Jornal Estado de Minas

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Cartazes anunciando venda de escrava causam surpresa nas ruas de Ouro Preto

Espalhados em pontos estratégicos do centro e no campus da UFOP, cartazes aludindo à venda de uma escrava surpreenderam os moradores de Ouro Preto. As peças contêm a foto de uma mulher negra e jovem com a palavra ‘escrava’ em destaque e logo abaixo a mensagem: “Vende-se uma preta, muito moça e com cria (filhos), sabendo lavar perfeitamente e bem desembaraçada para o serviço doméstico. É sadia. O motivo da venda é não querer mais servir aos seus antigos senhores”. Os lambes, colados nos postes desde a semana passada, causaram diversas interpretações. 




 
A série de lambes titulada de Madresmortas, promovido pelo Núcleo de Investigações FEminIstAS (Ninfeias), da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com o objetivo provocar desconforto e incitar discussões sobre temas como racismo, opressão e identidade. Uma moradora da cidade, que não quis se identificar, disse não ter entendido a mensagem contida nos cartazes. “Vi a mensagem em um ponto de ônibus e me chamou atenção, mas não sabia a autoria e nem a motivação”, afirmou ela.

 
O alerta sobre a dificuldade de interpretar a ação foi dada em uma publicação na página do coletivo Ninfeias pela estudante de artes cênicas da UFOP Thay Lobo, que acredita que muitas pessoas, sem saber do objetivo das colagens, poderiam interpretar os dizeres de forma literal.
 
“Acho muito perigoso colar assim na rua. As pessoas veem isso e podem entender o lado literal e se sentirem mal. As pessoas, enquanto negras, podem sentir desconforto enquanto as pessoas brancas nem dariam importância à mensagem”, comentou a estudante.




 
Em resposta, a artista por trás das imagens, Marcinha Baobá, diz que o trabalho já esteve exposto em uma galeria da cidade histórica e que era necessário que as mensagens ocupassem novos espaços. “É a vez da rua, espero que gere questionamentos”, pontuou a artista.   
 

Posicionamento

 
Nesta quinta-feira (3/8), o Ninfeias publicou uma carta aberta ao público nas redes sociais. Na publicação, a artista Marcinha Baobá se apresenta e fala da importância em esclarecer a ação promovida.

“Fico feliz como artista por esse reconhecimento, entretanto, me sinto desrespeitada quando o meu trabalho se torna um espaço para disseminação de discursos sensacionalistas”, declarou a artista.

A doutora em artes cênicas conta que a ação Madresmortas começou como série de fotos performances apresentada em galerias, mas saiu da caixa branca e ganhou a rua, com a intenção de discutir um passado violento que ainda assombra. 

“De forma alguma estou vendendo pessoas escravizadas. Muito pelo contrário, estou rememorando um passado que me cabe como mulher negra. Passado que o Brasil revive silenciosamente em cada cozinha de pessoas brancas da elite de cada estado do nosso país, em cada empresa de produção de soja, tabaco, cana, laranja, carvão, em cada supermercado e obra, em cada festival de música com mão de obra precarizada. Já se perguntaram o que é trabalho análogo à escravidão? Para mim, cada acontecimento atual, em que corpos pretos são explorados de maneira desumana, é lugar de grandes incômodos e até inventamos termos novos para práticas sociais antigas, que tem raízes coloniais”, acrescentou. 




 

Semana Afrofeminista

 
A intervenção artística feita pelo Núcleo de Investigações FEminIstAS (Ninfeias) da UFOP faz parte da Mostra Visualidades na VII semana AFROfeminista, que teve em uma de suas estratégias chamar a atenção dos transeuntes ao retratar cenas que eram comuns antes da abolição escravidão e levantar questionamentos para o atual Brasil.
 
A semana aconteceu durante os dias 24 e 27 de julho, que homenageou Efigênia Carabina, figura importante na cidade histórica na luta contra o racismo.
 
De acordo com o coletivo, as fotocolagens Madremortas pelos muros de Ouro Preto dizem respeito a uma história abafada, sufocada e indigesta da condição das mulheres negras no Brasil do passado e do presente.
 

Sobre a artista

 
A autora e artista dos cartazes, Marcinha Baobá, é mestra em Artes Cênicas pela UFOP e doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ela desenvolveu sua pesquisa sobre performance e decolonialidade, e o seu campo de atuação abarca os estudos da performance na América Latina com perspectiva estético-política. Baobá dedica a estudar e pesquisar sobre feminismo descolonial e feminismo comunitário.