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Estado de Minas CONVERSA COM ESPECIALISTA

Violência patrimonial: o que é e como se manifesta?

Da restrição de bens a outras formas de agressão, a psicóloga Najma Alencar fala sobre um dos tipos de violência menos conhecidos, mas ainda muito comum


26/10/2023 15:36 - atualizado 26/10/2023 15:51
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Najma é uma mulher de pele clara, cabelos castanho escuro e olhos castanhos. Ela usa um batom vermelho nos lábios e veste um terninho marrom e blusa cinza
A psicóloga e mentora de mulheres, Najma Alencar, explica o que é a violência patrimonial e como ela se manifesta (foto: Divulgação)

“A violência patrimonial é mais uma forma de abuso, mais uma forma de disputa de poder. Identificar isso é muito importante, porque provavelmente você também vai se deparar com uma relação tóxica”, resume a psicóloga e mentora de mulheres Najma Alencar.

Ela conta que a violência patrimonial, muitas vezes disfarçada de cuidado e proteção, é um dos tipos de violência – majoritariamente cometido contra as mulheres – mais desconhecidos e menos denunciados, ainda que bastante comum.

No primeiro semestre de 2022, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) recebeu cerca de 22 mil denúncias de violência patrimonial, enquanto a violência física teve 7,4 milhões de denúncias no mesmo período, de acordo com pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O termo veio à tona nos últimos meses devido ao caso da atriz Larissa Manoela, que revelou ao Fantástico, da Globo, ter sido vítima de violência patrimonial pelos seus próprios pais, que administravam sua renda e seus bens sem informá-la sobre o que estava sendo feito.

“Qualquer conduta que configure como retenção de bens, destruição de bens, de qualquer coisa que seja de valor econômico, ou algum tipo de recurso e direitos, o abusador vai fazer algum tipo de subtração, ou seja, vai tentar pegar, reter, para manter as manipulações”, explica a psicóloga.

Ainda que o caso da atriz evidencie a necessidade de se falar mais sobre a violência patrimonial cometida por familiares, Najma afirma que a maioria dos casos, na realidade, tem como vítimas mulheres manipuladas por seus parceiros amorosos.

“Como se trata de uma disputa de poder, a pessoa abusadora tem uma chavinha girada por ter mais poder que a pessoa abusada, então ela vai fazer o que ela acha que é certo, inclusive destruir os bens da outra pessoa. Então, quando há uma briga em que, por exemplo, acontece de uma das partes do casal pegar o celular da outra e jogar na parede, que é uma coisa que infelizmente acontece com muita recorrência, isso é violência patrimonial”, atenta ela.

Para a psicóloga, nem sempre é fácil identificar se uma pessoa é vítima desse tipo de violência. Por isso, ela lista uma série de dicas que podem ajudar a reconhecer comportamentos padrões que podem estar relacionados à violência patrimonial:

1. Alerta para a justificativa da “administração”
“Muitas vezes a pessoa abusadora, seja o marido, os pais ou outrem, usa da justificativa que está administrando os recursos familiares para a partir disso impedir que a mulher tenha acesso a eles. No entanto, administrar é diferente de reter e não permitir que essa mulher saiba quanto há ou o que está sendo feito com o dinheiro, por exemplo. Para convencê-la, é comum o abusador afirmar que ela não é capaz, que é descontrolada financeiramente e que é melhor que apenas ele tenha acesso aos bens e recursos”, afirma Najma.

2. Observe a agressividade em outros posicionamentos
“Grande parte das pessoas violentas em relação ao patrimônio demonstram sua agressividade também em outros aspectos da relação, como a violência verbal e psicológica, com insultos e ofensas para ferir a vítima. Além disso, o controle financeiro se extrapola e a violência patrimonial acontece em tom de ameaça ou punição com danos a objetos, como quebra de aparelhos celulares e ocultação ou destruição de documentos”, explica a mentora.

3. Pedido de autorização: posso?
“A restrição financeira é quando o abusador começa a colocar limite nos recursos da vítima para que ela precise pedir autorização para tudo o que quiser adquirir, o que gera uma dependência muito grande. Essa dependência começa com o controle financeiro e segue para as proibições de necessidades básicas, como despesas com alimentação e medicamentos, por exemplo”, diz Najma.

