Certas experiências podem mudar a vida de uma pessoa. Ao entrar em um avião em 2001, a médica Márcia Guimarães, oftalmologista por paixão, jamais imaginou que não chegaria ao seu destino e que se tornaria uma referência em neurovisão, uma área de pesquisa ainda em crescimento que estuda a relação entre a visão e as demais áreas do cérebro.
A viagem partia de Belo Horizonte e tinha como destino levar uma jovem americana para acompanhar o Projeto Tamar na Bahia. O piloto era Ricardo Guimarães, seu marido e também oftalmologista de sucesso. Ao sobrevoar o estado do Espírito Santo, a aeronave apresentou uma pane e, mesmo Ricardo conseguindo pousar o avião sem o motor funcionando, houve um incêndio.
Na tentativa de proteger a esposa, Ricardo se jogou sobre ela. Todos sobreviveram, mas o casal ficou quatro meses e meio internados, dos quais 2 meses no CTI no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Após acordar, a limitação dos movimentos das mãos fez com que Márcia visse o mundo sob uma nova perspectiva.
"Eu estava muito limitada fazendo reabilitação e cirurgias plásticas nas mãos... então o que nos restava fazer era voltar a atenção para a Fundação Hospital de Olhos", relata a médica.
Ao longo do processo de reabilitação, que durou 18 meses, e sem mobilidade suficiente para atuar no consultório, se dedicou à triagem visual e observou crianças que tinham todo o sistema visual em perfeito funcionamento, mas não conseguiam aprender a ler. Sua curiosidade e dedicação fizeram com que buscasse entender o que estaria prejudicando essas crianças.
O desafio da leitura
Apesar de corriqueiro no dia a dia de milhares de pessoas, a leitura é a habilidade mais difícil para o cérebro aprender. Márcia explica que os seres humanos nascem com a habilidade inata de ver e fazer ligações, por exemplo: um bebê que identifica sua mãe e associa à segurança.
Entretanto, a leitura não é tão instintiva. "Não é toda criança de quatro a cinco anos que consegue aprender a ler e isso não quer dizer que ela tem distúrbio de aprendizagem. Quer dizer que ela não está neurologicamente capacitada para adquirir a habilidade mais complexa que o ser humano aprende na vida inteira, que é a leitura", explica.
A partir disso, ela ingressou nos estudos das neurociências da visão, ciência que estuda o processamento das informações captadas pelos olhos. Assim, foi descoberto que o teste de visualização das letras corresponde aproximadamente apenas a 15% do que significa ver. Segundo a médica, já foram identificadas mais de 65 sub áreas do cérebro humano que estão envolvidas com processamento da visão.
Parceria de sucesso
Márcia é casada desde 1978 com o também médico Ricardo Guimarães, pioneiro em muitas técnicas usadas mundialmente. Em 1979, o casal recebeu bolsas de estudo do governo brasileiro para especialização no exterior e embarcou para a Europa. Foram quatro anos morando na França, Inglaterra e Estados Unidos.
Quando retornaram ao Brasil, iniciaram o projeto de criação de uma clínica e fundaram o Hospital de Olhos Dr. Ricardo Guimarães (HOlhos), em Belo Horizonte, em 1986. A instituição participou de inovações mundiais na área de cirurgia refrativa, além de ter sido responsável por uma das primeiras cirurgias de catarata em Minas Gerais.
"Eu estudei em escola pública minha vida todinha, eu estudei em grupo escolar, Instituto de Educação, no Colégio Universitário, Colégio Estadual e depois eu fiz UFMG. Só estudei em escola pública e fiz minha pós-graduação via bolsas do governo brasileiro. Então quando a gente voltou nós fizemos a Fundação Hospital de Olhos para retribuir à sociedade", conta Márcia.
Hoje ela atua como diretora clínica, chefe do Departamento de Neurovisão/DARV, e do Departamento de Distúrbios de Aprendizagem Relacionados à Visão do Hospital de Olhos de Minas Gerais e como diretora Científica da Fundação Hospital de Olhos.