Na última semana de setembro, vereadores da direita de Sete Lagoas, na Região Central, publicaram vídeos em suas redes sociais questionando a aplicação de uma pesquisa promovida pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) da cidade em escolas estaduais e municipais. De acordo com os parlamentares, o questionário estaria promovendo a chamada “ideologia de gênero” para crianças e adolescentes, o que estaria causando “transtorno e confusão” entre os alunos.
Vereadores como Ivson (Cidadania), Carol Canabrava (Avante) e Heloísa Frois (Cidadania) foram às redes sociais para denunciar a suposta promoção da “ideologia de gênero” nas escolas.
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“Me causa tristeza saber que algo como um questionário desse está acontecendo dentro das salas de aula sem o conhecimento do Conselho Tutelar e da secretária de Educação. Meu apoio a todas essas crianças que passaram por uma situação tão constrangedora como essa”, declarou Carol Canabrava.
“Todo o processo já começou errado. Houve uma infração à Constituição Federal e ao Estatuto da da Criança e do Adolescente, que aplicou questionário a crianças a partir de 10 anos, sendo que elas são consideradas incapazes pelas nossas leis e precisam da presença do pai ou do responsável para serem apresentadas a um questionário dessa natureza”, afirmou Heloísa Frois.
Em nota, a Painel Pesquisas, instituto responsável pela pesquisa, afirmou que o questionário foi encomendado para que o CMDCA pudesse “colher informações de um segmento específico para embasar a formulação de políticas públicas voltadas à garantia de seus direitos e com o intuito de oferecer dados para as secretarias de educação, saúde, assistência social e outros órgãos, assegurando a proteção integral desses jovens”.
Perguntas referentes a trabalho infantil, renda familiar, uso de álcool e drogas, violência no âmbiente escolar, saúde mental e religião também estiveram presentes na pesquisa. De acordo com a assessoria da Prefeitura de Sete Lagoas, o questionário foi aplicado nas seguintes unidades: E.M. Aurete Pontes Fonseca; E.M. Francisca Ferreira de Avelar; E.M. Regina Vitalino Botelho; E.M. Renato Teixeira Guimarães; E.M. Marilza Fleury Costa Figueiredo; e E.M. Prof. Edson Abreu.
Em nota, a Prefeitura afirmou que está acompanhando a apuração dos fatos relacionados à pesquisa juntamente com as secretarias municipais de Educação e de Assistência Social, assim como com o CMDCA.
Confira as notas da Prefeitura de Sete Lagoas; do CMDCA; e da Painel Pesquisas na íntegra:
Prefeitura de Sete Lagoas
“A Prefeitura de Sete Lagoas informa que, em conjunto com as secretarias municipais de Educação e de Assistência Social, acompanha a apuração dos fatos junto ao Conselho Municipal de Defesa da Infância e da Adolescência (CMDCA) - solicitante da referida pesquisa junto aos estudantes, por meio de recursos do Fundo da Infância e da Adolescência (FIA) - para apuração de possíveis responsabilidades.”
CMDCA
“Em cordial visita, venho comunicar que, ao tomar conhecimento do vídeo divulgado nas redes sociais, tratando do tema ‘ideologia de gênero’, a partir de duas questões inseridas em pesquisa feita com crianças e adolescentes de escolas no município, dentre inúmeras outras, com críticas à Prefeitura de Sete Lagoas, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCASL), por sua Mesa Diretora, se reuniu, no início da manhã, com os representantes da empresa Painel Pesquisas, Consultoria e Publicidade Ltda., vencedora do processo licitatório para a realização do Diagnóstico Social sobre a situação das crianças e adolescentes no município de Sete Lagoas, ocasião em que o fato e as suas repercussões foram discutidos entre os participantes.
