Jornal Estado de Minas

DIA DO IDOSO

Estatuto da Pessoa Idosa completa 20 anos, mas abandono ainda é realidade

No domingo (1/10), comemora-se o Dia Internacional das Pessoas Idosas e o Dia Nacional do Idoso – este, marcado pelos 20 anos de vigência do Estatuto da Pessoa Idosa. Ao longo dessas duas décadas, o estatuto tem assegurado acesso a serviços e à qualidade de vida para essa parcela da população, e representa um marco na defesa dos direitos da pessoa idosa no Brasil, mas ainda há uma série de desafios a serem enfrentados para que haja a garantia plena dos direitos desses indivíduos.





Desde 2003, a lei Nº 10.741, responsável por instituir o estatuto, tem desempenhado um papel essencial na proteção dos idosos e na conscientização da sociedade sobre a importância do respeito e da valorização desse grupo social que cresce com rapidez no país. De acordo com dados do Censo de 2021 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de pessoas de 60 anos ou mais passou de 11,3% para 14,7% na última década. Isso representa cerca de 31,2 milhões de pessoas a mais na faixa etária.

Segundo Claudio Motta, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Idoso da OAB-MG, o Estatuto da Pessoa Idosa foi capaz de promover quatro eixos na sociedade desde a sua criação: a redução da violência contra o grupo; o aumento da cobertura da assistência social; a melhoria da qualidade de vida de pessoas idosas em Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI); e o aumento da participação na sociedade.

“A criação do estatuto, em seu primeiro momento, definiu o lugar prioritário do idoso na sociedade por meio de uma legislação que estabelece uma série de direitos para a defesa desse grupo de cidadãos. Destaco a criação de leis básicas de organização, como as filas e estacionamentos prioritários, bem como órgãos e programas para a promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa. Entre eles, estão o Conselho Nacional do Idoso, o Fundo Nacional do Idoso e o Sistema Nacional de Atendimento aos Idosos. Assim, a lei evidencia a necessidade do idoso frente a outros grupos. E, em um segundo momento, avança sobre temas mais complexos, como a assistência social e acolhimento e passa a desdobrar-se e a causar mais impacto e conscientização”, explica Motta.





No entanto, o advogado destaca que ainda existem desafios a serem superados para garantir a plena implementação do Estatuto da Pessoa Idosa. Entre eles, estão:
  • Violência contra idosos: A proteção contra abusos físicos, psicológicos e financeiros a idosos continua sendo uma preocupação, e muitos casos não são denunciados.
  • Acesso à saúde: Garantir atendimento médico adequado e acesso a medicamentos para a população idosa é um desafio, especialmente em áreas remotas.
  • Previdência social: O sistema previdenciário precisa se adaptar ao envelhecimento da população, garantindo a sustentabilidade dos benefícios para os idosos.
  • Moradia digna: Muitos idosos enfrentam dificuldades relacionadas à moradia, seja pela falta de acessibilidade ou pela vulnerabilidade a despejos.
  • Capacitação profissional: Promover a inclusão e a recolocação de idosos no mercado de trabalho é fundamental para garantir sua independência financeira.
  • Isolamento social: Muitos idosos sofrem com o isolamento social, o que pode levar a problemas de saúde mental. A promoção de atividades e redes de apoio é essencial.
  • Educação e conscientização: É preciso conscientizar a sociedade sobre os direitos dos idosos e combater o preconceito etário.
Para Motta, essas barreiras exigem esforços contínuos do governo e da sociedade para garantir o bem-estar dessa população, e sugere uma coalizão social.

“Precisamos disponibilizar atendimento especialmente para aqueles que não têm familiares, estrutura ou dinheiro. Por isso, governo, empresas, Terceiro Setor e sociedade organizada devem trabalhar juntos para garantir o pleno exercício dos direitos da pessoa idosa no Brasil. O acolhimento é prioridade, visto que milhares de pessoas ainda dependem das Instituição de Longa Permanência para Idosos”, afirma.

Ivanilde Estrela, coordenadora do Lar dos Idosos São José, uma ILPI, reforça o que Motta diz. A instituição, mantida por parcerias e custeio municipal, acolhe mais de 100 idosos, dos quais 30% não têm família; outros 40% foram abandonados por parentes depois de acolhidos, e pelo menos 20% chegaram ao Lar dos Idosos em situação de extrema vulnerabilidade porque os familiares se apropriaram de seus bens. Apenas cerca de 10% recebem visitas de amigos ou familiares.





Para Ivanilde, é triste ver como o abandono afeta os idosos. JMRN, de 83 anos, residente do Lar dos Idosos São José, conta que não tem mais parentes, mas possui amigos dentro e fora da instituição, o que alivia a dor da ausência de familiares.

“Em alguns momentos eu me sinto abandonado, porque meus pais faleceram e a minha única irmã também. Se não fosse essa casa aqui, por exemplo, eu seria um morador de rua, porque um salário mínimo não garante dignidade para nós. A convivência com os outros idosos é que me dá um certo sentido de vida, já que são a minha família. Tenho amigos fora daqui, mas na maioria das vezes, sou eu quem tenho que procurá-los. Por esses motivos, passo boa parte do tempo praticando a leitura de livros”, relata ele.

Ainda assim, o afeto familiar existe. CBP, de 68 anos, conta que os momentos com sua irmã são de alegria, e que conversa com sua família quase todos os dias.

“Eu fico feliz quando minha irmã vem me buscar. Geralmente, fico o final de semana todo na casa dela, consigo almoçar no domingo com os outros parentes e ela sempre me leva para passeios no parque municipal. Minha família é presente, conversamos quase todos os dias por chamada de vídeo”, explica.





A coordenadora do Lar dos Idosos São José conta que apesar das dificuldades – inclusive a financeira, já que a instituição tem um gasto aproximado de 320 mil/mês e tem déficit mensal de 15% – o afeto e a garantia de direitos transformam dificuldades em oportunidades.

“A lei ensinou a toda a sociedade que o idoso tem prioridade e respeito. E reforçou a proteção dos direitos civis deles, garantindo-lhes igualdade. Passamos dificuldades e precisamos avançar. Mas, com qualificação, afeto e recursos, podemos sempre oferecer coisas melhores para nossos idosos, como cuidados de longa duração, terapia ocupacional, fisioterapia, tratamentos como foco na saúde mental, cultura e lazer. É isso que fazemos aqui. Por isso, temos alegria e saúde”, relata Ivanilde.

 “Precisamos lembrar que não seremos jovens e ativos para sempre. Vejo falta de respeito e desinteresse e isolamento por parte daqueles com menos idade. Devemos estar todos juntos porque somos uma sociedade. Para o idoso, estar isolado aumenta transtornos depressivos, ansiedade e outras doenças. E, especialmente, quando um está de fora, há algo errado em todos nós”, completa ela.





Sistema Divina Providência

O Sistema Divina Providência é uma instituição da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, OSCIP, de caráter filantrópico e sem fins lucrativos. Criada há 50 anos, atualmente é composta por 19 obras, 5 programas, 17 projetos e serviços sociais que atendem crianças, jovens e idosos em situação de vulnerabilidade social em Minas Gerais.

A missão é promover o resgate da dignidade humana. Para isso, nossa frente de trabalho é a promoção da inclusão social por meio do acolhimento, da educação e da capacitação profissional. Em suas unidades, atende cerca 165 mil pessoas anualmente oferecendo educação em tempo integral, moradia, alimentação, saúde, cultura, esporte, lazer, formação profissional, moral e religiosa.
 

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