais, a violência letal contra pessoas trans podem ter como fator determinante a identidade de gênero ou a orientação sexual da pessoa agredida.
A transgeneridade
- Cisgênero é aquela pessoa que se identifica com seu sexo biológico, seja masculino ou feminino (exemplo: uma pessoa que nasceu com genitália feminina e se identifica com o gênero feminino é uma mulher cis).
- Transgênero é aquela pessoa que não se identifica com o sexo biológico que nasceu (exemplo: uma pessoa que nasceu com genitália masculina e se identifica com o gênero feminino é uma mulher trans).
- Existem, também, diferenças entre mulheres transgênero e travestis que se concentram em suas identidades de gênero e maneiras de expressá-las.
Já o termo travesti se refere uma identidade brasileira relativa apenas às pessoas com o sexo biológico masculino que se identificam com o gênero feminino e não necessariamente buscam mudar as suas características originais por meio de tratamentos.
Direitos das pessoas trans no Brasil
- estimular e propor políticas públicas de promoção da igualdade e de inserção educacional e cultural dessa população;
- adotar medidalegislativas que visam eliminar a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero;
- receber, examinar e efetuar denúncias que envolvam atos discriminatórios contra membros da comunidade LGBTQIAP .
Há também a decisão do STF de 2019 de enquadrar crimes de LGBTfobia na lei do racismo – com as mesmas penas –, enquanto uma legislação específica não é elaborada.