O Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-MG), órgão do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), anunciou nesta quinta-feira (31/8) um conjunto de estratégias para o enfrentamento do racismo estrutural nas relações de consumo em Minas Gerais. De acordo com o Procurador-Geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, este é o primeiro passo para mostrar à população que Minas Gerais não tolera o racismo.
A iniciativa foi formalizada por meio de um Protocolo de Intenções assinado por diversas personalidades e representantes de instituições públicas e privadas do estado de Minas Gerais.
Ministério Público acertou em sentar com o movimento negro e com os empresários”.
O diretor de Relações Internacionais da Unegro (União de Negras e Negros pela Liberdade), Alexandre Braga, expressou grande satisfação pelo movimento e afirmou que “o “Essa é uma reunião histórica. É a primeira vez na história de Minas Gerais em que a gente sentou com um empresário, com um patrão, um dono de negócio, para poder dialogar sobre racismo no comércio. Mais do que punir, antes queremos sentar, conversar e educar. Vamos fazer uma campanha educativa e de solidariedade”, declarou Braga.
A assinatura do protocolo, que é uma novidade em todo o Brasil, também foi elogiada pelo secretário nacional da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), Wadih Damous. “Espero que os Procons de todo o Brasil imitem o que está sendo feito no MPMG”, declarou ele durante o evento.
Cartilha para comércios
Dentre as ações para o combate ao racismo no comércio, está a produção de uma cartilha que será direcionada a todos os comércios de Minas Gerais. De acordo com o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marcelo de Souza e Silva, o documento será construído em conjunto com o MPMG e com a Unegro.
“Nós temos que entender que o consumidor precisa estar orientado; quem trabalha no comércio de serviços precisa estar orientado; o proprietário desse estabelecimento precisa estar orientado; todos nós e as entidades também precisam fazer a sua parte. O valor principal é que a gente tem que tratar todos iguais para que acabemos com a discriminação”, explicou.
Ainda sem previsão de lançamento, a cartilha pretende ser um material educativo e de orientação em casos mais complexos envolvendo atendimento e abordagens diferenciadas. “É importante começar o combate ao racismo pelo comércio porque é onde as pessoas vão; são os lugares que as pessoas frequentam, são ambientes de convivência das pessoas. Então, precisamos fazer isso porque essas pessoas serão multiplicadoras para outras quando receberem essas orientações que estarão estabelecidas na cartilha”, complementou Silva.
Articulação multilateral
Estiveram presentes e assinaram o protocolo o Procurador-Geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior; o coordenador do Procon-MG, Glauber Sérgio Tatagiba do Carmo; o coordenador de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação do MPMG (Ccrad), Allender Barreto Lima e Silva; o Secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous, além de representantes de entidades de diversos setores da economia, como Associação de Bancos do Estado de Minas Gerais (Abemg), Associação Brasileira de Bares de Restaurantes – Abrasel Seccional BH, Sindicato e Associação Mineira da Indústria de Panificação (Amipão), Associação Mineira de Supermercados (Amis), Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL – BH), Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Minas Gerais (FCDL MG), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio), Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Minas Gerais (Sebrae-MG), Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio em Minas Gerias (Senac – MG), Serviço Social do Comércio em Minas Gerais (Sesc - MG).
O Protocolo de Intenções utiliza como material de apoio a Nota Técnica Nº14/2023 da Senacon, documento baseado nos seguintes princípios: Igualdade e não-discriminação; proteção dos direitos dos consumidores negros; educação e conscientização; comunicação publicitária não-racista; participação da pessoa negra consumidora na tomada de decisão; e promoção de ações afirmativas.
Para o Procurador-Geral de Justiça do MPMG, a articulação multilateral firmada a partir do Protocolo de Intenções passa o recado de que não há mais tolerância com o racismo no estado.
“Fica claro que Minas Gerais não tolera racismo quando as instituições do setor público e privado se unem para combatê-lo. Aqui, damos uma clara demonstração para a sociedade que o racismo é intolerável; que nós somos antirracistas; que nós temos que construir uma nova cultura e uma nova realidade. O Brasil precisa dessa mudança e as pessoas não podem sofrer preconceito por conta de cor, religião, credo ou etnia. Nós precisamos de uma ação e temos instrumentos para combater isso”, declarou Jarbas Soares Júnior.
Dados de racismo em MG
Comparando o mesmo período de 2022, o crime de racismo teve 183.33% de crescimento em Minas Gerais, enquanto a injúria racial registrou 24.48% mais ocorrências este ano.
De acordo com a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), entre janeiro e junho de 2023, foram registradas 187 ocorrências de racismo. No mesmo período do ano passado, houve apenas 66 casos. Em todo o ano de 2022, foram 189 boletins – dois a menos que os registrados no primeiro semestre deste ano.
Em relação às denúncias de injúria racial, no primeiro semestre de 2023, foram 300 casos, enquanto 2022 registrou 241 ocorrências no mesmo período. No total do ano passado, foram 486 boletins envolvendo o crime.
Para Daniely Fleury, doutoranda em sociologia pela UFMG e pesquisadora do Crisp (Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública), o salto do número de denúncias não significa, necessariamente, que houve um aumento de casos, mas que os dados podem ser reflexo do reconhecimento do crime pelas vítimas.
“Sem dúvidas, é lamentável que a sociedade brasileira, em pleno século XXI, tenha que lidar com casos de racismo, mas é extremamente relevante essa crescente demanda pelo acesso ao direito à não discriminação. Esses dados refletem [o fato de] que a sociedade está começando a reconhecer que determinadas condutas, que antes eram vistas como brincadeira e com certa tolerância, na verdade se tratam de problemas raciais e de casos de racismo”, explica ela.
De acordo com a pesquisadora, os dados fornecidos pela Sejusp revelam que o aumento da notificação de casos de racismo e de injúria racial pode estar associado à promulgação da lei sancionada em janeiro deste ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – que, segundo Fleury, pretende passar uma mensagem para a população: “quando se equipara injúria racial ao racismo, o estado não tolera mais a discriminação racial”.
A Lei 14.532/2023, que tipifica a injúria racial como crime de racismo aumenta a pena de um a três anos para de dois a cinco anos de reclusão, e o que os diferencia, agora, é apenas a quem o ataque é direcionado: enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo.
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