“É uma honra muito grande fazer parte da primeira turma do Colégio Naval a admitir mulheres, porque era um sonho meu, mas também era o de muitas outras mulheres que tiveram que entrar através de outras portas”, diz Valentina Baptista e Reis, a primeira – e única, por enquanto – jovem mineira a entrar na carreira militar tão cedo.
Natural de Juiz de Fora (MG), a estudante de 15 anos também é a primeira da família a entrar para a carreira militar e faz parte de um movimento histórico da Marinha Brasileira: o começo da admissão de mulheres desde o princípio da atividade naval.
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Apesar de as mulheres estarem presentes em diversas áreas e patentes da Marinha Brasileira, o Colégio Naval – instituição militar de nível médio que prepara jovens civis visando o ingresso no Corpo de Aspirantes da Escola Naval, onde são formados oficiais – não admitia a entrada delas até a turma de 2022. Ainda assim, das 129 vagas que foram abertas para 2023, apenas 12 foram destinadas às mulheres.
“A concorrência foi muito grande, então poder representar todas as meninas que sonharam em entrar lá é muito bom”, afirma Valentina. Na época em que prestou o concurso em 2022, 4.445 meninas se inscreveram – uma média de 370 candidatas por vaga –, em comparação a 8.825 meninos para 117 vagas – cerca de 75 candidatos por vaga.
Quando passou, foi um choque para a família, já que ir para o Colégio Naval também significaria sair muito jovem de casa. “Meu pai se assustou um pouquinho quando saiu o resultado. Eu, com 15 anos, sair de casa e ir para outro estado, ficar a quatro horas e meia de casa, foi um impacto bem grande para nós”, comenta ela, que ainda disse ter revelado para poucas pessoas sua vontade de servir à Marinha.
“Eu não contei para quase ninguém que eu ia prestar o concurso para o Colégio Naval, porque quando prestei para o Colégio Militar, caiu uma expectativa muito grande sobre mim e isso foi muito ruim para o meu psicológico. As únicas pessoas que sabiam eram meu pai, minha mãe e minha irmã. Nem meu irmão, que era um pouco mais distante, sabia”, conta a jovem.
“Para as minhas amigas, eu avisei no dia anterior à minha viagem para Angra. Foi uma decisão minha avisar em cima da hora, porque sabia que seria um processo doloroso e, se eu falasse antes, elas ficariam mal. São sete anos de amizade e eu sabia que algumas não iriam apoiar a minha decisão, mas elas acabaram aceitando porque não tinha mais o que fazer, e elas sabiam que era o meu sonho”, completa.
Seleção
De acordo com os alunos, o concurso para o Colégio Naval é complicado e exige muito dos candidatos. “A gente sabe quantas pessoas estudam, dão tudo de si e ainda assim não conseguem entrar. Às vezes, é preciso abdicar de tempo com os amigos, com a família, se dedicar 100% porque aquilo é seu sonho”, conta Valentina.
“O princípio de tudo é querer com todo o coração. Quando você tem aquilo como objetivo, e pensa ‘eu não consigo viver sem isso’, é o início. Porque você ainda tem que estudar, não é garantia de que você vai entrar. Mas uma hora vai dar certo, cada um tem sua hora”, acrescenta ela.
O aluno Caio Damaso, de 16 anos, compara o processo com um tripé: “Para mim, é como se fosse um pilar com três pontas que se sustentam. O primeiro é o estudo; o segundo é o físico; e o terceiro é o psicológico”, explica.
“Não fiz o concurso apenas uma vez; minha primeira vez foi em 2021 e, infelizmente, reprovei em matemática, que era minha melhor matéria. Fiquei bem frustrado, mas não desisti, comecei a fazer cursinho online, estudar para caramba, virando a noite estudando, tendo disciplina. Foi muito difícil, mas hoje são muitas possibilidades”, afirma Nathan Soares, de 17 anos, da turma de 2023.
“A impressão que eu tenho aqui da Marinha é que ela é um mar de oportunidades. São muitas portas abertas, você tem a oportunidade de viver qualquer uma das áreas que você tenha interesse”, complementa o aluno do terceiro ano, Bernardo Seixas, de 19 anos.
