Usuários de planos de saúde odontológicos estão vivendo uma roleta russa. Dentistas de todo o estado abriram uma espécie de guerra com as operadoras de planos de saúde, acirrando no estado um movimento de descredenciamento de convênios. Ao comprar um plano odontológico, que custa entre R$ 14 e R$ 30 por mês, o consumidor paga por um produto que está cada vez mais difícil de ser utilizado. É preciso sorte para conseguir atendimento pelo plano, mesmo quando se trata de coberturas obrigatórias, previstas no rol de procedimentos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Como as tabelas de procedimentos odontológicos têm baixa remuneração, algumas operadoras completam 10 anos sem reajustes, com defasagens de até 90% em relação a remuneração mínima do mercado. Profissionais de Minas Gerais dizem abertamente que estão recusando atender por convênios, ou selecionam dentro de uma lista extensa, um ou outro procedimento onde a remuneração cubra os custos.
Enquanto os planos médicos cresceram a uma média anual de 4,9%nos últimos oitos anos, o produto dental avançou a um percentual de 18,4%. No período, a receita das operadoras mais que dobrou, saltando de R$ 499 milhões para R$ 1,1 bilhão. Para os dentistas, a qualidade no atendimento não avançou no mesmo ritmo. Como ganhar no volume é a regra para os atendimentos conveniados, os procedimentos são realizados em escala e muitas vezes com qualidade questionável. A denúncia é feita pelo Sindicato dos Odontologistas de Minas (Somge), Associação Brasileira de Odontologia (ABO-MG), além do Conselho Regional de Odontologia (CRO). O tema estará nesta quinta-feira em debate no Congresso Internacional de Odontologia, em Belo Horizonte. E os dentistas do país vão engrossar o “Dia sem plano de saúde”, paralisação puxada pelos médicos, marcada para 7 de abril.
“Nos centros urbanos os dentistas estão se descredenciando e no interior existe uma resistência em aceitar novas operadoras”, aponta Eduardo Carlos Gomide, presidente da Comissão Estadual de Convênios e Credenciamentos que reúne o CRO, ABO e Somge. Ele critica o fato de as operadoras não aceitarem propostas de negociação e da agência reguladora não interferir no processo. Segundo ele, a fiscalização é ineficiente e permite que os planos odontológicos sejam até dados como brinde para quem compra o plano de saúde. “Se o produto é de graça, quem paga a conta? Saúde não é mercadoria.”
O ambiente de hostilidade entre os planos e os profissionais se tornou tão grande que o Ministério Público Estadual (MPE) está agindo na fiscalização do setor. “Acionamos o MPE porque os planos, para comprovar procedimentos, exigiam raio X dos pacientes, sem que houvesse indicação clínica para que eles fossem submetidos à radiação”, diz Gomide. A ANS não comentou a questão.
Usuária de um plano de saúde há 10 anos, a dona de casa Lucia Monteiro conta que tem a carteirinha, mas não usa o produto. “Meu dentista não atende mais pelo convênio, agora pago particular.” Há 17 anos no mercado, a dentista Renata Scheffer se descredenciou, migrando sua clientela para atendimento particular. “É inviável associar qualidade com os preços pagos pelos convênios.”
Outro ponto atacado pelos dentistas é a burocracia para pagamento dos procedimentos. Segundo Scheffer, por diversas vezes, ela chegou a desistir de receber dos convênios, trabalhando no negativo. “O grande lesado é o paciente. Quando ele compra o plano, deveria encontrar atendimentos padronizados e com qualidade”.
Em Minas, cerca de 160 operadoras atuam no segmento, mas o mercado é dominado pela OdontoPrev, Bradesco Dental e MetLife, com sede nos EUA. A Federação Nacional da Saúde Suplementar (FenaSaúde) informa que suas associadas têm apresentado propostas concretas de reajustes das tabelas. O dentista Delano Prates, há 22 anos no mercado, não concorda. “Dos 10 convênios que atendia, hoje tenho apenas quatro.”