No primeiro século antes de Cristo, o poeta romano Catulo se apaixonou pela aristocrata Clódia. Manifestou esse amor proibido pela musa em uma série de poemas, mais tarde reunidos pelo compositor alemão Carl Orff (1895-1982) na cantata Catulli Carmina. A montagem homônima, que estreia nesta sexta-feira (14), no Sesc Palladium, sucede a Carmina Burana, primeira parte da trilogia de Orff e apresentada em BH sob a direção de Ernani Maletta.
A cantata cênica Catulli Carmina homenageia os 20 anos do Núcleo de Música Coral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualíssimo, o enredo aborda o sentimento de posse masculino. “Fala do desejo do homem de ter a mulher como a sua amada – e de mais ninguém. Porém, a personagem se nega a ser propriedade de alguém. Ama-o, mas não abre mão de estar com outros”, explica o diretor.
Maletta relembra o contexto em que Carmina Burana foi montado, há cerca de dois anos, em BH. “Estávamos vivendo o golpe, o momento da arbitrariedade, quando houve um grande retrocesso com a PEC dos Gastos, que congelou os recursos para a cultura”, diz. Neste dezembro, a sequência da saga chega ao palco em meio ao fortalecimento de movimentos feministas, como o #metoo.
O foco principal é a disputa pelo poder e suas contradições. “Queremos ter a posse do outro, mas não queremos ser posse de ninguém”, comenta Maletta. A trilogia remete a um impasse: “O ser humano não é monogâmico. O contexto social dita como ele deve ser, mas existe um conflito entre o que a mente consegue aceitar e o que o corpo deseja”, observa.
FORTUNA Carl Orff abre Carmina Burana com a imagem da roda da fortuna, que ora está de cabeça para cima, ora está de cabeça para baixo. “O ser humano é refém dessa roda. Vive pela disputa do poder em seus aspectos políticos, sociais, econômicos, pessoais, emocionais e amorosos”, comenta Maletta.
Legendas em português auxiliarão o público a acompanhar a leitura, em latim, de poemas de autores desconhecidos encontrados em um mosteiro na Alemanha. “Esta obra é poderosa, pois toca em questões com as quais quase todo mundo se identifica de alguma maneira”, acredita Maletta.
O Núcleo de Música Coral da UFMG é formado por pessoas da comunidade – não necessariamente cantores profissionais. O diretor observa que grupos assim não costumam apresentar peças complexas. Por isso, quis dar ao Núcleo a oportunidade de levar ao palco uma das obras mais importantes do século 20. Cerca de 150 pessoas estarão no palco.
“Nossa estratégia pedagógica envolve o coletivo. Cada cantor não precisa ter preciosismo muito grande, pois conta com a ajuda de todos. A força somada é o resultado final”, observa. “As pessoas, às vezes, sentem-se intimidadas, acham que não têm habilidade, como se houvesse necessidade de habilidade para fazer arte. A arte é um direito, não precisa estar ligada a nenhuma técnica, e o canto coral favorece isso. No coletivo, as pessoas se sentem protegidas e menos expostas”, conclui Ernani Maletta.
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria
Nossa estratégia pedagógica envolve o coletivo.
Cada cantor não precisa ter preciosismo muito grande, pois conta com a ajuda de todos”
Ernani Maletta, diretor
Cada cantor não precisa ter preciosismo muito grande, pois conta com a ajuda de todos”
Ernani Maletta, diretor
CATULLI CARMINA
De Carl Orff. Direção-geral: Ernani Maletta. Com Núcleo de Música Coral da UFMG. Grande Teatro do Sesc Palladium. Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3270-8100. Nesta sexta (14) e sábado (15), às 21h; domingo (16), às 18h. R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada).