O governo brasileiro fez a opção por ignorar a decisão da Alemanha de suspender o funcionamento de usinas nucleares construídas antes da década de 1980, apesar das semelhanças entre os empreendimentos do tipo nos dois países e do acordo bilateral existente desde 1975 — que prevê o suporte financeiro dos alemães na construção da usina Angra 3, em Angra dos Reis (RJ).
Agora, duas semanas após a tragédia nuclear no Japão e a suspensão por três meses das operações em sete reatores nucleares no país europeu, o Ministério da Economia germânico decidiu reavaliar as garantias aos financiamentos previstos para Angra 3.
O montante envolvido é de 1,3 bilhão de euros (mais de R$ 3 bilhões), dinheiro que seria utilizado na aquisição de tecnologia, produtos e serviços para a usina brasileira. O financiamento da Alemanha equivale a um terço do dinheiro previsto no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para Angra 3, cuja retomada da construção começou no ano passado. Se a Alemanha decidir pela suspensão do financiamento, a terceira usina nuclear brasileira poderá não sair do papel.
O governo da chanceler Angela Merkel decidiu suspender as operações nos reatores nucleares mais antigos do país depois do acidente em Fukushima, no Japão, em decorrência de um terremoto seguido por um tsunami. As três usinas brasileiras — Angra 1, 2 e 3 — têm projetos anteriores à década de 1980. Angra 2 e Angra 3 são citadas no acordo bilateral de 1975 e têm a mesma tecnologia dos reatores alemães. Mesmo assim, as estatais brasileiras responsáveis pelo funcionamento das usinas e os ministérios que definem o programa nuclear do país não enxergaram qualquer razão para mudanças nos procedimentos de segurança, ou mesmo para a suspensão das atividades. O máximo que será feito é uma verificação desses procedimentos.
Em comunicado divulgado na última quarta-feira, o Ministério da Economia da Alemanha informou que cobrará do governo brasileiro informações sobre “procedimentos” e “padrões” que serão adotados em Angra 3. Como a usina é um projeto da década de 1970 — inclusive com equipamentos adquiridos naquele período —, a pasta germânica quer saber o que foi feito para tornar Angra 3 uma usina nuclear segura. Essa é uma condicionante para a manutenção do bilionário suporte financeiro ao projeto.
“O governo discute, agora com mais intensidade, essa fiança federal para crédito de exportação com relação à tecnologia nuclear”, diz um comunicado do Ministério da Economia. Dentro da Eletrobras Eletronuclear, estatal responsável pela construção de Angra 3, gestores admitem que a decisão de suspender as atividades dos reatores nucleares no país europeu deve interferir nos financiamentos previstos para Angra 3. Outros órgãos internacionais, porém, podem decidir fazer parte do empreendimento, segundo esses gestores. Oficialmente, a estatal diz que não houve qualquer contato da agência de crédito alemã para reavaliar a participação. A Eletrobras também afirma não ter sido comunicada oficialmente e que, por isso, não comentaria o assunto.
Serviços
Segundo a Eletrobras Eletronuclear, os serviços de engenharia e as aquisições de equipamentos no mercado internacional custarão 1,5 bilhão de euros (R$ 3,5 milhões), o que só será viável por meio de financiamentos internacionais. O crédito deve ser providenciado por um pool de bancos europeus, tendo à frente o francês Societé Generale. A garantia dos empréstimos, conforme o acordo firmado, é responsabilidade de uma agência alemã de crédito à exportação, a Hermes. O objetivo do governo germânico, ao garantir essa fiança, é estimular as exportações do país.
Obras
O início das obras de Angra 3 foi em 1984, mas logo foram paralisadas. O projeto foi retomado em 2010, no âmbito do PAC, e é uma das prioridades da política de expansão de geração de energia do governo Dilma. Se ficar pronta em 2015, conforme o previsto, Angra 3 incrementará em 70% a geração de energia nuclear produzida na região. Os gastos previstos no PAC são de R$ 9 bilhões.