Sem medo do que encontraria pela frente, a servidora pública Sueli Batista, 45 anos, invadiu um terreno predominantemente masculino. Depois de superar a barreira do mercado de trabalho e de atingir a tão sonhada estabilidade financeira, ela decidiu correr riscos que a maioria das mulheres evita. Há dois anos, apostando no sonho de comprar um imóvel, Sueli engrossou as estatísticas femininas da Bolsa de Valores. Desde então, não tem do que se arrepender.
No Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta terça-feira, Sueli diz que elas podem ir ainda mais longe na área financeira. “Poupei R$ 20 mil e ganhei quase 50% do valor. Mas não foi fácil. Quando as ações caíam, eu quase tinha um ataque do coração. Ligava para o meu irmão, que também investe, desesperada”, diz a servidora. “Segui a dica de esquecer o dinheiro lá e verificar apenas depois de um tempo e deu certo. Consegui uma cobertura em Águas Claras”, completa.
Entre 2002 e 2011, o número de investidoras na BM&FBovespa saltou de 15.030 para 149.536 — aumento de 894%. A maioria (35.768) tem entre 26 e 35 anos — faixa etária em que, geralmente, elas já conseguiram se estabelecer na profissão. Na outra ponta, há 867 investidoras de até 15 anos e 5.579 com idade entre 16 e 25 anos, ou seja, aquelas que ainda estão no início da jornada escolar ou prospectando as primeiras oportunidades na carreira.
Pesquisa realizada nos Estados Unidos pela seguradora MetLife com mil mulheres de 45 a 70 anos revelou que, embora possuam elevado grau de escolaridade e bom nível de renda, elas ainda se mostram avessas a comprar ações. O perfil é mais conservador do que o dos homens. A desconfiança tem razão de ser: a preocupação em direcionar os recursos para a família. Na avaliação dos especialistas, no entanto, a tendência natural é que, em se tratando de negócios, as mulheres assumam características mais agressivas. “Elas estão deixando de ser conservadoras. A mulher percebeu que a poupança não é mais atraente e está optando por novos investimentos”, adverte a gerente do Easynvest, Miriam Macari.
No país, conforme o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 97,3 milhões de mulheres. Na média, essa parcela da população, embora seja maioria e mais escolarizada, ainda ganha menos do que os homens, em especial quando alcança cargos de chefia. Miriam Macari prevê um aumento da participação feminina no mercado acionário. “Hoje, representamos 24,78% do número de investidores cadastrados na Bolsa e, nos próximos anos, esse percentual deve se igualar ou superar o dos homens”, justifica. Miriam ressalta, porém, que o primeiro passo para as mulheres participarem dessa revolução é entender o processo. “Ela precisa se informar melhor sobre as companhias em que deseja investir e fazer cursos para conhecer o funcionamento e as operações na Bolsa”, justifica.
Prática
A servidora pública Carolina Lopes Teixeira, 25 anos, é uma investidora assídua. Ela começou a aplicar aos 18 anos, sem um objetivo específico, e entrou em um grupo para aprender mais. A jovem recomenda que os iniciantes destinem para as ações uma quantia de que não vão precisar num período curto. “Estudei para fazer o dinheiro render. Não é questão de sorte. Isso envolve muito estudo dos gráficos”, diz.
A consultora da BM&FBovespa Tércia Rocha reforça que a diferença entre o percentual de homens (75,22%) e de mulheres (24,78%) que investem na Bolsa representa a realidade do mercado de trabalho. “Na maioria das famílias nas quais homem e mulher trabalham, ou só o homem trabalha, os investimentos ficam em nome deles. Se pensarmos no perfil de renda familiar, 36% das famílias são sustentadas pelas mulheres, 33% são por mulheres e homens e 31%, só por homens. Os investimentos dessas duas últimas famílias ficam no nome do homem”, adverte.
Para Tércia, as mulheres que decidem comprar ações estão em busca, principalmente, de estabilidade. “Elas começam a se informar para usar o orçamento do lar da melhor forma. Poupam e buscam investir corretamente para terem independência financeira”, acrescenta. Luciano Miranda, sócio da AçãoDall’Oca Investimentos, orienta as novas investidoras a buscarem informações. “A mulher está trabalhando, tendo mais conhecimento e se expondo ao risco. Só é preciso estudar mais para conseguir melhores resultados”, ressalta.
Oportunidade
A Bovespa percebeu o interesse do público feminino pelo mercado acionário e, desde 2003, mantém o site Mulheres em Ação, com informações detalhadas sobre como investir. Na página www.bmfbovespa.com.br/mulheres, é possível encontrar simuladores de investimentos, dicas sofre finanças pessoais, conceitos do mercado de ações e do funcionamento de ações e, inclusive, informações sobre como oferecer educação financeira aos filhos de maneira didática.
Maioria de currículos
As mulheres não avançaram apenas na área de finanças. Na hora de procurar emprego, elas são pró-ativas e sabem utilizar melhor os instrumentos oferecidos pela tecnologia. Levantamento feito pelo site de empregos Curriculum mostra que, dos 5,8 milhões de currículos armazenados na página eletrônica, 3,1 milhões, ou 54%, são de mulheres. Do total de cadastradas, 46% informaram ter escolaridade acima do nível superior, enquanto 44% dos homens disseram estar na mesma condição. Além disso, 71% delas são solteiras e 75% têm entre 20 e 39 anos de idade. Os homens nessa situação representam 65% e 71% do total, respectivamente.