Adaptação
No Colégio Naval, sediado em Angra dos Reis (RJ), além de receberem os conhecimentos do ensino médio, os alunos também fazem um treinamento militar-naval especializado. Com duração de três anos em caráter de internato, são admitidos jovens de todo o país, que seguem uma rotina militar diária para se prepararem para a Escola Naval.
Para os alunos, a rotina é puxada, mas tem suas vantagens. “As dificuldades têm forjado a gente. É atividade o dia inteiro: você termina o dia cansado e ainda precisa estudar, porque as matérias também são complicadas, mais do que no próprio ensino médio. A pessoa tem que estar preparada e ir com vontade de estar ali. Como temos aprendido com nossos veteranos, ‘mar calmo não forma bons marinheiros’”, conta Nathan.
Apesar do regime de internato, os alunos têm os finais de semana livres quando não estão de serviço. Para os jovens que não são do Rio de Janeiro, visitar a família é complicado, então formam, entre eles, uma relação de companheirismo que se assemelha à familiar.
“Uma coisa que esteve muito presente nesses seis meses em que estive no Colégio Naval foi a união, principalmente para nós, que somos de outros estados. Criamos uma família lá dentro e crescemos juntos”, conta Valentina.
“É uma experiência muito interessante, porque eles te colocam em um ambiente que você tem que ficar por, pelo menos, cinco dias na semana, com gente que você nunca viu na vida, e de todas as partes do Brasil. A gente começa a tratar essas pessoas como parte da família, porque querendo ou não a rotina é conjunta. Qualquer problema ou vitória, estamos batalhando, comemorando juntos”, acrescenta Thiago Mendes, jovem de 16 anos do primeiro ano.
Para Valentina, ter a companhia de outras pessoas de Minas Gerais é sentir um conforto a mais estando no Rio de Janeiro. “Das 12 meninas que entraram este ano, eu sou a única mineira, tem mais uma que é de Brasília, e o resto é tudo do Rio, então ficamos o tempo todo escutando aquele sotaque carioca. A companhia dos meninos é boa para poder escutar um pouquinho do sotaque mineiro, é muito bom. Vamos formando uma família mineira mesmo”, conta.
Diversidade
O Colégio Naval foi fundado em 1949, e a admissão tardia de mulheres às suas turmas é sentida lá dentro. Bernardo Seixas conta que a entrada da turma de Valentina foi um “ponto de inflexão” na instituição.
“Isso deveria ter acontecido há muito tempo, demorou bastante, mas pelo menos mostra que a Marinha está empenhada em mostrar que seus quadros são para todo mundo. Por mais que tenham entrado somente 12 mulheres inicialmente, ainda é um começo e, posteriormente, pensaremos em vagas iguais ”, afirma ele.
“Acho que a entrada das mulheres tornou algumas coisas diferentes para a Marinha, porque eles ainda não estão acostumados a lidar com isso, pelo menos no Colégio Naval. Outras escolas de formação militar já têm a entrada de mulheres normalmente, então acho importante a necessidade de se adaptar à realidade e poder aprender com isso”, acrescenta o jovem.
Valentina acredita que a porta que se abriu com a admissão de mulheres renderá bons frutos no futuro da Marinha, já que a formação poderá ser feita desde cedo, como sempre foi para os homens. “São muitos caminhos possíveis, a concorrência ainda é muito grande, mas faz parte de um sonho. É uma honra muito grande poder trilhar este caminho desde o início, que é o Colégio”, afirma ela.
Para Bernardo, a mudança mostra que a Marinha está cada vez mais comprometida com a diversidade em seu Corpo de Aspirantes.
“Fica um pouco mais nítido que, na Marinha, você encontra todo tipo de pessoa: mulheres, negros, homossexuais etc, e todos são tratados da mesma maneira. O que é avaliado é o seu comportamento durante as dificuldades; perante os desafios. O que importa é o seu trabalho”, completa.
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