Nesta sexta-feira (14/7), celebra-se o Dia Internacional das Pessoas Não-Binárias – público que, junto às pessoas transgênero, representa 2% da população brasileira, de acordo com um levantamento de 2021 realizado pela Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB/Unesp). A data busca trazer visibilidade para o “N” da sigla LGBTQIAPN+, já que a maioria dos países não reconhece a não-binariedade como um gênero legal.
Em números absolutos, a população trans e não-binária (NB) brasileira totaliza cerca de 3 milhões de indivíduos, segundo a pesquisa que entrevistou 6 mil pessoas em 129 municípios de todas as regiões do país. Os resultados mostram que pessoas identificadas como transgênero representaram 0,69%, e os não-binários, 1,19%.
De acordo com Maria Cristina Pereira Lima, docente da FMB/Unesp, os números atuais podem ser maiores que os revelados na pesquisa, mas afirma que, proporcionalmente, são parecidos com os de países como Estados Unidos e Inglaterra. Os dados obedeceram à proporção da população de cada região do país, não havendo diferença significativa entre as capitais e as cidades do interior.
Participantes do projeto explicam que os resultados mostram a urgência de políticas de saúde voltadas para esse público em todos os espaços – ressaltando que a expectativa de vida de pessoas trans é mais baixa que a de pessoas cis no mundo todo. “Uma pessoa que nasceu mulher, mas que hoje se identifica com o gênero masculino, um homem trans, também vai precisar de uma consulta ginecológica”. explica Maria Cristina.
“É preciso capacitar esses ginecologistas, capacitar os médicos, os enfermeiros, os fisioterapeutas, enfim, todos os profissionais para poderem atender essa pessoa em suas necessidades de saúde. Se a gente não fizer isso, esse homem vai evitar os serviços de saúde por se sentir hostilizado e, aí sim, aumenta muito a mortalidade”, complementou.
Mas o que é ser uma pessoa não-binária?
Para quem não é da comunidade LGBTQIAPN+, pode ser complicado entender a ampliação da sigla, e entender a não-binariedade pode parecer complicado, mas é simples.
As pessoas que se consideram não-binárias sentem que sua identidade de gênero não pode ser definida dentro das margens do binarismo, de acordo com a LGBT Foundation. Elas entendem seu gênero de uma forma que vai além de simplesmente se identificar como homem ou mulher – não se reconhecendo dentro da identidade de nenhum deles (ausência de gênero), ou caracterizando-se como uma mistura entre os dois.
Os pronomes de tratamento também são importantes para a identificação dessas pessoas. Cada uma tem sua preferência, podendo optar por feminino (ela/dela), masculino (ele/dele) ou neutro (elu/delu), e basta perguntar como a pessoa prefere ser tratada e como se sente mais confortável.
Bandeira NB
A bandeira do orgulho não-binário foi criada em 2014 por Kye Rowan, ativista da causa. Ela é composta por quatro faixas horizontais nas cores amarelo, branco, roxo e preto.
O amarelo representa pessoas cuja identidade de gênero não tem referência ao padrão binário, o branco, indivíduos com muitos gêneros, o roxo é para quem se identifica com gêneros que misturam os estereótipos de feminino e de masculino, e o preto é para quem se identifica como sem gênero.
Direitos das pessoas não-binárias
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já lançaram, em 2018, resoluções que garantem o direito à retificação de nome e de gênero nos documentos de pessoas transgênero de forma extrajudicial – diretamente no cartório do registro civil, sem a necessidade de apresentação de documentos ou laudos comprobatórios. No entanto, pessoas não-binárias ainda enfrentam dificuldades ao tentarem utilizar o serviço em algumas regiões do país, já que o processo costuma ser caro e não incluir outros gêneros além de feminino e masculino.
Em Minas Gerais, a Defensoria Pública do estado (DPMG) lançou, a pedido da comunidade civil, o primeiro mutirão para retificar nome e gênero gratuitamente a partir de junho, Mês do Orgulho LGBTQIAPN+. Campanhas do tipo já foram realizadas no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal.
A campanha, em Minas, vai até o dia 7 de dezembro, com inscrições até o dia 30 de novembro para pessoas maiores de 18 anos.
