Por Isadora Godoy (Especial para o Correio ) — Santa Catarina iniciou o mês de outubro com fortes chuvas que provocaram estragos em diferentes cidades, como inundações e deslizamentos de terra. Para além disso, contudo, os temporais resultaram em um conflito de terra entre povos indígenas e o governo estadual. No último dia 8, autoridades do governo de Jorginho Mello (PL) fecharam as comportas da Barragem Norte, localizada na Terra Indígena Laklãno-Xokleng , na cidade de José Boiteux, região do Vale do Itajaí.
Em meio ao temporal e ao fechamento das comportas, o reservatório transbordou, o que provocou o alagamento do território indígena. Por meio das redes sociais, Jorginho Mello comunicou, no dia 7, sobre a ação, para "evitar uma tragédia ainda maior", segundo ele, visando a prevenção de enchentes para os municípios que são cortados pelo Rio Itajaí-Açu, como a cidade de Blumenau.
Pouco após o anúncio do governador, a Justiça Federal, a partir da decisão do juiz de plantão Vitor Hugo Anderle, autorizou o fechamento da barragem, contanto que o Estado adotasse medidas que garantissem a proteção e a providência para eliminar riscos para todos os envolvidos, como a disposição de equipe de atendimento de saúde em postos 24h e água potável para a aldeia indígena.
Uma indígena da comunidade, que pediu para não ser identificada, falou ao Correio , porém, que não houve comunicação com o povo Xokleng, além de ter ocorrido o descumprimento, por parte do governo estadual, dos acordos que já haviam sido estabelecidos com o cacique local.
"Já estava acordado que a Comunidade Xokleng não iria se opor às decisões tomadas para abrir ou para fechar as comportas, mas as decisões deveriam ser comunicadas. O fechamento foi realizado de maneira arbitrária, sem ter o nosso consentimento."
Crise humanitária e sanitária
A indígena afirmou, ainda, que, em 8 de outubro, no dia em que a Barragem Norte foi fechada, a Polícia Militar do estado entrou na TI para intimidar a comunidade, além de ter tido uma abordagem truculenta e violenta. Segundo ela, a polícia fez uso de spray de pimenta, gás lacrimogêneo, bala de borracha, e até disparo de arma de fogo, que atingiu o ombro de um indígena, onde ainda encontra-se o projétil, denunciou.
Além disso, contou, o governo de Santa Catarina tampouco cumpriu com a decisão da Justiça Federal, ao não prover a assistência necessária frente às fortes chuvas e ao alagamento das aldeias. "Estamos vivendo uma crise humanitária e sanitária. Não temos água potável, nem qualquer assistência médica, ou meios para o acesso aos médicos. Fomos abandonados pelo Estado, temos famílias desabrigadas e ilhadas."
"Alguns indígenas deixaram suas terras, com receio de suas casas ficarem submersas, indo para regiões da comunidade que estão em uma área de menor risco, não apenas para a proteção, mas como resistência contra o governo", acrescentou a fonte.
Entre os dias 13 e 14 de outubro, pela primeira vez na história da Barragem Norte, o reservatório atingiu a sua capacidade e começou a verter, que é o acontece quando a água passa por cima da estrutura chamada de vertedouro.
Em razão disso, no dia 15, um domingo, foi iniciada a abertura das comportas do reservatório, mas apenas uma delas conseguiu ser aberta em sua totalidade, enquanto a segunda apresentou uma dificuldade técnica, postergando a operação.
Nesse mesmo dia, ainda pela manhã, a comunidade de Xokleng foi surpreendida mais uma vez pela presença da Polícia militar nas terras indígenas, com o envio de viaturas e um helicóptero. Segundo a indígena, foi mais uma tentativa de intimidação e controle.
Perguntada sobre o Ministério dos Povos Indígenas, ela comentou que estão "prestando assistência, com a doação de alimentos e medicamentos, além de estarem dialogando para que acordos sejam estabelecidos e cumpridos". Entramos em contato com a pasta, e foram enviados apenas documentos e notícias sobre os reforços enviados para Santa Catarina para a ajuda humanitária emergencial às vítimas das inundações.
Foram realizadas, também, diversas tentativas de contato tanto com o governo de Santa Catarina quanto com a Defesa Civil, mas, até a publicação desta nota, o Correio não obteve resposta em relação às medidas adotadas pelo estado para o cuidado e proteção dos povos indígenas, acometidos pelos alagamentos frente ao fechamento da Barragem Norte.