Em quase metade (46%) das discussões sobre mulheres em fóruns anônimos de internet, os participantes usam termos violentos para se referir a elas. Em discussões sobre pornografia, o índice sobe para 69%. Os dados fazem parte da pesquisa Misoginia e Violência contra Mulheres na Internet: Um Levantamento sobre Fóruns Anônimos, feita pela consultoria de dados digitais Timelens, por encomenda do Instituto Avon.
Investigações
Daniela destacou a necessidade de investigações científicas para entender o funcionamento desses fóruns anônimos e como eles têm potencial de levar a violência que, nesses chans, fica em um grupo restrito, para um mundo concreto, real. “A gente vê em casos recentes no Brasil, em alguns ataques em escolas, como a de Suzano (em São Paulo), que esses jovens eram frequentadores de chans, que acabam por se tornar verdadeiras oficinas de radicalização e que começam a banalizar a violência e desumanizar as mulheres”. Segundo Daniela, não é mera coincidência que muitos desses atiradores tenham tido como alvo meninas, “que eles consideravam que não eram virgens, por exemplo”.
Há uma transformação cultural que precede o ato violento em si e que passa pela desumanização da mulher, sustentou. Algumas letras de funk falam em bater, estuprar. “E isso vai se banalizando”. Acaba gerando uma cultura em que, ou as meninas aderem, ou acabam sendo excluídas.
O objetivo da pesquisa foi mapear discursos misóginos e práticas de violência contra mulheres dentro dos chans. O sentimento de ódio à mulher vem sendo nutrido e multiplicado nesses fóruns anônimos, nos quais não há responsabilização, nem personalização. “É como se fosse um local que gera e nutre conteúdos ilícitos, que vai radicalizando os jovens que, depois, criam as circunstâncias para que essas coisas migrem para o mundo real de forma muito violenta.”
Leis
Daniela sugeriu que, para coibir esse tipo de violência contra o sexo feminino, o Brasil deve olhar o que outros países estão fazendo e ver que medidas podem ser adaptadas aqui. “Porque isso não é uma questão só do Brasil”. Na França, por exemplo, foram implementadas leis e regulamentos para coibir esse tipo de dinâmica. Para Daniela, as plataformas acabam sendo arenas de propagação desses conteúdos e precisam ser responsabilizadas também, para que reduzam esse tipo de conteúdo misógino que banalize a mulher.
Misoginia é o ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres ou meninas. A misoginia pode se manifestar de várias maneiras, incluindo exclusão social, discriminação sexual, hostilidade, patriarcado, ideias de privilégio masculino, depreciação das mulheres, violência contra as mulheres e objetificação sexual. Nesses fóruns, as mulheres são retratadas como objetos para satisfação sexual e denominadas como “depósito” (de esperma).
Pornografia
A diretora executiva do Instituto Avon destacou que a indústria da pornografia não é anônima. “Ela atua meio na penumbra, mas existem grupos trilionários, que produzem mais conteúdo e têm mais acessos do que o YouTube, do que o Facebook. É uma indústria de bilhões de dólares e de reais que destrói ao mesmo tempo as meninas e promove a cultura de desumanizar a mulher, enquanto prega a violência.“ E essa indústria vai produzindo cada vez mais conteúdos radicais, violentos e não consentidos, para se manter lucrativa, nova, e para continuar alimentando esse ciclo de vícios que tem consequências muito danosas para as mulheres em todo o mundo, acrescentou.
Os fóruns anônimos têm um grau de sofisticação extrema, de tal modo que, quando se elimina um, aparecem outros. Segundo Daniela, o importante é que as forças de investigação de polícia científica entendam a dinâmica do funcionamento desses chans e comecem a identificar ali oportunidades de intervenção direcionada e sistêmica. Em paralelo, Daniela sugeriu que seja feito um trabalho de responsabilização calcada em ciência de dados, inclusive, com sofisticação tecnológica. “Ao mesmo tempo, é preciso que haja um esforço educativo dos jovens para dissipar os efeitos danosos dessas práticas no mundo concreto, buscando, realmente, um trabalho da reconscientização moral.”
Frequentadores
Embora sejam anônimos, a pesquisa conseguiu mapear algumas características dos frequentadores dos chans analisados. Em sua maioria, são homens heterossexuais, na faixa etária de 14 a 40 anos, com maior incidência de jovens com idade entre 20 e 24 anos. Os frequentadores se identificam como conservadores politicamente, manifestam grandes dificuldades socioafetivas, sentimentos de fracasso e rejeição, em especial em relação às mulheres, e fazem uso de expressões racistas e machistas. Em seu vocabulário, evidenciam posicionamentos misóginos e de incitação à violência. Termos como churrascar, que significa morrer, e raid, que significa expor intimidades, são usados com frequência.
A pesquisa mostra que, apesar da imposição da regra de não compartilhar conteúdos sobre pornografia infantil dentro dos chans, existe uma alta demanda pelos usuários por conteúdos de meninas menores de idade, chamadas de novinhas e jail bait (isca de cadeia, em tradução livre). Nos grupos de aplicativos de mensagens monitorados pela pesquisa, 36% traziam como temática “vazamento” no próprio título, muitas vezes seguido pelo termo “novinhas”.
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