Para agendar o atendimento, é possível fazer contato pelo WhatsApp no número (31) 99288-0353 ou ir presencialmente à unidade da DPMG em Belo Horizonte (MG) de segunda a sexta-feira entre 13h e 17h.
Para ser atendido, é necessário apresentar certidão de nascimento, RG, CPF, título de eleitor e comprovante de endereço, além de passar por uma avaliação econômica e de vulnerabilidade. Todos os documentos serão distribuídos em ações judiciais perante a Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte.
Discussão moderna?
Por mais que as pautas sobre os direitos e a visibilidade da comunidade LGBTQIAPN+ sejam consideradas relativamente recentes, muitas comunidades tradicionais já tinham nome para designar pessoas que não se encaixavam nos padrões binários de gênero, por exemplo:
- Mahu, no Havaí, são pessoas pertencentes a um terceiro gênero nem masculino e nem feminino que figuram na sociedade nativa do estado norte-americano;
- Muxes, no México, são pessoas de um terceiro gênero das culturas zapotecas de Oaxaca, e que geralmente é uma pessoa de expressão de gênero feminina que não se identifica nem como homem e nem como mulher;
- Fa’Afafini, da cultura tradicional de Samoa, compõem um terceiro gênero que é reconhecido e integrado na sociedade, sendo pessoas que explicitamente incorporam traços de gênero masculino e feminino simultaneamente;
- Lhamana, ou Two Spirits, no Novo México, são pessoas transgênero que desempenham papéis de ambos os gêneros encontrados em comunidades indígenas norte-americanas;
- Hijras, na Índia, são pessoas reconhecidas oficialmente como pertencentes a um terceiro gênero, nem masculino e nem feminino, e que enfrentam muita rejeição social, apesar de estarem ligadas à religião e de serem vistas como capazes de abençoar ou amaldiçoar na cultura hindu;
- Bakla, nas Filipinas, é um terceiro gênero que geralmente adota uma expressão de gênero feminina e é social e economicamente integrado à cultura, incorporado antes da colonização e respeitado por desempenhar o papel de líderes espirituais;
- Travesti, no Brasil e em parte da América do Sul, é uma identidade tipicamente latinoamericana que, frequentemente, transcende o binarismo e transita entre os gêneros mesmo com expressão predominantemente feminina – constrói um outro corpo possível ao ampliar o espectro da feminilidade.
Recentemente, uma dupla de pesquisadores também descobriu que o conceito de pessoas não-binárias já existia na Europa pré-histórica. O estudo, publicado em maio no periódico Cambridge Archaeological Journal, afirma que cerca de 10% dos indivíduos que foram enterrados em cemitérios pré-históricos não se enquadravam na norma binária.
“O que esses números nos dizem é que, historicamente, não podemos mais definir pessoas não-binárias como exceções a uma regra, mas sim como minorias que poderiam ter sido formalmente reconhecidas, protegidas e até reverenciadas", afirma a pesquisadora Eleonore Pape, que lidera o estudo, em comunicado.
De onde surgiu a data comemorativa?
A primeira vez em que o Dia Internacional das Pessoas Não-Binárias foi citado em algum lugar foi em 2012, por Katje van Loon, que, em um blog, pedia a criação da data no dia 14 de julho por estar bem entre o Dia Internacional da Mulher (8 de março) e o Dia Internacional do Homem (19 de novembro).
De acordo com Katje, a publicação foi feita um ano após se identificar como uma pessoa não-binária, mas que o texto ficou esquecido até ver a mesma discussão ser feita por grandes instituições, como o Human Rights Campaign, Stonewall e o Parlamento Britânico.
Apesar de a data cogitada e os motivos para tal escolha terem sido os mesmos sugeridos por Katje em seu blog, nenhum lugar citava seu nome como fonte, apenas a Wikipedia Não-Binária.
SERVIÇO
1º Mutirão de Retificação de Nome e Gênero de Pessoas Não-Binárias
Datas: 5 de junho a 7 de dezembro
Inscrições presenciais: Unidade I da DPMG em BH
Endereço: Rua dos Guajajaras, 1707 - 6° andar, sala 602 - Barro Preto / Belo Horizonte
Inscrições online: Whatsapp (31) 9 9288-0353
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