4. Manipulação emocional e necessidade de controle
“Não é raro, ainda, o abusador distorcer a situação quando a vítima questiona sobre as finanças e dizer para ela que ela não confia mais nele. Ele também mina a confiança dela aos poucos, até mesmo de forma sutil, como ao afirmar que ela não tem habilidade com matemática. Tudo confirma outro aspecto muito comum nas relações abusivas: a disputa de poder, elemento sempre presente em relacionamentos assim, uma vez que o abusador tem necessidade absoluta de controle”, complementa ela.

5. Você sente mais medo ou é mais feliz?
“Embora seja realmente difícil para a vítima se enxergar nesse cenário em um primeiro momento, ela deve estar atenta aos sinais e ser sincera consigo mesma. Pergunte-se: ‘você está vivendo o melhor do seu relacionamento?’ Quando há mais presença do medo do que
da sensação de felicidade, é muito provável que você esteja em uma relação abusiva”, conclui a especialista. 

Ciclos de violência 

Ainda assim, mesmo que se reconheça o abuso, a vítima pode ter dificuldade em encerrar o ciclo de violência, uma vez que é cometida por pessoas próximas e a quem cultivam afeto a longa data. “‘Como vou encerrar laços com o amor da minha vida?’ ‘Ou com meus pais?’. É complicado conversar com as vítimas e é preciso ter cuidado”, comenta a psicóloga.

“Tive uma paciente que sofreu de violência patrimonial, mas só pôde dar nome para o que estava passando após ter envolvido a polícia”, conta Najma. O exemplo prático que ela dá é o de uma mulher que trabalhava como autônoma e era muito boa no que fazia, mas que não conseguia administrar muito bem a parte financeira de seus negócios.

“Ela teve a ideia de se juntar ao namorado, bom com finanças, para que administrassem o negócio juntos. Mas ao invés de apenas administrar, ele não deixava que ela tivesse acesso à conta da empresa e passou a minar a mulher; tudo que ela precisava ou queria comprar, tinha que pedir. Depois, começou a guardar e a esconder as coisas dela com a desculpa de que ela era ‘meio lenta’ ou ‘meio lerda’”, relata.

“Chegou num ponto em que ele saía de casa e trancava a porta sem que ela tivesse a chave. Ele trabalhava com uma comunicação muito manipuladora para convencê-la de que ela não precisava ter a chave de casa porque ela era esquecida ou porque ela não precisava sair de casa”, continua.

“Um dia, ela precisou sair de casa, e com a porta trancada, teve uma crise de pânico. Ela ligava para ele, que dizia que não iria deixá-la sair, e ela só conseguiu abrir a porta quando a polícia chegou. Pediram os documentos dela para registrar o B.O., mas onde estavam os documentos? Ele tinha escondido numa porta falsa do guarda-roupa e só achou com a ajuda dos policiais”, completa Najma. 

Evitar e combater 

A mentora explica que uma das formas de se evitar a violência patrimonial é manter-se no controle das suas finanças e dos seus bens. “Isso não significa que você não possa delegar e pedir ajuda, mas você não deve se ausentar da responsabilidade”, explica. 

Para sair do ciclo de violência patrimonial, no entanto, ela afirma que o ideal é encerrar a relação. “Mas isso é meio complicado, porque também existem outros tipos de abusos e manipulações dentro da relação que impedem o término, e tudo isso pode causar diversos danos à saúde mental das vítimas. Desde crises de ansiedade e pânico até depressão profunda e baixa autoestima, que fazem a vítima não conseguir reagir contra a violência”, afirma a psicóloga.

De acordo com Najma, uma das maneiras mais eficientes de se evitar a entrada em um ciclo de violência patrimonial é estar sempre atenta e buscar conhecimento sobre os tipos de abuso.

“A minha paciente nunca chamou os abusos de violência patrimonial. Foi preciso que uma policial falasse para ela. Antes disso, ela só sentia que tinha algo de errado, mas não tinha nome. As mulheres vivem isso sem saber”, completa a psicóloga.
 

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