Na reunião foram expostas as etapas do trabalho desenvolvido pela empresa contratada, visando a conclusão do Diagnóstico, com a participação dos atores interessados, nela estando incluídas a ‘organização e validação da pesquisa qualitativa com crianças e adolescentes, por meio de abordagem direta, entrevistas individuais que acontecerão nas redes de ensino municipal e estadual do município”, a elaboração e validação do “plano amostral da pesquisa’ e a fase da organização da agenda, com envio de ‘ofícios para as secretarias de educação explicando sobre a pesquisa e pedindo autorização para a sua realização’ (Cf. 2º Relatório de Acompanhamento Anexo).
De se esclarecer, ainda, que o processo de elaboração do Diagnóstico Social da Política da Criança e do Adolescente é uma demanda do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA/SL), a partir da qual houve um processo licitatório, vencido pela empresa Painel Pesquisas Consultoria e Publicidade Ltda., no valor de R$ 208.780,00 (duzentos e oito mil e setecentos e oitenta reais), a ser custeado pelo Fundo da Infância e da Adolescência (FIA).
Nesse sentido, sabedor do trabalho técnico desenvolvido pela Painel Pesquisas, para elaboração do diagnóstico acima referido, o que envolve diversos indicadores sociais - dentre eles, pesquisa feita entre alunos – esta Presidência solicitou da empresa uma avaliação metodológica sobre o tema ‘identidade de gênero’ (2.5), dentro do contexto do questionário desenvolvido com os alunos, em razão do que foi encaminhada, ao CMDCA/SL, a seguinte ‘Fundamentação Técnico-metodológica em Pesquisas Abordando Crianças e Adolescentes’:
Painel Pesquisas
‘O principal propósito do questionário é colher informações de um segmento específico da população, neste caso, crianças e adolescentes, para embasar a formulação de políticas públicas voltadas à garantia de seus direitos. Este instrumento visa reunir informações de dezenas fontes de dados, entre elas uma pesquisa de abordagem direta, com o intuito de oferecer dados para as secretarias de educação, saúde, assistência social e outros órgãos, assegurando a proteção integral desses jovens.
De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 em seu artigo 4º, crianças e adolescentes detêm ‘absoluta prioridade’ no que se refere a direitos. Esse princípio é reforçado por outros dispositivos legais que destacam a precedência de atendimento em serviços públicos e a destinação de recursos voltados para essa faixa etária.
O direito de expressão concedido às crianças e adolescentes durante a pesquisa vai além da simples liberdade de fala. Asseguramos que cada jovem tenha o direito de escolher se deseja responder a determinada pergunta e, caso decida por responder, que o faça da maneira que julgar melhor. Esta prerrogativa se alinha com a dignidade da pessoa humana,
conforme preconizado pelo ECA.
É crucial frisar que o jovem é totalmente livre para responder ao questionário da maneira que achar mais adequada. O papel dos pesquisadores em campo é apenas auxiliar na compreensão das questões. Em nenhum momento as respostas são induzidas, já que tal atitude comprometeria a integridade estatística dos dados colhidos.
A Painel Pesquisas acredita que os dados são ferramentas, e não conclusões em si. Como instituição, não adotamos uma postura ideológica baseada nos resultados que obtemos, focando-nos apenas em coletar informações de maneira imparcial. Nosso principal objetivo é produzir dados que sejam úteis para análises futuras. Assim, é importante entender que cada pergunta de nosso questionário poderá compor um contexto maior. Os dados obtidos podem tanto reforçar quanto contrapor certas ideias, dependendo de como são analisados e contextualizados. O projeto elaborado pela Painel Pesquisas deve ser visto no âmbito global da iniciativa - que engloba diversas fontes de informação que, juntas, possibilitam uma análise holística, sempre com o intuito de contribuir para a elaboração de políticas públicas eficientes.
1.3 Sobre a existência de determinadas perguntas no questionário:
A remoção de determinadas questões implica na incapacidade de utilizar os respectivos dados como fonte para futuras análises, independentemente da vertente ideológica que possa ser explorada com base nesses resultados.’”
A reportagem entrou em contato com os vereadores citados, mas ainda não obteve retorno. O espaço continua aberto para notas ou posicionamentos.
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